quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Estatísticas - ingenuidades e manipulações
Há uma grande ingenuidade por parte dos crentes absolutos nos números, nas estatísticas, ao extraírem daí conclusões sociológicas e políticas precipitadas com enviesamentos. É o caso do perigo dos terroristas porque afinal matam muito poucas pessoas. Embora seja verdade que o número de vítimas de ataques terroristas seja, em termos absolutos, menor que o de mortes por outras causas (acidentes de trânsito, por exemplo), o impacto psicológico, político e social do terrorismo vai muito além dos números.
O enviesamento quantitativo pode ser uma ferramenta tanto da ingenuidade quanto da manipulação deliberada, e quando utilizado de maneira intencional por demagogos, o resultado é uma opinião pública profundamente confusa e desorientada. A capacidade de distorcer ou simplificar dados para apoiar uma narrativa política cria um ambiente onde as pessoas têm dificuldade em distinguir os factos das manipulações. Uma coisa é quando o ingénuo usa dados de forma enviesada, acreditando na autoridade dos números sem compreender as suas limitações ou complexidade. Ele pode acabar promovendo simplificações perigosas ou tirar conclusões erradas baseadas em correlações superficiais. Mas pior ainda é quando o demagogo utiliza esses mesmos dados com um propósito mais maquiavélico, não para esclarecer, mas para confundir, dividir e manipular a opinião pública. Ele conhece bem a força emocional que certos números podem evocar — especialmente quando relacionados a medo, insegurança ou injustiça.
A análise puramente estatística tende a subestimar o poder que certos fenómenos têm de desestabilizar sociedades, criar clima de medo e justificar mudanças políticas drásticas. A grande ingenuidade está em acreditar que só os números brutos contam, sem levar em consideração o papel que o terrorismo desempenha em manipular percepções públicas, influenciar políticas governamentais e criar divisões dentro das sociedades. Essa abordagem limitada muitas vezes ignora o contexto histórico, cultural e político mais amplo, que é essencial para entender como certos fenómenos afetam profundamente o tecido social.
Este tipo de erro ocorre em muitas vertentes da ação política, e mais ainda quando as pessoas colocam os seus argumentos em trincheiras partidárias. A polarização política exacerba essa tendência, onde cada lado seleciona dados que reforçam a sua narrativa, sem uma análise crítica e abrangente. Estatísticas sobre criminalidade também são usadas de maneira superficial por diferentes campos políticos. Um exemplo é a forma como os defensores de políticas de "tolerância zero" utilizam dados de queda no crime em cidades como Nova York para argumentar que punições severas reduzem a criminalidade. No entanto, críticos dessas políticas apontam para os mesmos dados, argumentando que as quedas no crime ocorreram em paralelo a outros fatores, como mudanças demográficas ou melhorias económicas, não apenas por causa das políticas repressivas. Em ambos os casos, a análise dos números pode ser seletiva e pouco preocupada com a complexidade das dinâmicas sociais.
A questão da imigração é um exemplo clássico de como estatísticas são manipuladas para defender posturas ideológicas. Partidos que adotam uma postura anti-imigração frequentemente apresentam dados sobre taxas de criminalidade ou pressão sobre serviços públicos atribuídas aos imigrantes. No entanto, esses números são, em muitos casos, distorcidos ou retirados de contexto, ignorando o impacto positivo da imigração sobre a economia, inovação e diversidade cultural. Por outro lado, os defensores da imigração podem minimizar desafios reais de integração social ou aumento de tensões culturais, ao focar apenas em dados de crescimento económico.
Na arena ambiental, estatísticas sobre aquecimento global, emissões de carbono e poluição são frequentemente usadas de maneira estratégica por ambos os lados. Negacionistas das mudanças climáticas podem apontar para dados de variações climáticas naturais ao longo da história da Terra para minimizar a urgência da ação climática, enquanto defensores de medidas drásticas podem usar cenários extremos para pressionar por políticas que, em alguns casos, podem ser economicamente inviáveis a curto prazo. Ambos os lados, portanto, selecionam estatísticas e estudos que reforçam suas visões, muitas vezes sem considerar os contextos científicos mais amplos ou as implicações sociais das suas propostas.
Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, o uso seletivo de estatísticas sobre mortes, contágios e a eficácia das vacinas foi amplamente explorado para justificar posições políticas. Certos grupos anti-vacina usavam dados brutos sobre possíveis efeitos colaterais de vacinas, ignorando o impacto esmagadoramente positivo das mesmas na contenção da pandemia. Da mesma forma, certas políticas de lockdowns foram justificadas com dados de mortalidade sem uma análise equilibrada sobre os efeitos colaterais, como problemas de saúde mental ou impactos económicos devastadores.
Esses exemplos mostram que as estatísticas, quando retiradas do contexto ou utilizadas para reforçar posições ideológicas, tornam-se menos uma ferramenta de esclarecimento e mais uma arma na disputa política. Isso revela um fenómeno mais amplo: o enviesamento de confirmação, onde os indivíduos e grupos políticos procuram dados que confirmem suas crenças e rejeitam ou minimizam informações que as contradigam.
Todas as situações que têm impacto na mente das pessoas, como amedrontá-las, o seu efeito pode ter extensões exponenciais. O medo, especialmente quando amplificado por narrativas políticas, mediáticas ou sociais, tem um impacto muito além do imediato podendo ter efeitos exponenciais. Isso se deve ao facto de que o medo altera profundamente a percepção das pessoas sobre risco e segurança, influenciando o comportamento coletivo de maneiras que podem ser exploradas por líderes, governos ou movimentos políticos para obter poder ou controlo.
A amplificação mediática tem um papel crucial em transformar incidentes isolados ou estatisticamente raros numa percepção de crise contínua. Quando eventos como ataques terroristas, crimes violentos ou desastres naturais recebem uma cobertura intensa e prolongada, isso cria a impressão de que esses eventos são muito mais comuns do que realmente são. A sensação de insegurança aumenta, e as pessoas passam a adotar comportamentos de precaução desproporcionado em relação ao risco real.
O medo também pode gerar divisões profundas na sociedade, criando um ambiente onde “o outro” é visto como uma ameaça constante. Em questões como imigração ou segurança, o medo gera desconfiança em relação a certos grupos sociais, minorias ou estrangeiros, amplificando o ressentimento e levando ao extremismo. Movimentos populistas, que não são apenas de direita pois também há populismo de esquerda, frequentemente exploram esse medo para mobilizar apoio, usando retórica que transforma grupos específicos em bodes expiatórios. O medo tende a criar um ciclo de feedback: quanto mais medo as pessoas sentem, mais elas demandam soluções rápidas e drásticas, e quanto mais essas soluções são implementadas, mais o medo é legitimado. Isso pode levar a um ambiente de constante paranoia, onde cada nova ameaça (mesmo que exagerada ou fabricada) parece confirmar a necessidade de medidas ainda mais extremas. Um exemplo disso é a tendência de certos governos de prolongarem estados de emergência, alegando continuamente novas ameaças.
Ora, o medo prolongado gera efeitos psicológicos duradouros, como ansiedade e desconfiança, que corroem a coesão social. Quando as pessoas vivem num estado contínuo de alerta e medo, as suas prioridades mudam drasticamente. Elas se tornam mais propensas a aceitar governos autoritários ou políticas que prometem segurança em troca de liberdade, perpetuando um ciclo onde os direitos individuais são sacrificados por uma suposta maior segurança. A política é feita de percepções e da sua manipulação.
A metáfora do Elefante numa loja de porcelanas é muito utilizada pelos políticos precisamente neste contexto. A "loja de porcelanas" aqui pode ser vista como a arena pública, internacional, onde as ações de ambos os lados são observadas de perto, e onde a destruição causada pela retaliação excessiva é amplamente criticada. Ou a do touro enraivecido que desta numa corrida desabrida depois de uma osca lhe ter entrado num ouvido. Pequenas ações, aparentemente insignificantes em escala, podem desencadear reações desproporcionadas com consequências destrutivas. Uma provocação bem colocada consegue incitar uma resposta devastadora de um adversário muito mais forte, o "touro". Mesmo que o touro tenha sido provocado, ele é quem leva a culpa pelos estragos, especialmente quando os danos incluem vidas civis e crianças.
Não faltam "touros temperamentais" no mundo. Muitos líderes ou nações, ao serem provocados por forças menores, reagem de forma exagerada, causando mais destruição do que o necessário. Isso não só perpetua o ciclo de violência, mas também torna mais difícil encontrar soluções pacíficas. Essa metáfora pode ser aplicada a muitos outros conflitos internacionais, onde o desequilíbrio de poder leva a reações descontroladas e a uma espiral de violência, manipulação de narrativas e polarização política. O grande desafio é que, no mundo real, esses "touros temperamentais" são atores estatais com grandes responsabilidades, e as suas reações não só afetam os alvos imediatos, mas têm ramificações globais, envolvendo alianças, direitos humanos e degradação da opinião pública internacional.
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