segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Hubris e o período das Grandes Dionísias



O historiador britânico Arnold J. Toynbee, no seu volumoso Estudo da História, utiliza o conceito de húbris para explicar uma possível causa do colapso das civilizações, como variante ativa da Némesis da criatividade. No grego era “hybris”, porque os gregos antigos consideravam o hibridismo, consequente da miscigenação, uma violação das leis naturais.

Tudo que passa da medida, o descomedimento – orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses) – mais tarde ou mais cedo acaba por ser punida. Na Antiga Grécia, aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controlo sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento inspirado pelas paixões exageradas, consideradas patológicas pelo seu caráter irracional e desequilibrado.

Na Grécia Antiga, o verdadeiro mentor das Grandes Dionísias foi Pisístrato que, no ano de 534 a.C., adaptou e enriqueceu um dos rituais a Dionísio que se tornará exclusivo da cidade de Atenas. Será, pois Pisístrato quem vai imbuir as Grandes Dionísias do espírito de competição, desta feita, competição dramática. Estas festas em nome de Dionísio, realizadas quando a vinha desponta (março), tinham a duração de seis dias e visavam aplacar as forças da natureza. As festividades eram encaradas com tanto zelo que os seus preparativos chegavam a ser feitos com quase um ano de antecedência. Foram estas festas que deram origem ao teatro, na altura entendido como uma manifestação cívica e religiosa.

No século VI a.C. os coros e danças com que se homenageava o deus, evoluíram para verdadeiras representações teatrais que ocupavam os últimos 3 dias das celebrações. Em Atenas, os mais altos magistrados da cidade – o arconte epónimo e o arconte-rei – preparavam as representações. Começavam por designar os Coregos – cidadãos ricos que o estado encarregava de recrutar, manter e equipar, à sua custa, os coros trágicos e cómicos. Os poetas participantes tinham de solicitar um coro. O arconte escolhia o ator principal que tinha à sua ordem os atores de segundo e terceiros papéis. Todos os papéis femininos eram protagonizados por homens. Todos os candidatos eram alvo de uma apresentação geral que se realizava no Odéon.

O período das Grandes Dionísias, que ocorreu no século V a.C., foi crucial para o desenvolvimento do teatro na Grécia antiga. Esse período é frequentemente associado aos grandes dramaturgos Esquilo, Sófocles e Eurípides, que transformaram o teatro grego, especialmente a tragédia. Esquilo é conhecido por suas inovações na estrutura do drama, Sófocles por introduzir o terceiro ator e aprofundar o desenvolvimento dos personagens, e Eurípides por suas explorações psicológicas e sociais mais complexas. As competições dramáticas durante esses festivais eram uma forma importante de expressão cultural e política em Atenas.

A "hubris", ou orgulho excessivo, era um tema central na tragédia grega e refletia uma preocupação profunda com os limites humanos e as consequências da arrogância. Na mitologia e na literatura, personagens que demonstravam hubris frequentemente enfrentavam punições severas, refletindo a crença de que a desmesura perante os deuses e as normas estabelecidas poderia levar à ruína. Esta ideia de equilíbrio e respeito pelas forças divinas e sociais era crucial na cultura grega, e os dramaturgos exploravam essas questões para oferecer lições morais e reflexões sobre a condição humana.

A "Oresteia", trilogia de tragédias escrita por Esquilo, aborda profundamente o problema da violência e da justiça. A trilogia é composta por "Agamémnon", "Coéforas" e "Euménides". Ela explora a sequência de vingança e retribuição na família de Atreu, começando com o assassinato de Agamémnon por sua esposa Clitemnestra, e seguindo com a vingança de Orestes, filho de Agamémnon, que mata sua mãe para vingar o pai. A "Oresteia" culmina com a intervenção dos deuses e a instituição de um sistema judicial para substituir o ciclo interminável de vingança pessoal por uma justiça mais estruturada e civilizada. Esquilo usa essa trilogia para refletir sobre a transição de um sistema de justiça baseado na vingança para um sistema jurídico e social mais ordenado, destacando a importância da lei e da ordem na resolução de conflitos e na construção de uma sociedade justa.

Atenas transformou-se num Império opressor, a Acrópole vangloriava-se disso, mas também constituiu a sua perdição. Atenas, sob a liderança de Péricles e a partir da formação da Liga de Delos, gradualmente transformou-se em um império dominante. Embora inicialmente a Liga de Delos tivesse o objetivo de proteger as cidades-estado gregas contra a ameaça persa, Atenas usou sua posição de liderança para impor sua própria hegemonia, muitas vezes à custa das liberdades e da autonomia das outras cidades-estado.


A Acrópole de Atenas, com suas grandiosas construções como o Pártenon, simbolizava o poder e o prestígio de Atenas, refletindo o estatuto de império e riqueza. No entanto, essa expansão imperial e a crescente opressão das cidades-estado aliadas geraram ressentimento e contribuíram para a instabilidade. A tensão entre Atenas e Esparta culminou na Guerra do Peloponeso, que, após décadas de conflitos e desgaste, acabou enfraquecendo Atenas e levando ao declínio de seu império. A arrogância e o abuso de poder foram fatores significativos na sua eventual queda.

Sófocles, através de suas tragédias, frequentemente abordava temas como a limitação humana e a inevitabilidade do destino, refletindo sobre a fragilidade da condição humana e a ideia de que mesmo os mais sábios e poderosos estão sujeitos às forças do destino e dos deuses. Em obras como "Rei Édipo", ele ilustra como os personagens, apesar de seus esforços e habilidades, estão à mercê de forças que não podem controlar. Assim como Sófocles alertava para os limites do controlo humano e a inevitabilidade do destino, hoje, o reconhecimento da "emergência climática" também serve para nos lembrar das limitações da nossa capacidade de controlar a natureza e as consequências das nossas ações. A reflexão sobre a mortalidade e as limitações humanas, presente na tragédia grega, ressoa com as preocupações contemporâneas sobre o impacto ambiental e a necessidade de ação responsável e consciente.

Curiosamente, pela mesma altura na Índia, novos sábios desesperados com um vazio espiritual, muito se esforçaram para encontrar uma outra solução. Na mesma época em que Sófocles abordava questões de destino e mortalidade na Grécia, na Índia antiga, surgiram importantes movimentos filosóficos e espirituais em resposta a preocupações semelhantes com o sentido da vida e a natureza do sofrimento. Os Upanishads, textos filosóficos que fazem parte das escrituras védicas, exploravam temas como a natureza da realidade, o sentido da vida e a relação entre o eu individual (Atman) e a realidade universal (Brahman). Além disso, o surgimento do Budismo e do Jainismo, fundados por Siddhartha Gautama (Buda) e Mahavira, respectivamente, ofereceu novas abordagens para lidar com o sofrimento e a busca pela iluminação.

Esses sábios e filósofos indianos procuravam transcender o ciclo de sofrimento e reencarnação (samsara) através da prática espiritual, autoconhecimento e ética, oferecendo caminhos para a realização espiritual e a paz interior. Essas respostas contrastam com as soluções práticas e políticas que muitas vezes se buscavam na Grécia antiga, refletindo uma rica diversidade de pensamentos e abordagens para as questões universais da condição humana. O ioga era, por assim dizer, um trabalho a tempo inteiro. Na tradição antiga, o ioga era considerado uma prática intensiva e integral, muitas vezes vista como um caminho completo para a transformação espiritual e pessoal. Os textos antigos, como os Upanishads e os Yoga Sutras de Patanjali, descrevem o ioga não apenas como um conjunto de posturas físicas, mas como um sistema abrangente que inclui práticas mentais e espirituais, como meditação, disciplina ética e controlo dos sentidos. Os praticantes dedicavam tempo e esforço consideráveis ao estudo e à prática do ioga, visando alcançar o autoconhecimento e a realização espiritual. Em muitos casos, o ioga envolvia uma vida de renúncia e dedicação a tempo integral, refletindo a profundidade e a seriedade com que era abordado na busca pela iluminação e pela transcendência.

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