sexta-feira, 19 de julho de 2024

As viagens - século XIV e XV




Reprodução do Planisfério de al-Idrisi
Museu da Civilização Islâmica, Sharjah, Emirados Árabes Unidos


Por volta de 1138, o rei normando da Sicília, Rogério II, convidou Al-Idrisi, um geógrafo muçulmano, para sua corte em Palermo, em busca de ajuda para prosseguir a sua agenda política. O vibrante ambiente multicultural da Sicília levou al-Idrisi a aceitar o convite do rei Rogério para sua corte. Durante a reunião, Al-Idrisi informou Rogério II sobre sua familiaridade e experiências pessoais das viagens pelo norte da África e Europa Ocidental, o que levou Rogério II a encomendar um atlas de Al-Idrisi. Para produzir o trabalho, Al-Idrisi começou a coletar informações para os mapas, entrevistando viajantes experientes sobre seu conhecimento do mundo, mantendo "apenas a parte sobre a qual havia total concordância e parecia crível, excluindo o que era contraditório".

Muhammad al-Idrisi [Ceuta, 1110 - Sicília, 1165], nascido provavelmente Sebta, atual Ceuta, pertencia a uma nobre família de Andaluz. Cresceu em Córdoba, sob o Império Almorávida. Em 1154 confecionou um grande mapa-múndi, orientado em sentido inverso ao utilizado atualmente, conhecido como a Tabula Rogeriana, acompanhado por um livro, denominado Geografia. O rei Rogério II da Sicília deu a estas obras o nome conjunto de Nuzhat al-Mushtak, ainda que al-Idrisi as tenha batizado como Kitab Rudjar ("O Livro de Rogério"). A obra compreende uma descrição da Itália, da Sicília, do Andaluz, do norte da Europa, da África e do Império Bizantino, beneficiando-se da situação específica do reino normando da Sicília do século X e do sincretismo entre as civilizações bizantina, normanda e árabe que o caracterizava.

al-Idrisi, Ceuta

Em 1161 realizou uma segunda edição ampliada, com o notável título de Os Jardins da Humanidade e o Entretenimento da Alma, a qual teve todas as suas cópias perdidas. Uma versão abreviada desta edição, chamada Jardim dos Gozos, ainda que mais conhecida como Pequeno Idrisi, foi publicada em 1192. Muhammad al-Idrisi divide o mundo em sete faixas paralelas ao equador que chama climas ou zonas. Cada uma delas subdivide em dez secções contadas do Ocidente para o Oriente. Ao prescindir da representação cónica habitual nessas linhas paralelas, realizou uma verdadeira revolução científica, antecipando-se em quatro séculos à cartografia de Mercator. Descreve Lisboa e os principais portos de Portugal desde o rio Guadiana, a que chama "Iana", até à Galiza. Assinala ainda dois itinerários para Compostela, quatro "Caminhos de Santiago" se os definirmos por mar ou por terra, onde no mapa se pode identificar perfeitamente São Jacub como ponto de chegada, em que um deles parte da Baiona francesa e outro de Coimbra.

"Tabula Rogeriana" é um mapa criado pelo geógrafo árabe Al-Idrisi no século XII. Este mapa é um dos mais importantes da Idade Média e representa uma das tentativas mais avançadas da época de descrever o mundo conhecido. O mapa foi encomendado pelo rei normando Rogério II da Sicília e elaborado por Muhammad al-Idrisi, um geógrafo, cartógrafo e viajante árabe. Al-Idrisi nasceu em Ceuta e estudou em Córdoba. A "Tabula Rogeriana" foi concluída em 1154 e é considerada uma das representações mais precisas do mundo conhecido até aí na Europa medieval. Ela descreve detalhadamente a Europa, a Ásia e o Norte da África, com informações sobre cidades, rios, montanhas e rotas comerciais.

Al-Idrisi combinou informações de fontes escritas e orais, incluindo relatos de viajantes e comerciantes. Ele também usou conhecimentos geográficos dos antigos gregos e romanos, bem como de estudiosos islâmicos. O mapa de Al-Idrisi teve uma enorme influência na cartografia medieval e foi utilizado por muitos exploradores e estudiosos europeus. Sua precisão e nível de detalhe eram excecionais para a época. A referência a Carignano no contexto do mapa pode se referir a uma das representações detalhadas das regiões italianas e seus centros urbanos importantes. No entanto, o foco principal do trabalho de Al-Idrisi era criar uma visão abrangente do mundo conhecido, mais do que detalhar a cidade específica de Carignano.



Tabula Rogeriana

Em 1351, o papa Clemente VI emitiu uma bula papal conhecida como "Romanus Pontifex", na qual concedia as Ilhas Canárias como feudo ao nobre castelhano Luís de La Cerda. A concessão das Ilhas Canárias como feudo a Luís de La Cerda pelo papa Clemente VI é um exemplo fascinante das dinâmicas europeias no século XIV à volta das ilhas do Atlântico Norte. Esta concessão foi feita como uma forma de recompensar Luís de La Cerda por seu apoio à Santa Sé. Na época, as Ilhas Canárias eram disputadas pelos reinos cristãos da Península Ibérica, principalmente Castela e Portugal. A concessão papal foi uma tentativa de influenciar e pacificar os conflitos sobre o controlo das ilhas.

A concessão das Ilhas Canárias, como feudo a Luís de La Cerda, como seria de esperar, provocou controvérsias e disputas entre os dois reinos. Tanto Castela como Portugal reivindicaram direitos sobre as ilhas, e naturalmente a bula papal seria contestada por esses dois estados. E, por conseguinte, a concessão papal não resolveu nada. As Ilhas Canárias continuaram a ser um pomo de discórdia. As ilhas acabaram nas mãos da Coroa de Castela após décadas de conflitos e expedições militares. Este episódio revela como na Idade Média o Papa se arvorava não apenas a arbitrar, mas a influenciar a política pela via diplomática. 

Na Idade Média, Europa e África eram dois mundos bastante distintos e separados por grandes barreiras geográficas, culturais e políticas. A interação entre esses dois continentes era limitada e frequentemente indireta. A geografia desempenhava um papel fundamental na separação entre Europa e África. O Mar Mediterrâneo, por exemplo, servia como uma fronteira natural entre o sul da Europa e o norte da África, mas também como uma rota de comércio e interação cultural. O conhecimento mútuo entre Europa e África era limitado. Os europeus tinham informações fragmentadas e muitas vezes imprecisas sobre as terras além do Mediterrâneo, baseadas em relatos de viajantes, missionários, comerciantes e exploradores.

 As rotas comerciais através do Mediterrâneo facilitavam algum contacto entre europeus e africanos, especialmente nas cidades costeiras e nos pontos de comércio como o Egito, o norte da África e mais tarde ao longo da costa oeste da África. A falta de conhecimento direto levava frequentemente a imaginações e estereótipos sobre o outro continente. Por exemplo, o mito do Preste João, um rei cristão fabuloso que supostamente governava um reino poderoso no Oriente ou na África, foi amplamente difundido na Europa medieval. As Cruzadas e as primeiras explorações marítimas, como as dos portugueses ao longo da costa africana, começaram a ampliar lentamente o entendimento europeu sobre a África, mas isso era um processo gradual e muitas vezes motivado por interesses comerciais e religiosos.

Portanto, durante a Idade Média, Europa e África eram de facto mundos separados e distintos, com interações limitadas e um conhecimento mútuo fragmentado. Esse contexto histórico contribuiu para uma percepção de separação e distinção entre os dois continentes até que as explorações e o intercâmbio comercial começaram a ampliar as fronteiras.

A partir do século XV, as explorações portuguesas ao longo da costa africana, lideradas por figuras como Henry, o Navegador, começaram a alterar gradualmente essa dinâmica. As descobertas de ouro, novas rotas comerciais e o impulso para encontrar um caminho marítimo para as Índias aumentaram o interesse europeu pela África. Até o final do século XV, o Oriente, com suas riquezas e rotas comerciais estabelecidas, capturava muito mais a imaginação e o interesse dos europeus do que a África, que permanecia em grande parte desconhecida e inexplorada além das fronteiras do Saara. As explorações marítimas portuguesas marcam um ponto de viragem significativo nessa dinâmica.

Durante a Idade Média e o início da Idade Moderna, houve uma proliferação de livros de viagens fictícios ou semi-fictícios, nos quais os autores frequentemente descreviam lugares exóticos e distantes sem terem realmente visitado esses locais. Esses relatos muitas vezes misturavam elementos de fantasia, mitologia e exagero, alimentando a curiosidade europeia por terras desconhecidas. Autores como John Mandeville (cujo nome era provavelmente fictício) escreveram obras como "A Viagem de John Mandeville", onde descreviam terras distantes como a Índia, China e o Médio Oriente com detalhes fantasiosos. Mandeville afirmava ter viajado extensivamente, mas hoje é amplamente aceite que suas histórias eram em grande parte fictícias.

Esses relatos eram frequentemente criados para entreter e educar os leitores europeus sobre o mundo além de suas fronteiras. Eles capitalizavam o crescente interesse por novas culturas e geografias, mesmo que baseados em informações limitadas ou inexistentes. Os autores desses livros frequentemente incluíam elementos fantásticos, como monstros, cidades de ouro e estranhos costumes, que capturavam a imaginação do público europeu. Essas narrativas ajudavam a construir uma imagem mítica e distorcida de terras distantes. Apesar de sua natureza fictícia, esses relatos contribuíram para a formação do imaginário europeu sobre o mundo além de suas fronteiras. Eles influenciaram a literatura, a arte e até mesmo as explorações reais ao inspirar exploradores a buscar novas rotas e descobertas.

 Com o tempo, muitos desses relatos foram desmascarados como ficções ou exageros, especialmente com o avanço das explorações geográficas e científicas. No entanto, eles continuam a ser estudados como reflexos das atitudes e curiosidades da época.

Ibn Battuta é reconhecido como um dos maiores viajantes da história, e sua obra, "Rihla" (ou "Rihlat Ibn Battuta"), é uma das mais importantes e detalhadas crónicas de viagem já escritas. Ibn Battuta nasceu em Tânger, Marrocos, em 1304, e iniciou a jornada de viagem em 1325, aos 21 anos de idade. Ele viajou extensivamente por mais de 30 anos, visitando territórios que hoje abrangem mais de 40 países, desde o norte da África até ao interior da Ásia, e relatou suas experiências detalhadamente em "Rihla".

Começou a jornada com o objetivo de realizar uma peregrinação a Meca (hajj), um dever religioso para os muçulmanos. No entanto, sua curiosidade e desejo de conhecer novos lugares e culturas o levaram a expandir significativamente suas viagens além da peregrinação inicial. Ao contrário de relatos de viagens fictícios da época, "Rihla" é considerado um testemunho autêntico e detalhado das regiões e pessoas que Ibn Battuta encontrou em suas viagens. Ele descreveu aspectos geográficos, políticos, sociais, econôómicos e culturais dos lugares visitados. "Rihla" teve um impacto duradouro na compreensão do mundo islâmico dessa época. Suas observações e relatos fornecem insights valiosos sobre as condições e interações sociais da época, além de detalhar as rotas comerciais e os centros intelectuais e religiosos.

Ibn Battuta é celebrado por sua coragem, curiosidade intelectual e capacidade de se adaptar a diferentes culturas e ambientes. Sua obra inspirou gerações posteriores de viajantes e exploradores, e continua a ser estudada como um importante registro histórico e cultural. Portanto, Ibn Battuta é considerado um dos maiores viajantes de todos os tempos não apenas por causa da extensão de suas viagens, mas também pela profundidade e precisão de suas observações em "Rihla", que o distinguem de muitos outros viajantes da época.

Durante a Idade Média, os muçulmanos do Magrebe, e do mundo islâmico em geral, estavam significativamente à frente dos cristãos europeus em termos de conhecimento geográfico e científico. Os estudiosos muçulmanos preservaram e expandiram significativamente o conhecimento científico e geográfico da Antiguidade Clássica, herdado dos gregos, romanos e persas. Isso incluiu trabalhos de geógrafos como Ptolomeu, cujas obras foram traduzidas para o árabe e posteriormente desenvolvidas e aprimoradas. O Islão incentivou a peregrinação a Meca (hajj), o que levou muitos estudiosos e viajantes a explorar vastas áreas do mundo conhecido na época. Ibn Battuta é um exemplo proeminente dessa tradição de viajantes muçulmanos que documentaram as suas viagens detalhadamente.

 Centros de estudo, como Bagdade, Córdoba, Cairo e Fez, tornaram-se importantes locais onde o conhecimento geográfico e científico era estudado, ensinado e aprimorado. Universidades e bibliotecas abrigavam vastas coleções de manuscritos e livros que eram consultados por estudiosos de todo o mundo islâmico. Os geógrafos e cartógrafos muçulmanos desenvolveram técnicas avançadas de cartografia, incluindo projeções de mapas e métodos de medição astronómica, que eram superiores aos utilizados na Europa medieval. O mundo islâmico serviu como um ponto de encontro cultural e intelectual entre o Oriente e o Ocidente, facilitando a tradução de obras antigas e a transmissão de conhecimento científico e geográfico para a Europa através da Espanha islâmica (al-Andalus).

 Esses fatores combinados fizeram com que os muçulmanos do Magrebe, e do mundo islâmico em geral, estivessem à frente dos europeus cristãos na época medieval no que diz respeito ao conhecimento geográfico, científico e cultural. Esse legado teve um impacto profundo no desenvolvimento posterior da ciência e da exploração geográfica em todo o mundo. Houve exceções notáveis na cartografia medieval feita por judeus, como o caso da cartografia maiorquina. Durante a Idade Média, alguns judeus na Europa, especialmente na Península Ibérica e nas ilhas do Mediterrâneo, desempenharam um papel significativo no desenvolvimento e na prática da cartografia. A Península Ibérica, sob domínio muçulmano (al-Andalus), proporcionou um ambiente relativamente tolerante onde judeus, cristãos e muçulmanos coexistiam e compartilhavam conhecimentos.

Os judeus, com sua educação em línguas, matemática e astronomia, frequentemente atuavam como tradutores e intermediários culturais entre diferentes comunidades. Isso facilitou a transmissão de conhecimentos geográficos e científicos entre culturas. Maiorca, uma ilha no Mediterrâneo, se destacou como um centro importante para a cartografia medieval. A Escola Cartográfica de Maiorca, que floresceu nos séculos XIII e XIV, produziu mapas que combinavam tradições cartográficas árabes, judaicas e europeias. Os judeus desempenharam papéis chave nesse contexto, contribuindo com seu conhecimento técnico e linguístico.

 A cartografia maiorquina incorporou técnicas avançadas de projeção de mapas, conhecimentos astronómicos e precisão na representação geográfica. Isso influenciou o desenvolvimento da cartografia europeia, especialmente durante a expansão marítima e as descobertas geográficas dos séculos seguintes. O trabalho dos cartógrafos judeus em Maiorca e em outras partes da Península Ibérica deixou um legado duradouro na história da cartografia. Suas contribuições ajudaram a melhorar a precisão e o detalhamento dos mapas medievais, influenciando a forma como o mundo era compreendido e representado na época. Portanto, os cartógrafos judeus, especialmente aqueles associados à Escola Cartográfica de Maiorca, representam uma exceção significativa na história medieval, contribuindo de maneira substancial para o avanço do conhecimento cartográfico na Europa medieval.

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