sábado, 6 de julho de 2024

A Pequena Idade do Gelo



Pequena Idade do Gelo é a designação dada ao período não tão curto assim, de arrefecimento do clima, entre os séculos XIV e XIX, com a sua maior intensidade verificada durante o século XVII. Durante esse período houve uma série de eventos climáticos extremos, como invernos rigorosos, geadas fora de época e colheitas fracassadas. Isso teve impactos significativos na agricultura, na economia e na vida quotidiana principalmente da Europa, mas também noutras partes do globo. É demonstrada pelo avanço dos glaciares e pela redução da temperatura média global. Este período também é associado a eventos históricos como a Peste Negra e a Guerra dos Trinta Anos.



Pintura de Pieter Bruegel, o Velho, 1565
O original está no Museu Kunsthistorisches, em Viena

Três caçadores e seus cães estão caminhando por uma paisagem coberta de neve. Uma aldeia pitoresca e um grupo de pessoas à beira de uma fogueira lá ao fundo. Há uma vasta natureza com um lago congelado que os envolve. Caçadores e os seus cães passam por um renque de árvores completamente despidas exceto os corvos e a neve nos ramos. Esta pintura a óleo de Bruegel, que faz parte de um conjunto de quatro a ilustrar as estações do ano é única na sua capacidade de capturar a natureza nos seus cenários da vida real de maneira harmoniosa. Mesmo o verde brilhante do céu em contraste com o branco da neve que nos faz sentir o frio.  

Não se confunda este período com o último período glacial, também referido como Idade do Gelo, Glaciação do Würmiano ou Laurenciano. Este perído teve lugar durante a última parte do Pleistoceno com episódios alternados de avanço e recuo dos glaciares em que o Último Máximo Glacial ocorreu entre 26.000 e 20.000 anos atrás. No entanto, as diferenças locais dificultam a comparação dos detalhes de continente para continente. Por exemplo, há cerca de 11.700 anos atrás terminou o Dryas Jovem que havia começado mil anos antes, ainda na época do Pleistoceno, ao qual se seguiu o Holoceno, que é a época geológica atual. 

Feito o esclarecimento, o Observatório da Terra da NASA, em relação à Pequena Idade do Gelo, observa três datas que assinalam picos particularmente frios: 1650; 1770; 850. Entre essas datas considerados intervalos de leve aquecimento. O Terceiro Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas considerou que o calendário e as áreas afectadas pela Pequena Idade do Gelo sugeriam alterações climáticas mais de tipo regional independentes do que alargadas ao resto do globo de uma forma globalmente sincrónica. No máximo, houve um modesto arrefecimento do Hemisfério Norte nesse período.

Não há consenso sobre quando a Pequena Idade do Gelo começou, mas uma série de eventos antes dos mínimos climáticos conhecidos têm sido frequentemente referenciados. No século XIII, o gelo começou a avançar para o sul no Atlântico Norte, assim como os glaciares na Gronelândia. Evidências anedóticas sugerem a expansão dos glaciares em quase todo o mundo. Com base na datação por radiocarbono de cerca de 150 amostras de material vegetal morto com raízes intactas que foram coletadas sob as calotes polares na Ilha de Baffin e na Islândia, Miller e colaboradores afirmam que os verões mais frios e o aumento do gelo começaram abruptamente entre 1275 e 1300, seguidos por "uma intensificação substancial" por volta de 1430 a 1455.

Vários eventos têm sido asociados ou correlacionados: baixas cíclicas da radiação solar; atividade vulcânica; mudanças na circulação das correntes oceânicas; variações na órbita da Terra; inclinação axial (força orbital); variações demográficas das populações não apenas humanas; migrações como as dos mongóis; Peste Negra; epidemias nas Américas com fortes quedas demográficas nas populações humanas depois do contacto com os europeus.

Os prolongados períodos frios e secos trouxeram fracas produções agrícolas e pecuárias, com as consquentes fomes e doenças. Baixa do emprego e consequentes dificuldades económicas. A doença e o desemprego geram ciclos de feedback positivo com consquências letais. Embora as comunidades tivessem alguns planos de contingência, como melhores misturas de culturas, stoques emergenciais de grãos e comércio internacional de alimentos, eles nem sempre se mostraram eficazes. Os crimes violentos aumentam pelo roubo e assaasinato. Os crimes sexuais também aumentaram. Os europeus, buscando explicações para os quatro cavaleiros do Apocalipse, tinham de encontrar os culpados, os tais bodes expiatórios. As ações violentas contra a minorias e grupos marginalizados aumentaram. 
Um exemplo de bode expiatório: o julgamento das bruxas por bruxaria. 

Antes da Pequena Idade do Gelo, a bruxaria era considerada um crime insignificante, e as vítimas (as supostas bruxas) raramente eram acusadas. Mas a partir da década de 1380 as populações europeias começaram a ficar muito inquietas com pogroms. E a partir de 1430 a caça às bruxas começa a aumentar. Na década de 1480 acreditava-se que as bruxas eram as culpadas do mau tempo. Os julgamentos visaram principalmente mulheres pobres, muitas delas viúvas. É claro que nem toda a gente concordava que eram as bruxas as culpadas. Nem que eram os judeus os culpados, outra versão muito frequente nessa altura. Portanto, também havia pessoas que eram contra as perseguições. Ainda assim havia quem argumentasse que não era que houvesse dúvidas quanto à existência de bruxas. A dúvida estava se eram elas as culpadas pelas alterações climáticas. Como é que elas tinham capacidade para controlar o clima? Por isso, as populações judaicas também foram culpadas pela deterioração climática durante a Pequena Idade do Gelo. 

Nos Estados da Europa Ocidental há uma coincidência, no auge da pequena Idade do Gelo, com o aumento do antissemitismo. No entanto, a atribuição da culpa aos judeus prendia-se mais com as doenças do que propriamente com o clima. Eram responsabilizados apenas pelas consequências indiretas, como é o caso das doenças. Os surtos da Peste Negra eram frequentemente atribuídos aos judeus. Em cidades da Europa Ocidental durante a década de 1300, populações judaicas foram assassinadas para impedir a propagação da Peste. Rumores se espalharam de que os judeus estavam envenenando poços ou dizendo aos leprosos para envenenar os poços. Para escapar da perseguição, alguns judeus se converteram ao cristianismo, enquanto outros migraram para as cidades do Império Otomano. 

No entanto, na Irlanda, gerou-se um fenómeno parecido, mas o bode expiatório passou a ser outro: os protestantes. Os católicos culparam a Reforma das desgraças que entretanro chegaram à ilha. Os Anais do Lago Cé, em sua entrada de 1588, descreve uma tempestade de neve e pleno verão. Culparam a presença de um "bispo perverso, herético, em Oilfinn", o bispo protestante de Elphin, John Lynch. 

O Mar Báltico congelou mais de duas vezes, em 1303 e 1306-1307, e anos se seguiram de "frio fora de época, tempestades e chuvas, e um aumento no nível do Mar Cáspio". Fazendas e aldeias nos Alpes suíços foram destruídas pela invasão de glaciares durante meados do século XVII. Canais e rios na Grã-Bretanha e Holanda eram frequentemente congelados profundamente o suficiente para apoiar a patinagem no gelo e festivais de inverno. Como o comércio precisava continuar durante o inverno prolongado, muitas vezes abrangendo 5 meses, os comerciantes equiparam seus barcos estilo boer com tábuas e patins (corredores), daí ter nascido o barco do gelo. O ri Tamisa gelava. As mudanças nas pontes e a adição do aterro do Tamisa afetaram a vazão e a profundidade do rio e diminuíram muito a possibilidade de novos congelamentos. Em 1658, um exército sueco marchou através da Dinamarca e através do Grande Cinturão para atacar Copenhague a partir do Ocidente.

O inverno de 1794-1795 foi particularmente duro: o exército de invasão francesa sob Pichegru marchou sobre os rios congelados dos Países Baixos, e a frota holandesa ficou bloqueada no gelo no porto de Den Helder. O gelo marinho ao redor da Islândia se estendia por quilómetros em todas as direções e fechava os portos para a navegação. A população da Islândia caiu para metade, mas isso pode ter sido causado pela fluorose óssea após a erupção do Laki em 1783. A Islândia também sofreu falhas nas culturas de cereais e as pessoas deixaram de ter uma dieta à base de cereais.

Depois que o clima da Gronelândia se tornou mais frio e tempestuoso por volta de 1250, a dieta dos assentamentos vikings nórdicos também mudaram. Por volta de 1300, a caça às focas fornecia mais de três quartos de sua alimentação. Em 1350, houve redução da demanda por suas exportações, e o comércio com a Europa caiu. O último documento dos assentamentos data de 1412 e, ao longo das décadas seguintes, os europeus remanescentes partiram no que parece ter sido uma retirada gradual, causada principalmente por fatores económicos, como o aumento da disponibilidade de fazendas nos países escandinavos. A Gronelândia foi em grande parte isolada pelo gelo de 1410 a 1720.

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