terça-feira, 18 de junho de 2024

Desenvolvimentos teóricos acerca da identidade de género


A identidade corporal é fundamental na construção da sexualidade. A maneira como indivíduos percebem e experienciam os seus próprios corpos está intrinsecamente ligada à sua identidade sexual e de género. Desde cedo, as crianças começam a perceber o seu corpo e as diferenças entre os corpos de meninos e meninas. Essa consciência corporal inicial é crucial para o desenvolvimento da identidade de género, que é como uma pessoa se identifica em termos de género (masculino, feminino, não-binário, etc.).

Não há outra forma de a sociedade categorizar e tratar a identidade de género e sexual senão através do corpo à data do nascimento. E é naturalmente a partir daqui que a sociedade influencia a construção que cada um faz da sua expressão de género. Mas é quando chega a idade da puberdade que a sexualidade começa a desabrochar e é feita a prova dos noves. Durante a puberdade as mudanças e transformações corporais são significativas para os traços definitivos: crescimento das mamas, o aparecimento de pelos púbicos, a menstruação, o aumento da musculatura, etc. A puberdade é o momento crítico em que é moldada a percepção de si mesmo e relação às aptidões sexuais. Essas transformações afetam a forma como os adolescentes se percebem e são percebidos pelos outros de forma a despertar atrações e desejo sexual. 

A maneira como o adolescente entende o seu corpo na sua vivência com os outros vai determinar depois a sua orientação sexual no jogo comportamental de atrações e rejeições. São estas as circunstâncias em que se geram as dissonâncias de género. Para pessoas transgénero e não-binárias, A dissonância entre a identidade de género e as características corporais é fonte de angústia. Mas é o fator decisivo na jornada do alinhamento entre género e sexo, e da disrupção que se tem vindo a dar nos dias de hoje entre conservadores e progressistas em relação às nomenclaturas. Os conservadores são binários, dizem: sexo masculino ou feminino. Os progressistas deixaram cair o binarismo e dizem: género masculino, feminino, não-binário. E a orientação sexual é um outro campionato.

Uma imagem corporal bem resolvida está associada a uma sexualidade mais saudável e satisfatória. Quando as pessoas se sentem confortáveis e confiantes em seus corpos, isso pode facilitar a exploração e a expressão da sua sexualidade. Mas é preciso ter cuidado com precipitações e ondas de moda que a cultura mediática de uma civilização pode trazer criando problemas de imagem corporal. O tempo das modelos esqueléticas tipo cabide para satisfazer imperativos de agenadas comerciais deu muito que falar nas passereles da moda ocidental já nos idos anos 1980. Problemas de imagem corporal, como dismorfia corporal ou insatisfação com o corpo, levaram a dificuldades na vida sexual, incluindo baixa autoestima, ansiedade sexual e disfunção sexual.

A forma como os corpos são representados nos faróis mediáticos e na cultura popular influencia as percepções individuais sobre o que é considerado atraente, desejável ou aceitável. Isso pode afetar tanto a identidade corporal quanto a sexualidade. Diferentes culturas têm normas e valores distintos sobre os corpos e a sexualidade. Essas normas culturais impactam a forma como os indivíduos percebem e vivenciam os seus corpos e a sua sexualidade.

Por aqui se vê que a identidade corporal é crucial na construção da sexualidade, influenciando desde a formação da identidade de género até a expressão e experiência da orientação sexual. A maneira como percebemos e vivenciamos os nossos corpos, em interação com fatores biológicos, sociais e culturais, molda profundamente a nossa sexualidade. Entender essa complexa inter-relação é essencial para promover a inclusão, num bem-estar geral e sexualidade  saudável. 

Mas não bastassem todas essas derivas da sociedade, ainda temos de enfrentar a pecha das teorias que brotam da cabeça de certos génios que infestam certos departamentos das Academias. Uma coisa que não podemos ignorar é que há teorias e teorias, e nem todas as teorias são boas teorias. Entre muitos exemplos que poderia trazer aqui à colação desta posta, fico-me por Nancy Chodorow, que vê 
as diferenças de género como formações de compromisso do complexo de Édipo. Ela inicia o seu argumento com Freud: afirmação de que o indivíduo nasce bissexual e que a mãe da criança é o seu primeiro objeto sexual. Chodorow, baseando-se no trabalho de Karen Horney e Melanie Klein, observa que a criança forma o seu ego em reação à figura dominadora da mãe. 

Nancy Julia Chodorow (nascida em 20 de janeiro de 1944) é uma socióloga e psicanalista feminista.
Chodorow formou-se no Radcliffe College, em 1966, e posteriormente se doutorou em sociologia pela Universidade de Brandeis. Ela escreveu vários livros influentes, incluindo A Reprodução de Maternidade: a Psicanálise e a Sociologia do Género (1978); o Feminismo e a Teoria Psicanalítica (1989); Feminilidade, Masculinidade, Sexualidades: Freud e Além (1994); e O Poder dos Sentimentos: Significado Pessoal na Psicanálise, Género e Cultura (1999). Considerada como uma das principais teóricas feministas da Psicanálise, e integra a International Psychoanalytical Association, muitas vezes falando em seus congressos. Ela passou muitos anos como professora no Departamento de Sociologia e Psicologia Clínica na Universidade da Califórnia em Berkeley. Aposentou-se da Universidade da Califórnia, em 2005. A Reprodução da Maternidade foi um dos dez livros mais influentes dos últimos vinte e cinco anos.

Ora, os feminismos não são todos iguais. Há as feministas materialistas que criticam as teorias de Nancy Chodorow. E as críticas são feitas de diversas maneiras, quanto aos aspetos problemáticos da abordagem psicanalítica sobre a formação do género e da reprodução da maternidade. As feministas materialistas argumentam que a abordagem de Chodorow, baseada na teoria psicanalítica, tende a reduzir a formação de género e a reprodução da maternidade a processos psíquicos individuais. Desprezam as dinâmicas culturais em relação à família, bem como as estruturas sociais e económicas que influenciam os indivíduos.

Não se pode negligenciar a materialização da vida, argumentam as feministas materialistas. Chodorow não dá a devida atenção às condições materiais e económicas que sustentam as relações de género. Chodorow é uma essencialista. A ênfase de Chodorow na maternidade como uma experiência formativa essencial pode inadvertidamente reforçar ideias essencialistas sobre a feminilidade e a maternidade, como se as características psicológicas das mulheres não variassem conforme o tempo histórico e as várias culturas. Ora, a ideia de que a maternidade é central para a identidade feminina pode ser vista como uma naturalização de papéis de género, o que é rejeitado por maioria na atual civilização ocidental. 

As teorias de Chodorow têm sido criticadas por não abordar suficientemente as diferenças de classe, etnia, cultura, etc., e outras interseccionalidades que afetam a experiência da maternidade e a formação de género. Feministas materialistas argumentam que essas variáveis são cruciais para entender a complexidade das experiências das mulheres. A ênfase nas dinâmicas familiares tradicionais pode não capturar adequadamente as diversas formas de famílias e arranjos parentais que existem. Por outro lado, ao se concentrar na psicodinâmica da maternidade dentro de um modelo familiar tradicional, as teorias de Chodorow inadvertidamente reforçam o ancestral modelo patriarcal, quando sugere que a maternidade é intrinsecamente vinculada à identidade feminina. 

Em suma, as feministas materialistas fornecem uma crítica robusta às teorias de Nancy Chodorow, destacando a necessidade de uma análise mais abrangente que considere as condições materiais, as estruturas económicas e as interseccionalidades que influenciam as relações de género. Elas argumentam que uma compreensão completa da opressão de género e das dinâmicas familiares requer uma abordagem que vá além da psicodinâmica individual, e incorpore uma análise crítica das estruturas sociais e económicas que sustentam essas relações.

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