sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Mais alguns apontamentos sobre o choque de culturas


Ainda não se pode excluir em definitivo a tese de Huntington sobre a guerra entre duas civilizações: cristã e muçulmana, embora sem ser explicitada por razões de tabu. A tese de Samuel Huntington sobre o "Choque de Civilizações" continua a ser amplamente debatida, e, embora não seja sempre expressa abertamente, muitas vezes é considerada em discussões sobre os conflitos entre o mundo ocidental e o islâmico. O receio de se abordar esse tema diretamente pode, de facto, estar ligado a tabus culturais e políticos, especialmente na era pós-11 de setembro e com o aumento da globalização, que promove a coexistência de diferentes culturas.

Huntington previa que as grandes divisões culturais e religiosas seriam as principais fontes de conflito no mundo pós-Guerra Fria, especialmente entre o Ocidente cristão e o mundo muçulmano. Apesar de muitos criticarem essa visão por ser determinista ou por não levar em conta as complexidades internas dessas civilizações, os conflitos contínuos no Médio Oriente, o terrorismo jihadista e a resposta ocidental a esses fenómenos têm sido usados como exemplos que reforçam a sua teoria. No entanto, outros estudiosos apontam que o cenário global é muito mais multifacetado, com dinâmicas de poder que não podem ser totalmente explicadas por divisões religiosas ou civilizacionais. Além disso, o crescimento de questões transnacionais, como o aquecimento global e crises económicas, também desafia a ideia de que o principal eixo de conflito será entre civilizações religiosas.

De qualquer forma, a tensão entre o Ocidente e o mundo muçulmano continua sendo um tema central em discussões geopolíticas, mesmo que não seja formalmente discutido nos termos de Huntington. Entretanto os cristãos vão-se entretendo no seu interior com ateístas e adeptos de movimentos interseccionais. Enquanto Huntington previu um "choque de civilizações" no nível macro, entre o Ocidente cristão e o mundo muçulmano, há também conflitos internos profundos dentro das sociedades ocidentais. Esses conflitos não são necessariamente de natureza religiosa, mas sim culturais e ideológicas, envolvendo a tensão entre cristãos tradicionais, ateístas e adeptos de movimentos interseccionais.

Por um lado, os cristãos, especialmente os mais conservadores, frequentemente veem o secularismo crescente, o ateísmo e as ideologias interseccionais como ameaças à tradição e aos valores morais estabelecidos. A interseccionalidade, que aborda como diversas formas de discriminação (como raça, género e orientação sexual) se cruzam, é vista por alguns cristãos como parte de um projeto de desconstrução da identidade e dos valores ocidentais. Do outro lado, ateístas e interseccionalistas criticam a influência histórica e contínua do cristianismo nas esferas públicas e privadas, especialmente quando se trata de questões como direitos LGBTQ+, igualdade de género e liberdade religiosa. Esses grupos tendem a desafiar as bases tradicionais que moldaram grande parte da moralidade e da estrutura social ocidental.

Essas disputas refletem uma batalha cultural interna nas sociedades ocidentais, que frequentemente obscurece ou complica o confronto externo entre civilizações. Ao invés de um conflito unificado entre o "Ocidente cristão" e o "mundo islâmico", há divisões internas significativas que fragmentam a coesão dessas sociedades, tornando-as menos capazes de enfrentar desafios externos de maneira unida. Isso pode indicar que, no interior da civilização ocidental, o maior desafio pode não ser o confronto com outras civilizações, mas a própria crise de identidade e unidade. E com o mítico empoderamento feminino as mulheres escritoras protagonizam a temática do género, que em vez de dois géneros já há pelo menos uma dúzia. O empoderamento feminino tem impulsionado as mulheres a protagonizarem diversas temáticas, e o género é uma das mais centrais. Muitas escritoras contemporâneas exploram a fluidez e a complexidade do conceito de género, questionando as antigas binaridades e introduzindo uma maior diversidade de identidades.

Essa expansão das categorias de género reflete a crescente aceitação de que a identidade de género vai além da simples divisão entre masculino e feminino. As ideias em torno do género passaram a incluir múltiplas expressões, como o género não-binário, agénero, género fluido, entre outros, desafiando os limites tradicionais que foram estabelecidos por séculos. O número de géneros pode variar dependendo da abordagem e da interpretação, mas o ponto comum é que as categorias fixas estão sendo substituídas por uma visão mais inclusiva e flexível. No entanto, esse debate também gerou controvérsia. Em círculos mais conservadores, tanto religiosos como seculares, a multiplicidade de géneros é vista como uma desconstrução das normas naturais ou divinas, e há uma resistência em aceitar essa proliferação de identidades. Para outros, essa multiplicidade representa um avanço significativo em termos de liberdade e autodeterminação, permitindo que as pessoas se expressem de maneiras que antes eram reprimidas ou invisibilizadas.

As escritoras, especialmente no contexto feminista e interseccional, desempenham um papel crucial em promover essa narrativa. Elas estão desafiando não apenas as normas patriarcais, mas também as limitações impostas ao que significa ser mulher ou homem. O empoderamento feminino, neste contexto, está conectado a uma luta mais ampla pela inclusão de todas as identidades de género, dando voz a experiências que antes eram marginalizadas ou silenciadas. Esses debates revelam como a questão de género se tornou um campo cultural central, onde antigas tradições colidem com novas formas de pensar sobre identidade, corpo e sociedade.

A ideologia do "politicamente correto" surgiu nos últimos anos do século XX nas Academias da América sob a matriz da teoria crítica da Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt, desenvolvida por teóricos como Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e outros, focava na crítica à cultura e às estruturas de poder no capitalismo avançado, introduzindo ideias marxistas em análises sociais, culturais e filosóficas. O "politicamente correto" surge como uma tentativa de ajustar a linguagem e os comportamentos para evitar ofensas ou exclusões de grupos historicamente marginalizados, como minorias étnicas, mulheres, LGBTQ+, entre outros. Essa preocupação em evitar discriminações é uma extensão das reflexões sobre opressão e poder que foram aprofundadas pela Escola de Frankfurt, embora o "politicamente correto" como prática não tenha sido uma criação direta deles.

Nas décadas: 1980 e 1990, as universidades americanas tornaram-se centros dessa nova sensibilidade, impulsionando uma revisão das práticas e currículos para incluir vozes historicamente marginalizadas e desafiar as normas estabelecidas. A crítica cultural, de inspiração marxista e freudiana, forneceu o arcaboiço para a desconstrução de discursos que naturalizavam as desigualdades. No entanto, o "politicamente correto" também gerou controvérsia e críticas. Muitos argumentam que ele limita a liberdade de expressão e promove uma forma de censura, inibindo o debate aberto. Por outro lado, seus defensores afirmam que ele é uma resposta necessária para corrigir as desigualdades e combater o preconceito enraizado nas estruturas sociais. Assim, enquanto a teoria crítica da Escola de Frankfurt forneceu uma base filosófica para a crítica das estruturas de poder, o movimento "politicamente correto" é um fenómeno mais recente, que se expandiu num contexto diferente, buscando transformar as relações sociais e culturais na sociedade moderna.

Ao cruzar as ideias de Marx com as de Freud, a Escola de Frankfurt distanciou-se do marxismo clássico em vários aspetos. O marxismo clássico, fundamentado nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels, enfatizava sobretudo a análise económica e as relações de produção, com foco na luta de classes, no materialismo histórico e na inevitável revolução proletária. No entanto, os teóricos da Escola de Frankfurt, como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm, perceberam que o marxismo clássico não explicava totalmente porque o proletariado não havia se rebelado conforme previsto, especialmente no contexto das sociedades ocidentais capitalistas avançadas. Eles começaram a investigar não apenas as condições económicas, mas também as estruturas culturais e psicológicas que mantinham o capitalismo em funcionamento. A introdução de Freud e da psicanálise trouxe à tona a importância dos fatores psicológicos e subjetivos, como os desejos inconscientes, as repressões e as neuroses, para entender como as ideologias e as estruturas de poder operam não apenas no nível económico, mas também no íntimo da psique humana. Marcuse, por exemplo, em seu livro Eros e Civilização (1955), fundiu o pensamento marxista com a psicanálise de Freud ao argumentar que as repressões sexuais e emocionais impostas pelas sociedades capitalistas são formas de controlo que inibem o potencial revolucionário das pessoas.

Portanto, o desvio do marxismo clássico está justamente no deslocamento da ênfase estritamente econômica para uma análise mais abrangente das forças culturais e psicológicas que contribuem para a reprodução das relações de dominação, uma abordagem que tornou a Escola de Frankfurt uma das correntes fundadoras da teoria crítica moderna. Isso também explica porque o pensamento deles foi tão influente em campos como a crítica cultural, os estudos culturais, mais recentemente, as questões de identidade e género.

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