sábado, 5 de outubro de 2024

Aquiles e Ulisses. Egoísmo e altruísmo


Aquiles, conforme retratado por Homero na Ilíada, pode ser considerado um protótipo do tipo de pessoa impulsiva. Ele é um dos maiores heróis da mitologia grega, conhecido tanto por sua bravura e virtude quanto por sua intensa ira e reações impulsivas. Apesar de ser admirado como um guerreiro nobre e justo, Aquiles frequentemente reage de maneira violenta quando se sente desafiado ou desrespeitado. A maior expressão dessa característica é a sua reação intempestiva ao ser desonrado por Agamenon, quando lhe tira Briseida. Esse ato desencadeia a ira de Aquiles, mas que é tida como divina, levando-o a se retirar das hostes de combate, o que coloca em risco todo o exército grego. Sua ira o domina de tal maneira que ele prefere colocar a honra pessoal acima da causa comum da guerra. Mais tarde, sua fúria atinge níveis extremos após a morte do amigo - Pátroclo - levando-o a atos de brutalidade, como a profanação do corpo de Heitor.

Ulisses, ou Odisseu, contrasta significativamente com Aquiles, o seu temperamento é oposto ao de Aquiles, e mais sagaz nas suas abordagens às situações limite. Ulisses é frequentemente descrito como astuto, paciente e dotado de uma inteligência prática e estratégica. Ulisses exemplifica um tipo de virtude muito mais associada à razão e ao autocontrolo do que à bravura física ou à reatividade emocional. Na Odisseia, Ulisses é conhecido pela inteligência e sabedoria prática, que envolve astúcia, dissimulação e a capacidade de se adaptar a diferentes circunstâncias. Ulisses é um estratega nato, alguém que sobrepõe a inteligência à força bruta, o que ficou evidente quando engendrou o Cavalo de Troia. E depois nas sucessivas peripécias e provações nos anos de viagem pelo mar que levou para regressar a Ítaca, a sua casa.

Aquiles é, assim, um personagem complexo que exemplifica como um herói pode ser moralmente virtuoso, mas ainda assim sujeito a reações violentas e passionais diante de desafios ao seu orgulho. Seu temperamento impetuoso e a sua dificuldade em controlar a ira, mesmo sabendo das consequências, podem ser vistos como uma forma de "akrasia", onde a emoção intensa sobrepõe-se à razão e ao autocontrolo. Portanto, ele se encaixa bem como um arquétipo daquelas pessoas que, apesar de suas qualidades, são intempestivas e movidas por fortes impulsos emocionais quando desafiadas.

Enquanto Aquiles age com impulso e paixão, Ulisses pondera, planeia e muitas vezes usa o engano e a persuasão para alcançar os seus objetivos. Ele demonstra uma incrível capacidade de resiliência, preferindo adiar a gratificação imediata, suportando todas as dificuldades, para levar por diante o seu objetivo final. Em vez de se deixar dominar pela ira ou pelo orgulho, Ulisses é caracterizado por sua resiliência e habilidade em manter o controlo emocional, mesmo diante de desafios monumentais. Filosoficamente, Ulisses poderia ser visto como um protótipo de uma pessoa governada pela razão, em oposição à emoção. Ele incorpora o ideal da phronesis (sabedoria prática), sendo capaz de navegar com habilidade não apenas pelos mares literais, mas pelas complexidades das relações humanas, dos perigos e das armadilhas da vida. Se Aquiles representa o herói impulsivo, movido pelo orgulho e pela honra, Ulisses personifica o herói prudente e racional, cujo maior trunfo é a sua mente e a sua capacidade de adaptação. Ambos são heroicos à sua maneira, mas Ulisses representa uma abordagem muito mais controlada e estratégica.

Pessoas que, em sua normalidade, se comportam como "boas pessoas", mas reagem com intempestividade quando desafiadas, podem ser descritas como tendo traços de impulsividade ou agressividade reativa. Elas podem não ter um controlo adequado das emoções em situações de conflito, o que pode levá-las a reações desproporcionadas. Psicologicamente, isso pode estar ligado a dificuldades em regular emoções, baixa tolerância à frustração, ou a uma percepção de ameaça ao seu ego ou autoridade. Essas pessoas não são necessariamente "más pessoas", mas podem ter dificuldade em lidar com situações que desafiam o seu bom senso e sentido de controlo ou poder, e essa dificuldade é expressa de forma agressiva. Isso pode ser uma questão de temperamento, mas também pode estar relacionado a fatores como o chamado stress pós-traumático da infância, que os condiciona a terem uma muito baixa autoestima. Foram as más experiências anteriores que as fizeram sentir-se mais vulneráveis ou ameaçadas em momentos de confronto.

De um modo geral, para quase todas as pessoas, a excepção confirma a regra, a emoção acaba por se sobrepor à razão sempre que a situação é crítica e de grande stress, que confere grandes desafios à tomada de decisões. Aqui estão algumas aptidões relevantes: resiliência - a capacidade de se recuperar de adversidades e manter a esperança e o esforço; empatia - a habilidade de compreender e compartilhar os sentimentos dos outros; autocontrolo - domínio sobre os próprios impulsos e reações emocionais; assertividade - a capacidade de expressar opiniões e necessidades de forma clara e respeitosa; autenticidade - ser fiel a si mesma, mostrando suas verdadeiras emoções e crenças; altruísmo.

O altruísmo tem a ver com a capacidade de ajudar os outros, mesmo que isso exija sacrifício pessoal.
Daí que a capacidade de manter o foco e seguir adiante com planos e objetivos requeira grande disciplina. E então podemos dizer que uma pessoa é responsável quando tem a disposição de assumir consequências por ações e decisões. E depois há mais umas tantas qualidades que podemos enumerar tal como a honestidade, humildade e perseverança. 

A ciência ainda não chegou a um consenso definitivo sobre se o egoísmo ou o altruísmo prevalece na natureza humana, pois ambos são componentes complexos e interligados do comportamento humano. Pesquisas nas áreas da biologia, psicologia e sociologia indicam que tanto o egoísmo como o altruísmo têm bases evolutivas e podem ser explicados por diferentes teorias. A teoria da seleção natural de Charles Darwin sugere que os comportamentos egoístas podem ser vantajosos para a sobrevivência e reprodução dos indivíduos. Richard Dawkins, em "O Gene Egoísta", argumenta que os genes se comportam de maneira egoísta para garantir a sua própria perpetuação, o que pode explicar comportamentos egoístas nos seres humanos. Por outro lado, o altruísmo também pode ser entendido através de mecanismos evolutivos. A seleção de parentesco, proposta por William Hamilton, sugere que os indivíduos são altruístas com aqueles que compartilham os seus genes, promovendo assim a sobrevivência desses genes. Além disso, a teoria da reciprocidade de Robert Trivers propõe que o altruísmo pode evoluir se houver uma expectativa de reciprocidade futura, ou seja, "eu ajudo você agora, você me ajuda depois".

Estudos na neurociência mostram que comportamentos altruístas podem ativar áreas do cérebro associadas ao prazer e à recompensa, sugerindo que ajudar os outros pode ser intrinsecamente gratificante. Psicólogos também têm identificado que a empatia e a compaixão são partes fundamentais da psicologia humana, contribuindo para o comportamento altruísta. A influência cultural e social também desempenha um papel significativo. Normas sociais e valores culturais podem incentivar tanto o egoísmo quanto o altruísmo, dependendo do contexto. Portanto, a natureza humana parece incluir uma mistura de egoísmo e altruísmo, influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais. A prevalência de um ou outro comportamento pode variar de acordo com circunstâncias específicas e contextos sociais.

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