segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Os vários grupos identitários




Existem identitários europeus e norte-americanos, mas há diferenças notáveis em seus contextos e alvos específicos. No entanto, os identitários europeus e norte-americanos compartilham uma preocupação: a preservação cultural e identitária das suas respetivas nações, defendendo os valores e as tradições das suas culturas contra as influências externas veiculadas pela imigração. Ambos os grupos são críticos da globalização, que veem como uma força que dilui as culturas nacionais com as fronteiras escancaradas. A imigração, especialmente a de países não ocidentais, é vista como uma ameaça à homogeneidade cultural e, em alguns casos, como uma força que altera o equilíbrio demográfico.

Não há uma definição completamente consensual para o termo "identitário", pois o seu significado pode variar conforme contexto em que é utilizado. No entanto, é possível identificar algumas características comuns que ajudam a compreender o conceito. O termo "identitário" refere-se, de modo amplo, a movimentos, grupos ou ideologias que enfatizam a importância da identidade cultural, nacional, étnica e religiosa como base para a organização social e política. Esses movimentos geralmente militam pela preservação ou afirmação de uma identidade específica, e na resistência a influências percebidas como ameaças externas que diluem essa identidade. As características centrais do movimento identitário são três: radicalismo; nacionalismo; populismo:
1. Radicalismo: O movimento identitário tende a adotar posições extremas em relação a questões políticas e sociais. Ele geralmente rejeita compromissos e busca uma rotura com o status quo, opondo-se às visões mais moderadas ou progressistas da sociedade. Esse radicalismo é frequentemente direcionado contra as políticas de imigração, multiculturalismo e globalização, que são vistas como ameaças à identidade nacional e cultural.
2. Nacionalismo: O nacionalismo é uma pedra angular do movimento identitário. Ele enfatiza a importância da identidade nacional e cultural, promovendo a ideia de que cada nação ou povo tem um direito inalienável de preservar e proteger as suas tradições, valores e território contra influências externas. Esse nacionalismo é muitas vezes etnocêntrico, focando em uma ideia de pureza cultural e na proteção dos interesses do "povo nativo" contra a imigração e a integração cultural.
3. Populismo: O populismo no movimento identitário é caracterizado por uma retórica que contrapõe "o povo" contra "a elite" e "os outros" (frequentemente imigrantes ou minorias). Ele procura mobilizar o descontentamento popular contra as elites políticas, mediáticas e intelectuais, acusando-as de serem cúmplices na destruição das tradições nacionais e na imposição de valores cosmopolitas. O populismo serve como uma ferramenta para ampliar o apelo do movimento, utilizando uma linguagem simples e direta que ressoa com o sentimento de frustração e exclusão de muitos cidadãos.
Esses três elementos, juntos, formam a base ideológica do movimento identitário, que busca redefinir as fronteiras culturais e sociais em resposta às mudanças globais e à crescente diversidade nas sociedades ocidentais. Mas é crucial distinguir os ativistas identitários, e os partidos políticos em que eles militam, dos seus simpatizantes e eleitores. Enquanto os ativistas identitários estão ideologicamente comprometidos e vocalizem as suas causas, os simpatizantes e eleitores que os apoiam podem ter motivações diferentes, sendo menos radicais. Os ativistas tendem a manter uma postura mais radical e purista em relação às suas crenças, sendo menos propensos a fazer concessões ou compromissos ideológicos. Eles veem a política identitária como uma missão fundamental para a transformação social, ou para a proteção de suas culturas e identidades. Esses indivíduos geralmente estão envolvidos na formulação da narrativa e das estratégias do movimento ou partido identitário. Eles influenciam a direção política, desenvolvem argumentos e criam slogans que irão mobilizar os apoiantes e atrair a atenção da Opinião Pública.



Uma manifestação dos identitários austríacos em Viena exibindo o símbolo Lambda

O movimento identitário europeu, frequentemente associado ao símbolo grego Lambda (Λ) teve origem em França, no início dos anos 2000, e se espalhou para outros países europeus. O Lambda, inspirado nos guerreiros espartanos, simboliza a resistência cultural europeia. Esses movimentos são conhecidos como "Génération Identitaire" (Geração Identitária) e têm uma agenda focada em proteger a identidade europeia e a herança cultural contra o que percebem como ameaças, principalmente a imigração em massa e o Islão. Embora o movimento tenha sido criticado por promover ideias que alguns consideram xenófobas ou islamofóbicas, ele geralmente se apresenta como não violento e distanciado de grupos que fazem uso direto da violência. Eles tendem a focar mais em ações simbólicas, campanhas mediáticas e mobilizações públicas que buscam chamar a atenção para suas causas sem recorrer à violência explícita.

A referência ao "lambda" nos escudos dos hoplitas espartanos é, em grande parte, uma reconstrução baseada em tradições literárias posteriores e na lógica de como as forças gregas tendiam a se identificar visualmente, especialmente em um contexto de batalhas. Assim, a associação do símbolo "lambda" (Λ) nos escudos dos hoplitas espartanos tem base em tradições e relatos históricos, mas não há uma única fonte direta e contemporânea que claramente registe esse detalhe. O "lambda" era utilizado para representar "Lacónia" ou "Lacedemónia," as regiões controladas por Esparta. Essa prática de marcar os escudos com a letra grega é amplamente aceite entre os historiadores com base em várias evidências indiretas e tradições literárias posteriores.



Leónidas, rei e general de Esparta, notabilizou-se por ocasião da invasão da Grécia pelos persas, em 481 a.C.. Defendendo o desfiladeiro das Termópilas, que une a Tessália à Beócia, Leónidas e aproximadamente 7000 homens, sendo que apenas 300 eram espartanos, conseguiram repelir os ataques iniciais. Porém, Xerxes I, rei da Pérsia, foi auxiliado por um pastor local (Efialtes) que o conduziu por um caminho que contornava o desfiladeiro, e pôde cercar o exército de Leónidas. Restavam apenas 300 espartanos e pouco mais de 1000 soldados tespienses e tebanos, que decidiram resistir até à morte.

Em 2017 deu-se um acontecimento em Charlottesville, nos Estados Unidos, que reuniu uma série de grupos suprematistas brancos, neonazis e outras fações extremistas, sob o mote "Unite the Right", que veio a ser conhecido de movimento Alt-RightRichard Spencer, uma figura conhecida do movimento Alt-Right nos Estados Unidos, expressou admiração pelo símbolo dos identitários europeus: a bandeira Lambda espartana. Alguns membros do Alt-Right reconhecem a eficácia visual e a força simbólica dos elementos usados pelo movimento identitário europeu, mesmo que existam diferenças significativas em suas ideologias e abordagens. O Lambda espartano, usado pelos identitários europeus, é poderoso porque evoca a imagem dos guerreiros espartanos — conhecidos por sua disciplina, coragem e defesa intransigente da sua terra e cultura contra os persas. Este símbolo conecta-se ao ideal de resistência e preservação, valores centrais para o movimento identitário europeu que se opõe ao que vê como uma ameaça à civilização e aos valores europeus.



Manifestantes na marcha de Charlottesville

 O movimento Alt-Right promove uma agenda explicitamente racista, antissemita e, em muitos casos, defende abertamente a supremacia branca. Os grupos que participaram de Charlottesville não se limitam à preservação cultural ou à defesa de uma identidade nacional, mas defendem a ideia de uma supremacia racial branca, com uma retórica que é frequentemente explicitamente racista e xenófoba. Eles são conhecidos por suas ligações históricas com movimentos neonazis e pelo uso de símbolos e ideologias associados ao ódio racial. Esses grupos são frequentemente associados ao uso direto de violência e à promoção de discursos de ódio. O evento de Charlottesville resultou em confrontos violentos, culminando em um ataque fatal que matou uma manifestante antirracista e feriu outras pessoas, o que mostrou um nível de radicalização e uma disposição para o uso da força que difere significativamente dos métodos dos jovens identitários europeus.

Tanto os identitários europeus como o Alt-Right criticam o liberalismo moderno, que consideram responsável pela diluição cultural e pela erosão dos valores tradicionais. No entanto, os identitários europeus focam-se mais numa narrativa de preservação cultural específica da civilização europeia, enquanto o Alt-Right frequentemente coloca um foco mais explícito na supremacia branca e em questões raciais. O movimento Alt-Right tem uma associação mais direta com grupos e eventos que são abertamente violentos ou promovem discursos de ódio racial, enquanto os identitários europeus buscam manter uma distância da violência explícita e se concentrar em protestos simbólicos e campanhas culturais.

Em estudos académicos e discussões sobre políticas identitárias, o termo "identitário" pode ser usado de maneira mais neutra para descrever movimentos sociais ou políticos que se organizam em torno de uma identidade particular, seja ela racial, étnica, de género, religiosa ou cultural. Nesse sentido, não está necessariamente ligado a ideias nacionalistas ou exclusivistas. A falta de uma definição consensual se deve, em parte, à carga ideológica e política associada ao termo. Para alguns, ser identitário pode significar uma defesa legítima da herança cultural e das tradições; para outros, pode ser visto como um movimento que promove exclusão, intolerância e xenofobia. Portanto, embora existam características comuns nos movimentos identitários, a definição do termo pode variar significativamente dependendo de quem a usa e em qual contexto é aplicada.

Seja como for, sobretudo as esquerdas políticas e académicas colocam a ênfase nos identitários brancos e da herança europeia. E estes grupos, por sua vez, manifestam uma desconfiança em relação às elites políticas, académicas e jornalísticas, que são frequentemente acusadas de promover políticas que enfraquecem a identidade nacional e favorecem a multiculturalidade e a diversidade. Na Europa, os identitários têm uma relação mais direta com as questões de identidade étnica e nacional devido à longa história de Estados/Nação. Cada país europeu tem uma identidade cultural específica, que os identitários buscam preservar. Nos Estados Unidos, a identidade está mais ligada à "identidade branca" cujo contexto multicultural é mais diverso. E se a raiz religiosa é chamada à colação, nos Estados Unidos é mais patente nos Evangélicos. A Europa, de um modo geral, apesar de a secularização já estar muito interiorizada há muitos anos entre os europeus, a verdade é que por contraponto ao crescimento das comunidades islâmicas na Europa, em que o fundamentalismo ainda é significativo, os europeus sentem-se na obrigação de invocar a sua tradição cristã de quase dois milénios.

Os identitários norte-americanos são uns fortes opositores ao multiculturalismo, em que eles acreditam como uma política que dilui a cultura ocidental, apesar de conviverem bem com outras culturas. Na Europa, o foco é mais na preservação de identidades nacionais e na oposição à integração de culturas não europeias, principalmente muçulmanas. Na Europa, especialmente em países como a França e a Alemanha, o movimento identitário frequentemente opõe-se à imigração que se reivindica como legado do colonialismo. Nos Estados Unidos, a questão identitária está fortemente ligada à segregação racial e aos movimentos pelos direitos civis. Os identitários frequentemente criticam políticas consideradas progressistas, como as que promovem a diversidade, a inclusão e os direitos das minorias, por acreditarem que tais políticas favorecem grupos específicos em detrimento da cultura maioritária. Na Europa, o termo é amplamente associado ao "Movimento Identitário" (Identitäre Bewegung), que se originou na França e se espalhou para outros países.

Ora, não podemos escamotear que há movimentos e grupos que podem ser classificados como "identitários" na esquerda do espectro político europeu, embora o termo "identitário" seja mais comumente associado à direita. É o caso dos Movimentos Antifascistas (Antifa). No contexto da esquerda, o foco é frequentemente direcionado para a defesa de identidades minoritárias ou marginalizadas, como questões de raça, género, orientação sexual e direitos de grupos étnicos e culturais específicos. A esquerda identitária na Europa procura valorizar as experiências e as lutas de grupos que historicamente foram marginalizados ou oprimidos. Isso inclui movimentos como feminismo, ativismo LGBTQIA+, e a defesa dos direitos das minorias étnicas e movimentos antirracistas. Os identitários de esquerda defendem mudanças estruturais para enfrentar as desigualdades sistémicas, seja no mercado de trabalho, no sistema educacional ou no sistema judicial.

Os movimentos de esquerda identitários frequentemente destacam o antirracismo e o anticolonialismo como princípios centrais. Eles criticam a herança colonialista de países europeus e buscam desmantelar as estruturas de poder que consideram perpetuar o racismo e a desigualdade social. Em contraste com os identitários de direita, que se concentram em preservar a identidade nacional ou europeia, os identitários de esquerda geralmente promovem uma solidariedade global, defendendo os direitos de povos em outras partes do mundo lutando contra injustiças económicas e políticas. Os identitários de esquerda tendem a promover a inclusão e a diversidade, ao contrário dos identitários de direita, que frequentemente defendem a exclusão de elementos que consideram uma ameaça à identidade nacional ou cultural.

Enquanto os identitários de direita geralmente adotam uma visão nacionalista, buscando preservar culturas e fronteiras, os identitários de esquerda muitas vezes se alinham a uma perspectiva cosmopolita e internacionalista, defendendo a ideia de que os direitos humanos e a dignidade devem ser universais. Muitos identitários de esquerda também associam questões de identidade à crítica ao capitalismo, argumentando que as desigualdades sociais e as opressões são exacerbadas pelo sistema económico global.

Alguns críticos, inclusive dentro da própria esquerda, argumentam que a política identitária pode dividir em vez de unir, focando demais nas diferenças entre grupos em vez de promover uma luta de classe comum ou uma agenda unificadora. Esses críticos sugerem que a ênfase excessiva na identidade pode enfraquecer as alianças necessárias para promover mudanças sociais mais amplas.

Um aspeto é comum: embora cada lado tenha as suas próprias abordagens, motivações e objetivos, a centralidade reside na ênfase em questões de pertencimento, identidade e reconhecimento. Ambos os lados do espectro político usam a identidade como uma ferramenta para mobilizar apoio e moldar as suas agendas. Quer seja a defesa da identidade nacional e cultural por parte da direita; ou a defesa das identidades marginalizadas e das lutas por justiça social por parte da esquerda – o foco está na importância da identidade como um fator definidor das experiências e das reivindicações políticas.

Tanto a direita como a esquerda identitária podem compartilhar um sentimento de exclusão ou de alienação em relação às elites políticas, culturais e económicas, mesmo que as razões para essa exclusão sejam diferentes. A direita pode sentir que sua cultura e valores estão sendo minados pelo multiculturalismo e pela globalização, enquanto a esquerda pode sentir que grupos marginalizados continuam a ser oprimidos e invisibilizados pelo sistema. Rejeição ao Status Quo: Ambos os lados frequentemente rejeitam o status quo político e social, vendo as instituições existentes como insuficientes para proteger as suas respetivas identidades ou atender às suas necessidades. Essa insatisfação pode resultar em críticas ao liberalismo, ao neoliberalismo e às políticas de mainstream, ainda que a partir de perspectivas diferentes. Outro aspeto que os identifica é o uso de retórica de resistência e luta. A direita pode falar em termos de "resistência contra a invasão cultural" ou a "defesa do Ocidente", enquanto a esquerda usa uma linguagem de "resistência à opressão" e "luta contra a desigualdade sistémica".

Apesar dessas áreas de sobreposição, as diferenças na abordagem são significativas. A esquerda identitária, em geral, busca ampliar os direitos e o reconhecimento de grupos historicamente marginalizados, promovendo uma sociedade mais inclusiva. Já a direita identitária tende a focar na exclusividade e na preservação de uma identidade cultural específica, resistindo à inclusão de grupos considerados como externos ou ameaçadores. A direita identitária pode enfatizar valores individualistas, como liberdade pessoal e propriedade, dentro de uma moldura nacionalista. Por outro lado, a esquerda identitária frequentemente adota uma postura coletivista, valorizando a solidariedade entre grupos marginalizados e lutando por uma redistribuição de poder e recursos.

Seja como for, os identitários não se encaixam perfeitamente nas divisões tradicionais entre direita e esquerda. Em vez disso, as preocupações com identidade, cultura e pertencimento transcendem essas categorias, tornando a linha divisória ideológica menos clara do que é frequentemente percebida. Essa ambiguidade pode criar alianças inesperadas e também causar tensões dentro de cada campo político. Por exemplo, na direita, nem todos os conservadores tradicionais apoiam a agenda identitária radical, assim como na esquerda, nem todos os progressistas concordam com a ênfase exclusiva em questões identitárias, dando mais valor a uma agenda político/económica mais ampla.


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