terça-feira, 18 de junho de 2024

A Península Itálica desde o Reino Ostrogodo [493] até ao fim do Reino Itálico [1014]



A Península Itálica ou península Apenina, que atualmente apenas contém três estados: Itália, San Marino e Vaticano – é de uma riqueza extraordinária quanto à quantidade de estados e reinos que nela se geraram ao longo da História Universal. Este ensaio debruça-se sobre um tempo que começa em 493 com o reino Ostrogodo e termina com reino de Itália em 1946. Marcada pela cordilheira montanhosa dos Apeninos, a península é circunscrita pelo mar Lígure e pelo mar Tirreno a oeste, pelo mar Jónico a sul e pelo mar Adriático a leste. A parte norte é mais plana e as costas apresentam geralmente falésias. Dos Apeninos tosco-emilianos, traça-se uma linha imaginária que vai de Génova a Veneza e se estende até o extremo meridional do cabo de Spartivento, na Calábria.

O Reino Ostrogodo foi um Estado germânico fundado pelos ostrogodos que ocuparam a península Itálica e áreas vizinhas de 493 a 552. Sucedeu ao reino de Odoacro, antigo líder dos federados no norte da península e governante de facto da Itália, que tinha deposto o último imperador do Império Romano do Ocidente, Rómulo Augusto (r. 475–476). Foi originalmente criado sob o rei Teodorico, seu primeiro rei.


Reino Ostrogodo no seu apogeu

Os ostrogodos eram um ramo oriental dos godos, assentes num poderoso Estado ao norte do mar Negro, em Aujo. Mas durante o final do século IV permaneceram sob domínio dos hunos. Após o colapso do Império Huno em 454, parte de ostrogodos foram reunidos pelo imperador Marciano (r. 450–457) na província romana da Panónia como federados. Mas em 459/460, durante o reinado de Leão I, o Trácio (r. 457–474), devido ao fim do pagamento dos subsídios anuais concedidos aos ostrogodos, eles devastaram a Ilíria. A paz foi concluída em 461, segundo a qual o jovem Teodorico, o Amal, filho de Teodomiro (r. 454–474) da dinastia dos Amalos, foi enviado a Constantinopla para ser refém por 10 anos, onde recebeu uma educação romana.

No seu apogeu o Reino Ostrogodo chegou a estender-se da França até à Sérvia. Muitas das instituições do Império Romano do Ocidente foram preservadas durante o seu reinado. Após a sua morte, os bizantinos sentiram-se instigados a invadirem a península. E assim se iniciou a Guerra Gótica de 535–554, na qual o reino foi completamente conquistado.


O Reino Lombardo existe a partir 568 como resultado da conquista de grande parte da península pelos lombardos comandados por Alboíno, e durou até a conquista dos Francos em 774. A conquista lombarda trouxe como consequência a divisão política da península Itálica, que permaneceria por três séculos com uma parte bizantina e uma parte lombarda.



O Reno Lombardo
                               

Os lombardos foram uma das tribos que faziam parte dos suevos, eram principalmente pastores e fazendeiros até o século IV. A situação mudou ao iniciar-se o período das grandes migrações de povos procedentes do Leste. No final do século V, estabeleceram-se na região que hoje é a Áustria, no território anteriormente ocupado pelos rúgios. No começo do século VI, estabeleceram na Panónia (hoje o oeste da Hungria), como federados autorizados pelo imperador Justiniano (r. 527–565). Nesta época, tinham começado a mudar a sua organização tribal para outra forma liderada por duques e condes que comandavam bandos de guerreiros reunidos em reino.

Em 554, o imperador bizantino Justiniano tinha estendido à Itália a validade do Corpus Juris Civilis, anulando com isso os decretos dos últimos reis ostrogodos. Assim, a península Itálica gozou de paz até 568, depois da terrível guerra. Junto com as tropas bizantinas, haviam chegado também os funcionários da eficiente burocracia justiniana, os quais junto com a paz e a ordem trouxeram a capacidade de cobrar impostos. A paz bizantina tinha um preço alto para a população: o poder dos grandes proprietários e pesados impostos. A 3 de abril de 568, dois dias após a Páscoa, Alboíno começou a cruzar os Alpes. Junto aos lombardos havia também muitos de seus aliados saxões. Seguiam junto também pessoas de outras etnias anteriormente submetidas aos lombardos: gépidas, búlgaros, sármatas, panónios, suevos, nóricos. Devem-se considerar também os rúgios e hérulos já assimilados aos lombardos. Havia também godos já residentes na Itália que decidiram apoiar o líder lombardo. Não eram apenas guerreiros: seguiam-nos mulheres e filhos numa gigantesca migração, que se estima em cerca de cento e cinquenta mil pessoas, número surpreendente para a época, considerando-se que a invasão dos ostrogodos no século anterior reuniu cerca de cem mil pessoas.

A primeira cidade importante a cair foi Fórum Júlio (atual Cividale del Friuli), no nordeste da península. Então Alboíno criou o primeiro ducado lombardo, o Ducado do Friul, onde ele entronizou o seu sobrinho Gisulfo I do Friul. Logo Verona, uma das cidades mais caras a Teodorico, o Grande e Bréscia, que haviam sido sede das últimas resistências dos ostrogodos aos bizantinos, caíram em mãos lombardas. Verona torna-se o quartel-general dos lombardos ao sul dos Alpes.

No verão de 569 os lombardos conquistaram a principal cidade romana do norte da península, a ex-capital do império, Mediolano (atual Milão. O pequeno exército bizantino deixado para sua defesa não pôde fazer quase nada. Após a conquista de Milão, a resistência bizantina começou a sentir-se: Ticino (atual Pavia) cairia somente em 572, após três anos de assédio, quando os lombardos já dominavam a Toscana e outros territórios ao norte da península.

Os bizantinos, tendo a via de acesso terrestre pela Panónia impedida pelos ávaros, aliados dos lombardos, levaram algum tempo para reorganizar as tropas. Deve-se recordar que após a Guerra Gótica, o ex-território ostrogodo estava muito empobrecido, especialmente o campo e esta situação era atribuída (quase sempre com razão) aos próprios bizantinos.

O prefeito pretoriano da Itália enviado pelo imperador Justino II (r. 565–578), Longino, pôde defender somente as cidades costeiras abastecidas pela poderosa frota bizantina. Pavia caiu depois de um sítio de três anos, em 572, tornando-se a primeira capital do novo Reino Lombardo. Nos anos seguintes, os lombardos penetraram mais ao sul, conquistando a Toscana e estabelecendo os ducados de Espoleto e Benevento, sob Zoto, os quais breve se tornaram semi-independentes e duraram mais que o reino do Norte, sobrevivendo até o século XII. O Império Bizantino conseguiu manter o controlo das áreas de Ravena e de Roma, ligadas por um fino corredor através de Perúgia. O Reino Lombardo durou até 781, às mãos de Carlos Magno.

Depois de Carlos Magno ter tomado conta do norte de Itàlia, passou a vigorar o Reino Itálico, uma entidade política da Alta Idade Média meramnte formal. Na Península Itálica naquele período não existia um verdadeiro Estado nem um rei que pudesse impor uma autoridade, ainda que esse título fosse fortemente disputado por vários pretendentes em luta. E assim passou o tempo até ao advento da autonomia comunal, no século XI.



O Reino Itálico +/- no ano 1000

Carlos Magno, numa campanha entre 773 e 774 conquistou o Reino Lombardo, isto é, obrigou o rei Desidério a renunciar. Carlos assumiu então a coroa de um reino que compreendia a Itália setentrional no seu âmbito territorial. Esse novo reino carolíngio na Itália compreendia o norte e o centro da península Itálica, da qual ficava excluído o Ducado de Veneza - que compreendia a lagoa de Veneza - e os territórios da Doação de Pepino - da qual fazia parte a Romanha, o Ducado da Pentápole e o Ducado de Roma. O Ducado de Espoleto fazia parte do reino, mas era governado por duques francos. O Ducado de Benevento, reconhecendo a supremacia franca, manteve a sua independência. Carlos Magno atribuiu o reino ao filho Pepino, casado com Ildegarda. Com a morte de Pepino em 8 de julho de 810, sucedeu-lhe no trono o filho Bernardo.

Dada a vasta extensão do reino dos francos, em 781 Carlos Magno nomeou rei nas zonas periféricas da Aquitânia e Itália, respectivamente os filhos Luís e Pepino. O objetivo era manter a sua política expansiva e o filho Pepino foi um excelente continuador da política paterna contra o Império Bizantino. À morte de Pepino em 810, a dignidade real foi atribuída por Carlos a Bernardo, filho de Pepino. Ao mesmo tempo, porém, Carlos preparou a sua sucessão para o filho Luís, mais tarde conhecido como Luís, o Piedoso.

Quando Carlos Magno morreu, em 814, Luís o Piedoso designou o Reino Itálico ao seu primogénito Lotário I com a consequente rebelião de Bernardo, o qual depois de ser derrotado e aprisionado, morreu em 17 de abril de 818. A luta pela sucessão terminou em 843 com o tratado de Verdun que deu origem a três reinos que depois adquiriram conotações nacionais: O Reino Itálico e Lotaríngia, sob Lotário I; Frância Oriental sob Luís; Frância Ocidental sob Carlos o Calvo. O primeiro, que tinha como capital Pavia, compreendia os ex-territórios lombardos chamados ao norte Lombardia Maior, ou seja os territórios correspondentes às atuais regiões italianas de Piemonte, Ligúria, Lombardia, Toscana, Trentino, Friul e Vêneto com a exceção da zona de Veneza, e a Lombardia Menor, ou seja, o Ducado de Espoleto (parte do Patrimonium Sancti Petri) e o Ducado de Benevento no centro sul.

Com o enfraquecimento do poder imperial, os territórios do Reino Itálico ficaram num estado de anarquia feudal, dominada pelos senhores locais, embora alguns fracos monarcas tenham ascendido ao trono, às vezes mesmo sendo coroados pelo papa. Uma exceção relativamente sólida foi o governo de Hugo de Provença, que entre 926 e 946 reinou e buscou resolver as disputas hereditárias sobre o título associando-o ao seu filho Lotário II. Este reinou até 950, e foi sucedido pelo marquês de Ivrea, Berengário II, que por sua vez escolheu como sucessor o filho Adalberto. Berengário, temendo lutas e tramas pelo poder, perseguiu a viúva de Lotário II, Adelaide, que pede ajuda ao imperador alemão Oto I, frente à usurpação da coroa por parte de Berengário. O pretexto para Oto I invadir a Itália estava criado, para a qual já devia ter planos uma vez consolidado o seu poder na Alemanha. Depois de ter derrotado Berengário, entrou na capital Pavia, desposou Adelaide e tomou a coroa italiana em 951, ligando-a à do Sacro Império Romano-Germânico. Oto talvez tivesse desejado prosseguir até Roma, mas a pressão dos húngaros na Alemanha o obrigou-o a voltar.

Desta época em diante, a coroa da Itália foi institucionalmente ligada à coroa imperial do Sacro Império e foi automaticamente herdada pelos sucessores de Oto I até 1002, altura em que os feudatários italianos, reunidos em Pavia, decidiram designar a coroa de Itália a um deles, cansados do vazio de poder causado pela falta de autoridade do soberano alemão e descontentes de sua aliança com a hierarquia eclesiástica que os excluía. Foi escolhido então o Marquês de Ivrea o príncipe Arduíno de Ivrea. 
Em 990, Arduíno tornou-se Marquês de Ivrea e em 991 Conde do Palácio Sagrado de Latrão em Roma. Em 1002, depois da morte do Imperador Otão III, os nobres italianos elegeram-no Rei da Itália na Basílica de San Michele Maggiore em Pavia, tornando-o o primeiro não alemão a ocupar o trono italiano em 41 anos. Arduíno foi considerado a escolha da nobreza e contestado pelo episcopado, mas foi inicialmente apoiado pelo arcebispo de Milão.

Mas Arduíno encontrou dura resistência sobretudo entre os feudatários eclesiásticos da planície padana. Derrotado, foi obrigado a retirar-se para o Mosteiro de Fruttuaria em 1014, onde morreu em 1015. E assim o Reino Itálico chegou ao fim com o advento da autonomia comunal. Sobretudo a ambição autonomista e, em alguns casos, independentista dos feudatários italianos não permitiram jamais ao Reino assumir uma força e um peso político relevante.

A morte do último rei itálico, Ardoíno da Ivrea, em 1015 e que governou de 1002 a 1014; e a ascensão de Henrique II como Imperador do Sacro Império Romano-Germânico, que reinou entre 1014 e 1024 - significaram a integração formal do Reino Itálico no Sacro Império Romano-Germânico. Isso resultou numa crescente influência germânica sobre os assuntos italianos. No entanto, a autoridade central era fraca e as regiões italianas começaram a fragmentar-se em várias comunas e estados independentes. Nos séculos seguintes, muitas cidades italianas ganharam autonomia e começaram a se organizar como comunas independentes. Isso incluiu cidades como Milão, Veneza, Florença, Pisa, Génova e outras. Essas comunas frequentemente lutavam entre si e contra os nobres locais, além de enfrentar as tentativas do imperador do Sacro Império de reafirmar o controlo.

A fragmentação levou a muitos conflitos internos entre cidades e nobres, bem como entre facções dentro das cidades. Guerras entre guelfos (pró-papais) e gibelinos (pró-imperiais) eram comuns. Além disso, a Península Itálica foi um campo de batalha para forças estrangeiras, incluindo invasões normandas no sul e incursões por parte dos reis germânicos do Sacro Império. O papado, sediado em Roma, desempenhou um papel importante na política italiana. Os papas buscavam afirmar sua autoridade não apenas religiosa, mas também temporal sobre partes significativas da península. Isso resultou em conflitos com os imperadores germânicos e também em alianças estratégicas com diversas cidades e estados italianos.

Enquanto o norte da Itália estava se fragmentando em comunas, o sul da Itália experimentava um processo diferente. Os normandos, que inicialmente chegaram como mercenários, acabaram estabelecendo estados fortes e organizados na região. Em 1130, o Reino da Sicília foi fundado, unindo a Sicília, partes do Sul da Itália e Malta sob um governo centralizado. Apesar da fragmentação política, os séculos XI a XIII foram um período de florescimento cultural e económico na Itália. As cidades italianas tornaram-se centros de comércio, finanças, arte e cultura. O Renascimento começou a tomar forma na Itália no final do período medieval, preparando o caminho para o auge cultural e artístico que viria nos séculos seguintes. Estava pavimentado o caminho para o Renascimento.

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