segunda-feira, 17 de junho de 2024

A repelir: racismo, xenofobia, transfobia, misoginia



Os herdeiros da Nova Esquerda dos anos 60 criaram, dentro da Academia, uma esquerda cultural. Para além de Richard Rorty nos Estados Unidos, Derrida considerou que os liberais de esquerda há muito que tinham assumido que eliminar as injustiças e o “egoísmo” do capitalismo também iria acabar com o flagelo da discriminação racial. Muitos membros desta esquerda especializaram-se no que Derrida chamou de “política da diferença” ou “de identidade” ou “de reconhecimento”. E os interesses dos trabalhadores, especialmente os trabalhadores brancos, nunca ocuparam grande atenção.

Entre os anos 1960 e 1970, um amplo movimento político se desenvolveria no mundo ocidental conhecido como Nova Esquerda, que abrangeria questões sociais como direitos civis e políticos, feminismo, direitos homossexuais, protestos contra a Guerra do Vietname e pacifismo, o questionamento dos papéis de género, aborto e reformas das políticas antidrogas. Essa esquerda se diferenciaria da esquerda tradicional, que estava focada no ativismo dos sindicatos dos trabalhadores, ao assumir uma posição mais ampla sobre o ativismo político, comumente conhecido como ativismo social. O movimento começou a perder força na década de 1970. Aqueles “termos anátemas” são alguns dos aspetos negativos que todos os seres humanos têm, uns mais, outros menos. E desde o holocausto nazi, que terminou em 1945, que não se ouvia falar tanto nestes aspetos negativos como nos dias de hoje, passado quase o primeiro quartel do século XXI.



Herbert Marcuse, 1978

O teórico crítico alemão Herbert Marcuse é referido como o "Pai da Nova Esquerda". Ele rejeitou a teoria da luta de classes e a preocupação marxista com o trabalho. De acordo com Leszek Kołakowski, Marcuse argumentou que, uma vez que "todas as questões da existência material foram resolvidas, os comandos e proibições morais não são mais relevantes". Ele considerava a realização da natureza erótica do homem, ou Eros, como a verdadeira libertação da humanidade, que inspirou as utopias de Jerry Rubin e outros.

No entanto, Marcuse também acreditava que o conceito de Logos, que envolve a razão de alguém, também absorveria Eros com o tempo. O proeminente pensador da Nova Esquerda, Ernst Bloch, acreditava que o socialismo provaria ser o meio para todos os seres humanos se tornarem imortais e finalmente criarem Deus. Os escritos do sociólogo Charles Wright Mills, que popularizou o termo 'Nova Esquerda' em uma carta aberta de 1960, também dariam grande inspiração ao movimento. O biógrafo de Mills, Daniel Geary, escreve que seus escritos tiveram um "impacto particularmente significativo nos movimentos sociais da Nova Esquerda dos anos 1960.

Mas como sempre aconteceu desde Jesus Cristo, pelo menos, estes aspetos negativos fizeram sempre brotar do seio da sociedade uma espécie de eleitos. “Os eleitos” são pessoas que se veem como tendo sido escolhidas, como se entendessem algo que a maioria não entende. Como os cristãos de outrora, os eleitos de hoje devem converter ou punir aqueles que não viram a luz. Já o vimos acontecer várias vezes: um homem, ou às vezes uma mulher, expressa uma opinião ou usa uma palavra que é considerada de mau tom ou ofensiva. Então levanta-se a opinião pública a exigir um pedido de desculpa. E ele ou ela vem então pedir desculpa em público e oferecerem-se para fazer algum tipo de penitência, que pode ou não ser tida como suficiente. Desculpas desse tipo tornaram-se tão comuns que as pessoas ditas comuns têm muitas vezes a tendência para duvidar da sua sinceridade. Daí a exigência de atos de contrição ainda mais sinceros, e mais um par de botas ou um queijo suíço.

O ritual de reconhecimento publicamente de culpa começou na Europa com a Reforma. Muitos protestantes, como os anabatistas, declaram a sua fé diante dos seus irmãos em adultos, às vezes nas chamadas narrativas de conversão. A ideia de testemunho público foi especialmente importante no pietismo, uma ramificação do luteranismo, do século XVII. O pietismo, por sua vez, teve uma grande influência em muitas seitas cristãs, incluindo os puritanos de New England. As igrejas puritanas asseguraram a presença da fé nos seus membros através de um processo de acolhimento que incluía narrativas de experiências religiosas.

Mas o dogma é um problema em qualquer circunstância. Seja o da imortalidade da alma, seja o do racismo. Em qualquer circunstância o dogma é desencadeador daquilo que é designado no mundo dos psis por paranoia. Hoje, os eleitos tendem a operar quase exclusivamente em instituições de elite, desde que confessem publicamente o seu compromisso com a busca pela justiça social.

Ontem no Rock in Rio Lisboa 2024 uma promotora dizia que a preocupação era ser “inclusiva”, uma das palavras que podem soar vazias vindas de um produtor de comida em festivais de música pop. Mas é a liturgia que estamos a ter agora em grandes ajuntamentos de pessoas. Ser branco é um privilégio, uma espécie de pecado original. Rico ou pobre, nasce-se com ele. Uma pessoa branca só pode ser considerada antirracista se continuar a confessar a sua culpabilidade. É mais fácil realizar os rituais de antirracismo - como contratar delegados de diversidade, organizar sessões de formação antirracista, fazer declarações nobres - do que pagar impostos mais altos para melhorar as escolas e serviços públicos.

Uma dinâmica semelhante pode ser vista quando pesoas sensatas evitam manifestar o seu juízo em relação a uma data de políticas de imigração negligentes por medo de serem apelidadas, no mínimo de “xenófobas”. Ou quando as pessoas que se queixam de não se sentirem em casa nos seus bairros antigos são chamadas de “racistas”. Em alguns casos, ou talvez até em muitos, esses rótulos podem estar corretos, mas a presunção carrega um forte ar de hipocrisia quando aqueles que beneficiam de uma determinada ordem política e económica também reivindicam a superioridade moral e acusam os seus críticos de reacionários.

Os "eleitos" pós-modernos, ou "novos progressistas",  seja lá o que lhes quisermos chamar, estão a lutar a guerra de classes errada. Os novos progressistas devem estar do lado de todas as pessoas vulneráveis, e que precisam de proteção contra interesses poderosos. A obsessão quase religiosa com a moralidade das figuras públicas não resultará em reformas necessárias. Declarações que afirmam: inclusão, diversidade e justiça racial - são radicais, mas muitas vezes desviam a atenção de desafios muito mais difíceis como o de revolucionar reformando os programas dos Ministérios: Saúde; Educação; Justiça. Ou reformas fiscais que criem uma maior equaidade em vez de igualdade demagógica. Esse tipo de dedicação nos devidos lugares de competência e responsabilidade, em vez de demonstrações exibicionistas de virtude, faria muito mais pelo bem-estar das pessoas pobres e marginalizadas. 

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