domingo, 2 de junho de 2024

O espaço privilegiado da política são os media



O espaço privilegiado da política são os media. Não que toda a política possa ser reduzida a imagens e sons, ou manipulações simbólicas, mas sem os média, não é possível adquirir ou exercer poder. Deste modo, todos acabam por entrar no jogo, embora não da mesma forma, ou com o mesmo propósito.

Já não há política sem os media e o seu impacto verifica-se não só nas eleições, mas na organização política, nos processos de tomada de decisão e nos métodos de governo alterando em última análise a natureza da relação entre o Estado e a sociedade. E porque os sistemas políticos atuais ainda se baseiam em formas organizacionais e estratégias políticas da era industrial, tornaram-se politicamente obsoletos e a sua autonomia tem sido negada pelos fluxos de informação dos quais dependem. Esta é uma das principais fontes de crise da democracia nesta era da informação.

A rua, seja para as manifestações de protesto, seja para as campanhas eleitorais, tem a sua importância, mas não teriam o impacto que têm se não fossem transmitidas mediaticamente, sobretudo pelas televisões. Por isso, os media são o campo de batalha preferencial para o debate político. Portanto, sendo natural que a política inclua outras formas de atividade, campanhas de base popular demonstraram a sua força nos últimos anos.

Comícios e manifestações de rua são ainda verdadeiros rituais nas campanhas políticas organizadas por todo o mundo. Mas os candidatos têm de viajar, marcar presença em eventos, apertar a mão aos eleitores, beijar criancinhas e dirige-se aos estudantes, e por aí fora. À exceção de atividades destinadas à angariação de fundos, o principal alvo destas diferentes formas de política corpo a corpo, e fazer com que as pessoas ou a sua mensagem apareçam nos meios de comunicação social, entra no horário nobre dos noticiários da TV e em programas de rádio. E depois ainda se estendem pelo comentário político em todas as plataformas.

Os comícios em pequenas cidades, ou as passagens de determinado candidato em escolas e lares de repouso, durante a sua trajetória, só tem interesse se tiver cobertura mediática. O poder dos média não entra em contradição com a democracia porque a sua natureza é tão plural e competitiva como o próprio sistema político O ponto crítico é que sem a presença ativa dos media, as propostas políticas ou os candidatos não têm qualquer hipótese de obter uma ampla base de apoio.

O que sucede é que as notícias não estão centradas nos acontecimentos, não nas condições que as sustentam, mas no conflito. Não no consenso, no facto que antecipa a história, não na explicação. Só as más notícias referentes a conflitos, cenas dramáticas, acordos ilícitos ou comportamentos questionáveis, são notícia.

Tendo em conta que as notícias são cada vez mais construídas para o espetáculo, para estarem em promiscuidade com os programas de entretenimento, a lógica é que se não tiver cenas dramáticas a notícia não tem audiência. E se não tem audiência a ‘propaganda’ não passa, e os profissionais do marketing ficam em maus lençóis, e a sua prole passa fome. São as cenas dramáticas que o povo exige, cenas de suspense, conflito, rivalidades, ganância, deceções, vencedores e vencidos, e se possível, sexo e violência, seguindo o ritmo e a linguagem dos desportivos.

O que interessa é a corrida política como jogo interessante das ambições dos seus protagonistas. São manobras estratégias e contra-estratégias, fugas de informação do setor judiciário, com a ajuda de informantes internos. São as sondagens realizadas completamente pelos próprios meios de comunicação. Tudo é interpretado como um puro jogo estratégico. O noticiário fornece material para estas análises contando, porém, com o auxílio de programas criados em torno de jornalistas especializados em certas áreas como por exemplo o crossfire da CNN, cujo comportamento é altamente contestatário, agressivo. Mas nos bastidores naturalmente cumprimentam-se com um sorriso, mostrando que tudo não passa de um programa de entretenimento.

Hoje o estádio superior da política do escândalo é o inquérito judicial parlamentar, que resulta em acusações que vão parar aos tribunais. Líderes políticos, juízes e procuradores, membros de comissões de inquérito, entram numa relação de simbiose com os media. Estes, com a sua Independência e proteção das fontes, ao mesmo tempo alimentam a fuga cuidadosamente com informações seletivas. Em troca são mutuamente protegidos.

Às vezes os políticos acabam por ser bem-sucedidos quando lutam pela democracia e por um governo transparente. Controlam os seus excessos e em última análise afastam do poder os casos mais escandalosos, que acabam em processos judiciais. Mas deslegitimar os partidos os políticos da política, nem pensar, pois são o pilar da democracia.

De que forma e por que motivos ocorreu esta última onda anti socialista articulada no Ministério Público com a última cartada da Procuradora que levou à queda do governo, à dissolução da Assembleia da República e a convocação de novas eleições antecipadas? Será o fim da democracia às mãos do poder judicial e mediático?

São questões complexas cujas respostas ainda não adquiriram qualquer sentido. De qualquer maneira houve uma combinação de diversos fatores. Uma das características essenciais da política de escândalo, é que todos os atores que o praticam acabam por cair numa qualquer armadilha, e então todos podem ver que o sistema vai nu. O caçador de hoje é a caça de amanhã.

À crise de legitimidade do Estado-Nação e do Estado-Providência, junta-se a falta de credibilidade do sistema político fundamentado na concorrência aberta entre partidos capturados na arena dos media cada vez mais dotados de sofisticados recursos de manipulação tecnológica. E foi assim que a opinião pública adquiriu uma profunda e crescente rejeição dos políticos ditos standard. Cresce a alienação política que arrasa todo o mundo com populistas oportunistas, à medida que as pessoas se vão apercebendo da incapacidade do Estado em solucionar os seus problemas. Tudo isto é cínico, e mais o cinismo instrumental praticado pelos políticos profissionais.

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