terça-feira, 1 de julho de 2025

Michel Foucault e os seus críticos


Foucault ficou fascinado com o que chamou de “espiritualidade política” da revolução no Irão em 1979. Era a ideia de que os iranianos estavam numa grande mobilização não apenas por questões materiais, mas por valores transcendentais. É verdade, Michel Foucault apoiou, com certo entusiasmo, a Revolução no Irão de 1979, especialmente no início. Ele viu nela uma possibilidade de rutura com os modelos ocidentais de poder, inclusive com o marxismo tradicional e o liberalismo. Muitos críticos (inclusive esquerdistas) consideraram a sua posição ingénua, e ele próprio recuou parcialmente mais tarde dizendo que isso não queria dizer que ele fosse um defensor do regime dos aiatolas tal como ele se consolidou depois, com repressão, autoritarismo e clericalismo.

Foucault não defendia a abolição da punição em si, mas questionava os modos como a punição era usada pelo poder moderno. No seu livro “Vigiar e Punir” (1975), ele faz uma genealogia da punição e mostra como ela evoluiu: do castigo corporal público (como esquartejamentos e enforcamentos), para formas mais “humanizadas”, mas também mais insidiosas, como a prisão e a vigilância. Para Foucault, a punição moderna estava inserida num sistema de controlo disciplinar, formando sujeitos obedientes, não apenas criminosos, mas também estudantes, soldados, trabalhadores etc. Ele criticava a prisão não porque quisesse libertar os criminosos, mas porque acreditava que ela não corrige, apenas normaliza e reproduz desigualdades sociais. Portanto, ele colocava em xeque a eficácia e a legitimidade da punição moderna como forma de justiça.

Foucault não apresentava um modelo alternativo claro, essa é uma das críticas que se lhe faz. Mas deixava a questão em aberto: será que é possível uma justiça que não se baseie no castigo e na disciplina? Ele era crítico das formas institucionais de punição, como a prisão, e das suas funções ocultas de controlo social.

A punição como mecanismo de poder deixou de ser um espetáculo para passar a ser a parte mais oculta do processo penal. Foucault mostra que, com a modernidade, o castigo deixou de ser público e corporal (ex: suplícios), tornando-se mais discreto e sistemático através da prisão, vigilância e “disciplina”. Ou seja: a punição moderna é menos visível, mas mais penetrante. Isso não significa que não exista punição, pelo contrário, ela se espalha em todos os domínios da vida social. Foucault sugere que os próprios critérios de "culpa" e "responsabilidade" são socialmente construídos. Ele questiona as estruturas que definem o que é crime e quem é punido. E mostra como essas estruturas favorecem certos grupos sociais em detrimento de outros.

Alguns críticos mais cínicos ou moralistas afirmam que Foucault, sendo homossexual (e vivendo abertamente essa identidade num tempo em que isso ainda era fortemente estigmatizado, e tendo tido experiências com o sadomasoquismo e com ambientes marginais (como relatado por ele e por biógrafos, especialmente em São Francisco), teria projetado suas visões sobre poder, disciplina, prazer, repressão e resistência a partir de sua experiência pessoal, como se o mundo fosse um prolongamento das suas escolhas de vida. Essa crítica de que Michel Foucault projetava a sua vida pessoal em suas teorias é antiga e aparece, com maior ou menor grau de cinismo, em setores conservadores e mesmo em círculos académicos rivais. Essa leitura muitas vezes vem acompanhada de um certo desprezo, sugerindo que o seu pensamento é “narcisista”, “subjetivo” ou até mesmo “doentio”. Pior: há quem relacione a sua morte por HIV à ideia de “punição”, como se a sua vida comprovasse a falência de suas ideias. Toda a filosofia nasce de um ponto de vista. A experiência pessoal não invalida o pensamento. Nietzsche escreveu a partir da doença e da marginalidade; Simone de Beauvoir a partir da condição feminina; Fanon a partir do racismo colonial. Isso não diminui os seus legados, pelo contrário, torna-os ainda mais penetrantes. Foucault não escondia a sua condição e, em vários momentos, reconhecia que o pensamento é um risco de si mesmo, uma forma de se transformar. Mas isso não invalida o rigor genealógico dos seus trabalhos, como Vigiar e Punir ou História da Sexualidade.

Para Habermas, Foucault descreve como o poder se infiltra nas instituições e nos discursos, mas não fornece uma base racional ou normativa para criticar esses poderes. Ele acusa Foucault de cair num relativismo cínico, no qual toda a verdade é efeito de poder e não há lugar para justificações universalizáveis, como o ideal comunicativo em Habermas, que aponta um problema real: se toda a verdade é uma construção de poder, como podemos justificar uma resistência que não seja apenas outra forma de poder?

Charles Taylor defende que, ao focar-se exclusivamente nos mecanismos de poder e disciplina, Foucault esquece os aspetos emancipatórios do projeto moderno, como os direitos individuais, o valor do reconhecimento e a autonomia moral. Taylor nos lembra que a modernidade não é só dominação, mas também libertação, e que devemos reconhecer os seus frutos, a começar pelos direitos civis e humanos.

Nancy Fraser critica Foucault por não distinguir dominação de resistência legítima. Fraser admira Foucault, mas lamenta que ele não separe suficientemente o poder opressor das formas legítimas de poder ou autoridade, o que pode inviabilizar a ação política progressista. Ela busca um feminismo que reconheça o poder estrutural, mas também a necessidade de critérios de justiça e redistribuição.