quarta-feira, 9 de outubro de 2024
A rivalidade entre Teerão e Telavive
O conflito entre Israel e Irão é uma rivalidade prolongada que se baseia em diferenças ideológicas, geopolíticas e religiosas. Embora nunca tenha ocorrido uma guerra direta entre os dois países, ambos estão envolvidos em ações indiretas apoiando lados opostos em conflitos regionais, criando uma situação de tensão constante.
Antes da Revolução Islâmica, o Irão sob o Xá era um dos poucos países muçulmanos que mantinha boas relações com Israel. No entanto, após a revolução, o novo governo islâmico liderado pelo aiatola Khomeini considerou Israel como um inimigo ideológico, chamando-o de "o Pequeno Satã" (os EUA sendo "o Grande Satã"). A partir daí, o Irão passou a apoiar grupos que se opõem à existência de Israel, como o Hezbollah no Líbano e o Hamas na Faixa de Gaza. Esse apoio inclui financiamento, treino e fornecimento de armas, o que é visto por Israel como uma ameaça direta à sua segurança nacional.
O Irão e Israel competem pelo domínio e influência na região. O Irão busca expandir a sua esfera de influência através do chamado "Crescente Xiita", que inclui Iraque, Síria, Líbano e Iémen, enquanto Israel vê essa expansão como uma ameaça direta. Durante a guerra civil síria, o Irão apoiou fortemente o regime de Bashar al-Assad, fornecendo apoio militar e logístico. Israel, por seu lado, realizou inúmeros ataques aéreos na Síria contra alvos ligados ao Irão e ao Hezbollah para evitar que esses grupos fortalecessem a sua presença a Norte de Israel.
O desenvolvimento do programa nuclear iraniano é uma das principais preocupações de Israel. Telavive vê a possibilidade de o Irão obter armas nucleares como uma ameaça existencial e tem repetidamente pressionado por ações internacionais para impedir o avanço nuclear iraniano. Em 2015 foi assinado um acordo nuclear entre o Irão e as potências mundiais, limitando o programa nuclear iraniano em troca da suspensão de sanções. Israel foi um dos maiores críticos do acordo, argumentando que ele era muito brando e permitia ao Irão manter capacidades nucleares perigosas. Desde que os EUA saíram do acordo em 2018, as tensões aumentaram novamente. Israel tem sido amplamente acusado de realizar operações de sabotagem contra instalações nucleares iranianas e de estar envolvido no assassinato de cientistas nucleares iranianos. Essas operações visam atrasar ou danificar a capacidade do Irão de desenvolver armas nucleares. Irão e Israel têm usado a ciberguerra como ferramenta de confronto. O caso mais famoso é o do vírus Stuxnet, um malware altamente sofisticado que afetou o programa nuclear iraniano e é amplamente atribuído a Israel (e aos EUA).
A liderança iraniana, especialmente sob figuras como o aiatola Ali Khamenei, tem repetidamente clamado pela destruição de Israel. Israel, por sua vez, frequentemente adverte sobre os perigos representados pelo regime iraniano, enfatizando a necessidade de segurança e de ações preventivas. Israel geralmente conta com o apoio dos EUA e de vários países ocidentais em sua postura contra o Irão. O Irão, por sua vez, busca alianças com países e grupos que compartilham a oposição à influência ocidental, como a Rússia, China e os grupos militantes da chamada resistência e que o Irão sustenta como seus procuradores.
Com a instabilidade contínua e a falta de um acordo definitivo sobre o programa nuclear do Irão, as tensões permanecem altas. Depois dos ataques do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 o risco de uma escalada nas tensões entre Israel e o Irão tornou-se cada vez mais inevitável. Os Estados Unidos e aliados ocidentais têm tentado serenar o ímpeto belicista de Netanyahu aparentemente sem um efeito credível. Fatores históricos, ideológicos, religiosos e geopolíticos entrelaçam-se, resultando numa rivalidade de longa data que molda grande parte da política do Médio Oriente contemporâneo.
São sinais destes tempos a opinião pública cada vez mais apoiante nas ruas dos palestinos, apesar dos seus braços armados terroristas, enquanto Israel perde esse apoio a cada dia que passa depois da destruição devastadora na faixa de Gaza acompanhada de um número excessivo de vítimas civis. As manifestações a favor dos palestinos, e consequentemente contra Israel, tem-se intensificado nos últimos anos e pode ser visto como um sinal dos tempos e das mudanças na opinião pública global. Diversos fatores contribuíram para esse aumento de apoio público aos palestinos, apesar da existência de grupos militantes armados, e para a diminuição do apoio a Israel em alguns segmentos da sociedade, especialmente no Ocidente.
Muitos defensores da causa palestina conseguiram moldar a narrativa do conflito como uma luta contra a ocupação e a opressão, semelhante a outras lutas de descolonização ou contra sistemas de apartheid. Esses ideais da esquerda ressoam especialmente bem com movimentos sociais que se posicionam contra a injustiça e as desigualdades, como o movimento Black Lives Matter e outros grupos de direitos civis. A proliferação de vídeos nas redes sociais, relatos e transmissões ao vivo de eventos nos territórios ocupados, compartilhados pelas próprias pessoas que vivem esses conflitos, tem uma grande influência na formação de opiniões. As redes sociais amplificam essas vozes, muitas vezes apresentando uma perspectiva que não aparece nas grandes cadeias de informação tradicionais, onde Israel frequentemente gozava de um apoio mais equilibrado.
As operações militares de Israel, sobretudo com os governos liderados por Benjamin "Bibi" Netanyahu, são frequentemente vistas como desproporcionados em comparação com as ações de grupos como o Hamas. As imagens de destruição em Gaza e as altas taxas de baixas civis palestinas alimentam uma percepção de que a resposta aos ataques de 8 de outubro de 2023 é excessiva, o que tende a gerar empatia para com os palestinos, mesmo entre aqueles que não aprovam o uso da violência por seus grupos armados. Organizações internacionais, como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional, têm emitido relatórios criticando Israel por práticas que consideram violações dos direitos humanos e, em alguns casos, descrevem essas ações como práticas de apartheid. Esses relatórios têm tido um impacto significativo na opinião pública, especialmente entre as gerações mais jovens.
As gerações mais jovens no Ocidente tendem a se identificar mais com causas de justiça social e são mais críticas em relação a governos que consideram autoritários ou que violam os direitos humanos. Esse grupo vê a questão palestina como parte de uma luta mais ampla contra a opressão e a desigualdade, muitas vezes se distanciando da tradicional aliança incondicional com Israel. O ativismo pró-palestino tem uma presença significativa em muitas universidades ocidentais, onde campanhas de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel são amplamente promovidas. Essas campanhas influenciam as atitudes dos jovens e os levam a adotar uma postura mais crítica em relação a Israel.
Enquanto a maioria dos deputados do Partido Republicano Americano se mantém fiel no apoio a Israel, há uma clivagem evidente entre progressistas e a ala mais conservadora do Partido Democrata dos Estados Unidos. Enquanto os republicanos geralmente mantêm um apoio firme a Israel, há um número crescente de democratas e independentes que são críticos em relação à política do governo israelita e mais simpatizantes dos palestinos. As atitudes políticas em países europeus também mudaram, com um número crescente de líderes políticos e partidos expressando preocupações sobre as políticas de assentamento de Israel com os seus colonos e a falta de progresso em direção a uma solução de dois estados.
A normalização das relações entre Israel e alguns países árabes (os Acordos de Abraão) não foi recebida com unanimidade por todos, especialmente entre os que simpatizam com a causa palestina. Para muitos, essas alianças são vistas como uma traição aos interesses palestinos, aumentando ainda mais o foco nas injustiças percebidas. Em alguns círculos, a crescente islamofobia no Ocidente e as narrativas simplistas que rotulam todos os muçulmanos como extremistas têm gerado uma contrarreação. Esse fenómeno faz com que mais pessoas rejeitem essas visões simplistas e se tornem mais abertas a ouvir a perspectiva palestina. Em comunidades muçulmanas e árabes na diáspora, o apoio aos palestinos é uma questão de identidade e de solidariedade cultural, o que também influencia as atitudes de outros grupos progressistas ou minorias que veem similaridades em suas próprias lutas por direitos e reconhecimento.
Essa mudança na opinião pública indica uma tendência crescente de crítica às ações de Israel e de apoio à causa palestina, mesmo diante da complexidade do conflito e da presença de grupos militantes. O resultado é uma situação onde o apoio a Israel, que historicamente foi quase incondicional em muitas partes do Ocidente, está a tornar-se cada vez mais fragmentado e desafiado por vozes que clamam por maior justiça e igualdade no tratamento dos palestinos.
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