quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Ibn Qasi, rei de Mértola e Silves no século XII, e líder sufi


Abu-l-Qasim Ahmad ibn al-Husayn ibn Qasi, que reinou Mértola e Silves, também foi um líder sufi, com a particularidade de ter celebrado uma aliança com D. Afonso Henriques, rei de Portugal. Nasceu alegadamente em Silves, em ano incerto do séc. XII, numa família de muladis, ou seja, antigos cristãos convertidos ao islamismo após a conquista do Sul da Península Ibérica pelos muçulmanos em 711. Especula-se que o seu nome de família, Qasi, será uma corruptela do latim Cassius, que seria o nome ancestral da sua família.



Mértola

Sendo de família rica, prescindiu da maior parte dos seus bens e da sua herança e mandou construir um ribat, estrutura fortificada que servia ao mesmo tempo de local de culto e de infraestrutura militar, num promontório perto de onde é hoje a Arrifana, no concelho de Aljezur. É aqui que escreve alegadamente a sua principal obra, O Descalçar das Sandálias, onde explicita a sua filosofia religiosa, de origem sufi, fundando um novo movimento, o Muridismo (do qual os praticantes se denominam muridines), auto-denominando-se Ibn Qasi como mahdi (uma figura muito importante em termos religiosos, um profeta final, comparável a uma segunda vinda cristã). Transformando o movimento em poder político, em 14 de agosto de 1144 entra triunfante em Mértola e é denominado íman (um líder da comunidade muito importante, com conotação religiosa).

Dois senhores da região, Ibn Wazir e Ibn al-Mundhir rebelam-se também contra os Almorávidas e prestam-lhe vassalagem, obtendo respetivamente o domínio de Beja e de Silves como recompensa, sendo que o último é enviado por Ibn Qasi em conquistas sucessivas de Niebla, Huelva e numa tentativa falhada de cerco a Sevilha, que o obriga a recuar aos seus domínios.

Ibn Wazir, acaba por se aliar ao senhor de Córdoba derrotando e capturando al-Mundhir, Ibn Qasi, alarmado, tenta pedir ajuda ao Califado Almóada, do Norte de África, mas sem sucesso. Depois de um reinado de pouco mais de um ano perde Mértola para Ibn Wazir. Ibn Qasi foge então para África e intercede pessoalmente junto dos líderes dos Almóadas, que se aliam a ele e lançam, poucos anos depois, uma ofensiva sobre o Sul da Península Ibérica que conquista sucessivamente Jerez, Niebla, Mértola e Silves. Ibn Wazir rende-se e declara fidelidade aos Almóadas, participando ambos os antigos aliados ao assalto (com sucesso, desta vez) dos Almóadas a Sevilha. Como paga pelo seu contributo, é dado a Ibn Qasi o domínio sobre a sua Silves natal. Com a subsequente queda da dinastia dos Almorávidas às mãos dos Almóadas, aproveita uma onda de declarações de independência política de diversos senhores locais para também ele se declarar independente.

No entanto, quando os restantes “reis” locais juram mais tarde fidelidade ao líder dos Almóadas, Ibn Qasi recusa, e procura em contrapartida uma aliança com um cristão. E esse cristão é o nosso Afonso Henriques, que tinha recentemente conquistado Lisboa e se tornado admirado e respeitado pelo seu feito notável de se ter tornado independente do imperador de Leão e Castela. Afonso Henriques terá aceitado esta aliança e enviado de presente, simbolicamente, um cavalo, um escudo e uma lança. Descontentes com esta aliança, os Almóadas patrocinam um golpe, possivelmente liderado por al-Mundhir, perpetrado em 1151, o qual custou a cabeça de Ibn Qasi. Sem o seu mahdi, os muridinos tentam ainda resistir no seu último reduto, Tavira, mas ataques sucessivos lançados desde Cacela acabam por levar à extinção deste movimento. Embora Ibn Qasi e os seus seguidores tenham sido esmagados pelos Almóadas, a sua memória continua viva nas terras de que um dia foi senhor, e tem sido inclusive celebrada nas últimas décadas.




Em Mértola, uma estátua de Ibn Qasi foi erguida às portas do castelo, olhando sobre a "Vila-Museu" do cimo do seu corcel. Em Silves, a sua vida foi tema da Semana Medieval local, com reconstituições dos seus feitos. Em novembro de 2019, a ACTA – Companhia de Teatro do Algarve encenou a peça “Ibn Qasi – O Rei Iniciado do Algarve”, focada na vida de Ibn Qasi e na sua ligação a Afonso Henriques, com Luís Vicente no papel principal.

O sufismo é a corrente mística e contemplativa do Islão. Os praticantes do sufismo, conhecidos como sufis, procuram desenvolver uma relação íntima, direta e contínua com Deus, utilizando-se das práticas espirituais transmitidas pelo profeta Maomé, com destaque para o zikr (a lembrança de Deus), orações e jejuns. Também incorpora práticas, como cânticos, música e movimentos, cuja legalidade é objeto de divergência de opinião entre teólogos e jurisprudentes islâmicos, de diversos países islâmicos, na interpretação da Sharia, a lei divina. A ascensão da civilização islâmica fez-se ao mesmo tempo com a forte influência dos filósofos sufi. A disseminação do sufismo teve um papel decisivo na disseminação do Islão e na criação de culturas islâmicas integrais, especialmente em África e na Ásia. Entre os grandes representantes da mística islâmica, incluem-se os sufis primordiais.



Silves

Uma das teorias para alguns autores é que a palavra sufi é oriunda de suf, que significa "lã" em árabe. Aparentemente, os seus primeiros praticantes tinham por hábito vestir-se com lã, como forma de demonstrar a sua simplicidade, sendo provavelmente influenciados pelos ascetas cristãos da Síria e da Palestina. A lã possuía também uma conotação espiritual nos tempos pré-islâmicos. Para outros autores, a origem deve ser procurada na palavra árabe safa, que significa "pureza". Seja como for, para os grandes estudiosos de linguística, estas palavras têm origem no egípcio antigo, já que o árabe é um idioma substancialmente de influência egípcia, onde o radical "SF" tem como significado "pureza". Portanto, a palavra SUFI é de origem substancialmente egípcia, mas isto não quer dizer que o sufismo seja egípcio, e sim que teve sua base lá, pois o sufismo é atemporal, embora tenha conexões profundas com a sabedoria de todas as grandes culturas do passado, tais como a egípcia, a celta, a persa e afins. A forma como se conhece hoje mais divulgada é a da ortodoxia muçulmana e foi dada pela revelação recebida pelo profeta Maomé e estruturado no século XI depois de Cristo. Sabemos que existem vários santos sufis muito anteriores a esta data, entretanto foi a partir do século XI que as escolas sufis começaram a se organizar como se apresentam nos modelos atuais.

Conhecido por muitos como o misticismo do Islão, o sufismo é uma filosofia de autoconhecimento e contato com o divino, através de certas práticas as quais nem sempre seguem um padrão fixo e frequentemente parecem incompreensíveis a um observador que esteja fora do contexto de trabalho. Estas práticas devem ser aplicadas por um professor. Os sufis acreditam que Deus é amoroso e o contato com ele pode ser alcançado pelos homens através de uma união mística, independente da religião praticada. Por este conceito de Deus, foram, muitas vezes, acusados de blasfêmia e perseguidos pelos próprios muçulmanos esotéricos, pois contrariavam a ideia convencional de Deus. Almançor Alhalaje (século X), um dos grandes representantes do sufismo, foi executado, pois ensinou, em estado de êxtase, que Deus e ele eram um; que havia atingido a identidade suprema. Como o ideal do sufismo era ascético, acreditavam que Jesus era tão importante quanto Maomé, que o Alcorão era tão essencial quanto a Bíblia ou a Torá. Quase um século e meio depois, Algazali, um dos maiores pensadores do mundo e seguidor sufi, disseminava a ideia de que a verdade mística não pode ser aprendida, mas sim experimentada por meio do êxtase. Para os sufis muçulmanos, a origem histórica da sua religiosidade pode ser encontrada nas práticas meditativas do profeta Maomé. Este tinha por hábito refugiar-se nas cavernas das montanhas de Meca, onde se dedicava à meditação e ao jejum. Foi durante um desses retiros que Maomé recebeu a visita do anjo Gabriel, que lhe comunicou a primeira revelação de Deus. Encontramos seguidores desta corrente em todos os segmentos sociais: camponeses, donas de casa, advogados, comerciantes, professores. Sua filosofia básica é: "Estar no mundo, mas não ser dele", livre da ambição, da cobiça, do orgulho intelectual, da cega obediência ao costume ou do respeitoso temor às pessoas de posição mais elevada.



Rabia de Baçorá (Rabi'a al-'Adawiyya al-Qaysiyya) foi uma santa muçulmana (walî) e mística sufi. Ela é conhecida em algumas partes do mundo como Hadrate Bibi Rabia de Baçorá. Nasceu entre 714-718 e morreu em 801. Frequentemente mencionada como tendo sido a única mulher renunciante mais renomada e influente da história islâmica, Rabia era conhecida por sua extrema virtude e piedade. Asceta devota, quando perguntada por que ela realizou mil prostrações rituais durante o dia e a noite. Baçorá é a terceira cidade mais importante do Iraque, e principal porto do país.

Além de Rabia de Baçorá muitos outros sufis se notabilizaram tal como: Junaide de Bagdá, Bajazeto de Bastam e Dulnune do Egito. O místico Almançor Alhalaje foi martirizado em Bagdá no século X por ter dito, em estado de êxtase, "Eu sou a Verdade". E outros como Algazali, Rumi, Suhrawardi, Attar, e os xeiques Shadhili, Darqawi, al-Alawi, entre outros. 

O grande sufi metafísico Ibn Arabi (século XIII), autor de diversas obras influentes, entre elas as "Revelações de Meca", era um poeta e filósofo sufi como Ibn Arabi, Khoja Akhmet Yassawi, Rumi e Attar de Nixapur, os quais aumentaram bastante a disseminação da cultura islâmica na Anatólia, Ásia Central e Sul da Ásia.



Abacar Maomé ibne Ali ibne Arabi, que nasceu em Múrcia, 28 de julho de 1165, e morreu em Damasco em 10 de novembro de 1240, mais conhecido como Ibn Arabi, Abenarabi e Ben Arabi foi um místico sufi, filósofo, poeta, viajante e sábio hispano-muçulmano do Andaluz. As suas importantes e numerosas contribuições em distintos campos das ciências islâmicas valeram-lhe os títulos de Vivificador da Religião (Muhyi al-Din) e Mestre supremo (as-Sheikh al-Akbar), além de o platonismo de sua metafísica tornar-lhe conhecido pelo apelido de o Platónico ou "Filho de Platão" (Ibn Aflatun). Das mais de 800 obras que lhe são atribuídas, 100 sobrevivem no manuscrito original. Seus ensinamentos cosmológicos se tornaram a cosmovisão dominante em muitas partes do mundo islâmico.

Tasawwuf, é a palavra árabe para sufismo, que designa misticismo e esoterismo islâmicos. Havendo duas correntes principais de entendimento islâmico - sunismo e o xiismo - é no sunismo que o sufismo é observado com mais vigor. Mas as ordens sufis (turuq) podem estar associadas ao Islão sunita ou xiita, pois não se trata de uma divisão dentro do Islão, mas sim a uma visão interior (esotérica) da vida e do ser. O pensamento sufi fortaleceu-se no Médio Oriente no século VIII e hoje encontra-se por todo o mundo. Na Indonésia, assim como muitos outros países da Ásia, Médio Oriente e África, o islamismo foi introduzido através das ordens sufis. Entre as confrarias sufis mais conhecidas no Ocidente contemporâneo, destacam-se a Mevlevya, estabelecida por Rumi em Konya, na Turquia, no século XIII; a Shadilyia, estabelecida também no século XIII pelo xeique ("mestre espiritual") magrebino Iman Shadili; a tarica Alawyia, fundada pelo xeique Ahmad al-Alawi no início do século XX, em Mostaganem, Argélia.

Em resumo, o sufismo é um ramo do conhecimento no Islão, que trata dos aspectos internos da prática e da ética religiosas. Por aspectos internos, entenda-se o que se refere não somente às intenções, sentimentos e consciência, mas também aos aspectos mais intensos e profundos da espiritualidade, e em última instância ao coração. O sufismo ortodoxo de influência muçulmana pode ser dividido historicamente nos períodos antigo, clássico, medieval e moderno. Um dos fatos marcantes do período clássico foi a crucificação de Almançor Alhalaje, acusado de heresia, em 922, após declarar "Eu sou a verdade". Foi na época medieval, entretanto, que os sufis aprenderam a disfarçar em poesias complexas qualquer afirmação que pudesse ser considerada um desafio à crença do "Deus Único". Assim, só mesmo os esclarecidos podiam decifrá-las. Durante a Idade Média, Algazali (1059–1111) afastou-se da vida mundana para empreender uma busca por Deus. Seus escritos ajudaram a combinar os aspectos considerados heréticos do sufismo com o islamismo ortodoxo. Em números, os sufis atingiram o auge na era moderna, entre 1550 e 1800. Embora ainda sejam perseguidos em alguns países islâmicos, os sufis estão presentes em diversas partes do mundo.

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