domingo, 27 de outubro de 2024

Avanços e percalços da História – Adagio opus nº 1


Aprendemos quase tudo com os outros, os velhos, os antepassados, pouca coisa inventamos ou criamos algo de novo. E é assim que o mundo pula e avança de vez em quando com alguns percalços. O conhecimento é uma longa corrente, com cada geração recebendo e reformulando o que foi transmitido pelas anteriores. Esse acúmulo é o que permite a civilização avançar, mesmo que nem sempre de forma linear. Os momentos de inovação radical, como os saltos tecnológicos ou mudanças de paradigma filosófico, são geralmente frutos de uma base consolidada por muitos séculos.


Esse "pulo" que o mundo dá ocasionalmente é quase sempre sustentado por uma base de experiências, erros e acertos. E os percalços são quase inevitáveis. São parte do processo, momentos em que novas ideias e tradições se encontram, às vezes em choque.

A guerra convencional renasceu com a guerra na Ucrânia, embora em transição para a guerra que aí vem, a guerra com a inteligência artificial. A guerra na Ucrânia sinalizou um retorno à guerra convencional, com tanques, artilharia e táticas que lembram conflitos do século XX. Mas, ao mesmo tempo, já traz o embrião de uma guerra futura, onde a inteligência artificial (IA) começará a desempenhar um papel cada vez mais decisivo. A IA na guerra representa uma transição profunda, com sistemas de drones autónomos, algoritmos de reconhecimento e estratégias de comando baseadas em análises em tempo real, alterando as formas de combate e reduzindo a necessidade de presença humana direta.




É possível que a guerra do futuro seja híbrida, misturando o físico com o digital, onde operações de cibersegurança, manipulação de informação e guerra de algoritmos se tornem tão decisivas como foram os confrontos no passado. Em última análise, a IA na guerra pode acabar por nos obrigar a repensar o próprio conceito de conflito e defesa, exigindo novos tipos de preparação e, potencialmente, de tratados e normas internacionais para evitar desastres.

Por outro lado, temos as guerras dentro das cidades, verdadeiros campos de batalha entre identitários. As cidades modernas, em muitos aspetos, tornaram-se arenas de conflitos culturais, políticos e ideológicos intensos, algo que ressoa com a ideia de "guerras identitárias." Nesses contextos urbanos, onde múltiplas culturas, crenças e identidades coexistem, a tensão muitas vezes se torna inevitável, levando a confrontos que lembram, de certa forma, os campos de batalha de outros tempos — mas, aqui, as "armas" são mais frequentemente narrativas, discursos e disputas por reconhecimento.

Essas lutas urbanas não seguem o modelo de uma guerra convencional, mas têm um impacto real sobre o tecido social, a política e até a estrutura das leis. De certo modo, esse cenário também reflete o desafio contemporâneo de acomodar a diversidade em sociedades que buscam coesão, mas frequentemente se veem fragmentadas por questões de identidade, raça, gênero, religião e outros. O paradoxo é que, embora a cidade seja o símbolo da pluralidade, ela também se torna o palco onde as diferenças colidem e onde o espaço para diálogo se torna cada vez mais polarizado. Em alguns casos, o agravamento dessas tensões cria uma "zona de guerra" social e psicológica, onde a própria ideia de uma identidade comum é ameaçada. A longo prazo, essas "guerras de identidade" podem até redefinir o que entendemos por cidadania e comunidade, levando a um novo modelo de convivência — ou, em outro extremo, a um endurecimento das divisões e até à segregação.



Parece que voltamos ao estado de guerra de outros tempos, como no tempo das Cruzadas. Há uma sensação de que as sociedades contemporâneas estão mergulhadas em uma "guerra de crenças", similar ao fervor ideológico e religioso das Cruzadas. Hoje, em vez de batalhas entre exércitos cristãos e muçulmanos, vemos conflitos entre sistemas de valores, visões de mundo e, até certo ponto, "missões civilizatórias". Esse embate não é mais travado com espadas e lanças, mas com discursos de poder, políticas públicas polarizadas e até manipulação de informação. É como se a "guerra santa" se tivesse transformado numa guerra cultural e ideológica, mas o fervor permanece. Assim como nas Cruzadas, que tinham uma matriz de superioridade moral ou salvação espiritual, esses conflitos identitários e ideológicos modernos muitas vezes se alimentam de uma sensação de causa justa ou missão histórica. Cada lado sente que luta pelo "bem", seja em termos de direitos humanos, justiça social ou tradição e soberania nacional.

Embora o cenário seja mais sofisticado, a essência do conflito lembra aquele estado de guerra quase medieval, onde o “outro” é frequentemente visto como uma ameaça existencial. Este é um estado de combate que não se limita a uma guerra convencional de territórios, mas se expande para uma luta por mentes, corações e até o futuro da civilização. Essa intensidade é, sem dúvida, uma característica que aproxima nosso tempo das épocas de fervor e cruzada do passado, ainda que a arena e os métodos tenham mudado. Moral da História: a História é um estado de guerra permanente, ora de baixa intensidade; ora de alta intensidade – um entendimento realista da História como um campo de tensões e conflitos constantes, onde o estado de guerra é quase um elemento permanente, apenas variando em intensidade. Há períodos de paz relativa, mas eles muitas vezes são interlúdios entre fases de conflito mais intenso. Essa continuidade de tensões — sejam territoriais, económicas, ideológicas ou culturais — parece moldar a trajetória humana, como se a própria condição histórica fosse essencialmente conflituosa.

Em momentos de baixa intensidade, os conflitos são sublimados por diplomacia, disputas económicas ou guerras culturais. Mas, em períodos de alta intensidade, explodem em guerras convencionais, revoluções ou até guerras ideológicas que dividem nações e sociedades internamente. Essa visão de "estado de guerra permanente" ecoa ideias de filósofos e pensadores que enxergam o conflito como parte inescapável da natureza humana e das relações entre coletividades. Pode-se dizer, então, que a História é esse movimento pendular entre momentos de "paz armada" e "conflito aberto" — uma dança entre forças de criação e destruição que, paradoxalmente, impulsionam o mundo adiante, enquanto as sociedades tentam alcançar estabilidade ou hegemonia sobre outras.

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