segunda-feira, 8 de julho de 2024

O Infante Dom Henrique e os Descobrimentos Portugueses



O Infante Dom Henrique, Lagos

Os propósitos do Infante Dom Henrique com as expedições ao golfo da Guiné foram multifacetados e refletem uma combinação de objetivos económicos, políticos, religiosos e científicos. Dom Henrique estava interessado em encontrar novas rotas comerciais e estabelecer ligações diretas com as fontes de ouro e outras riquezas na África Ocidental. As expedições visavam abrir novos mercados e assegurar o monopólio português sobre o comércio de especiarias, ouro, marfim e escravos. As viagens tinham o objetivo de expandir o domínio e a influência portuguesa além das fronteiras da Europa. Estabelecer postos avançados e fortalezas ao longo da costa africana ajudaria Portugal a consolidar um poder marítimo inigualável, uma vez que alargaria uma rede de bases para a expansão de futuras expedições.

A causa da Evangelização Cristã era de um interesse primordial, atendendo aos apoios implícitos de Roma, aspeto que aliás vinha de pactos anteriores consolidados pela Reconquista rcentemente consolidada na zona dos Algarves, onde o Infante, não por acaso, instaou a sua Escola em Sagres. Dom Henrique, asim como boa parte da nobreza portuguesa, tinha fortes motovos para desejar converter os povos africanos ao cristianismo, se lembrarmos que já nessa altura todo o Norte de África estava nas mãos do Islão. 
Contornar o Bloqueio Muçulmano era uma motivação estratégica importante. Era encontrar uma rota marítima para a Ásia que evitasse o controlo muçulmano das rotas terrestres e marítimas tradicionais pelo Médio Oriente e pelo Mar Vermelho.

Mas é claro, não só de espírito vive o homem, e as expedições também eram acicatadas por outras necesidades humanas que eram colmatadas pelo negócio, pelo comércio. E como a curiosidade puxa o engenho, o caráter exploratório haveria de contibuir com alguma coisa para o progresso científico. Dom Henrique estava interessado em aumentar o conhecimento sobre a geografia do mundo desconhecido, mapeando novas terras e melhorando as técnicas de navegação. E para isso não tinha outro sítio melhor situado que não fosse Sagres, onde ele montou a sua Escola onde aportariam os melhores geógrafos e cartógrafos genoveses que já se haviam instalado há algum tempo nas ilhas, sobretudo as maiorquinas. As informações que essas figuras possuíam, ligadas à navegação e à arte de marear, era de todo o interesse para o projeto de Henrique que gostava de se dar pelo epíteto de Navegador. Eram fundamentais para o desenvolvimento de novos mapas e cartas náuticas. 

Gomes Eanes de Zurara foi o cronista oficial do Infante Dom Henrique. Ele escreveu a crónica intitulada "Crónica dos Feitos da Guiné", que documenta as expedições e conquistas portuguesas na costa africana durante o século XV, incluindo as realizadas sob a direção de Dom Henrique. Zurara é conhecido por ter retratado Dom Henrique de maneira altamente elogiosa, destacando seus esforços para expandir o conhecimento geográfico, comercial e religioso de Portugal. A sua obra é uma das principais fontes históricas sobre o início da era das Grandes Navegações Portuguesas e fornece um relato detalhado das motivações e realizações das expedições ao golfo da Guiné.

A crítica de que os Descobrimentos Portugueses, sob a liderança de figuras como o Infante Dom Henrique, não seguiram um plano estratégico bem definido, mas que foram impulsionados por mero oportunismo, é um ponto de vista que encontra espaço no seio dos autores comprometidos com uma certa agenda ideológica que tem vindo a fazer  seu caminho nos últimos anos. No entanto, essa visão pode ser contestada com base em várias evidências históricas. A Escola de Sagres é desde logo o dado mais onbetivo, ainda que também tenha sido feito um esforço para ser desacreditada. Mas é amplamente reconhecido que Dom Henrique reuniu e incentivou navegadores, cartógrafos e cientistas em Sagres, o que sugere uma intenção de desenvolver conhecimento náutico e estratégico de forma sistemática. 

As crónicas, como as de Gomes Eanes de Zurara, ainda que laudatórias, estariam longe de inventar as peripécias ligadas à cartografia da costa africana, por onde eram estudadas as rotas, e cuja realidade foi comprovada pelos seus proveitos que começaram a chegar progressivamente a Lisboa. Lisbos passou a ser naquela época uma cidade muito concorrida e frequentada por gente estrangeira, ao ponto de ser uma das cidades mais importantes da Europa dada a sua situação geográfica que lhe conferia o epíteto de "ponta de lança atlântica". E assim iam chegando riquezas como o ouro e escravos vindos de Áfica, e as especiarias e a seda vindas da Ásia. A "Crónica dos Feitos da Guiné" documenta as expedições de forma que sugere uma série de objetivos estratégicos. 

O apoio contínuo da coroa portuguesa aos empreendimentos marítimos, incluindo recursos financeiros e concessões, indica um compromisso estatal que vai além do mero oportunismo. A organização de viagens sucessivas e o estabelecimento de feitorias ao longo da costa africana são exemplos de planeamento estratégico. Os avanços em navegação e cartografia, como o desenvolvimento da caravela e a criação de mapas mais precisos, refletem um esforço sistemático para melhorar a capacidade de exploração e comércio marítimo. Os objetivos de longo prazo, como encontrar uma rota marítima para a Índia e estabelecer um império comercial, indicam que havia uma visão estratégica subjacente. A conquista de Ceuta em 1415, por exemplo, pode ser vista como um primeiro passo nesse plano de expansão.

Embora as circunstâncias e oportunidades possam ter influenciado a trajetória dos Descobrimentos, a combinação de esforços sustentados em várias frentes sugere que havia uma base estratégica significativa. Essa visão equilibrada reconhece tanto os elementos de oportunidade quanto o planeamento consciente e a visão de longo prazo dos líderes portugueses da época. A ocupação da ilha da Madeira em 1419 é um bom exemplo de como os Descobrimentos Portugueses foram acompanhados de planeamento estratégico, ao contrário da visão simplista de que tudo ocorreu sem uma estratégia clara. A colonização da Madeira apresenta vários aspectos que indicam um propósito bem definido. A colonização da Madeira também serviu como um "laboratório" para testar e aprimorar técnicas de navegação, construção naval e administração colonial. As lições aprendidas ali seriam aplicadas em empreendimentos futuros mais ambiciosos.

E o motivo religioso não era despiciendo. A combinação de motivações religiosas (propagação do cristianismo) e comerciais (busca de novas rotas e recursos) revela um propósito claro. A tentativa de contornar o monopólio muçulmano das rotas comerciais terrestres para alcançar as riquezas do Oriente foi um objetivo estratégico bem definido.

A posse da Madeira ajudou a garantir as rotas marítimas e proteger os navios portugueses dos piratas e de outras ameaças. Isso foi crucial para o desenvolvimento do comércio marítimo e para o estabelecimento de uma rede de postos avançados que sustentariam a expansão portuguesa.  A colonização da Madeira contou com o apoio e financiamento da coroa portuguesa, que viu nisso uma oportunidade para aumentar a influência e as riquezas do reino. Esse investimento indica que havia um plano deliberado para utilizar a ilha como um ativo estratégico e económico.

A falta de interesse inicial por parte de outras potências europeias em relação à Madeira pode ser atribuída a vários fatores, incluindo a falta de conhecimento náutico comparável, prioridades diferentes e a concentração em conflitos internos ou regionais. A vantagem na exploração marítima permitiu que os portugueses capitalizassem essas oportunidades antes de outros países europeus, solidificando a sua liderança na era das Descobertas. Portanto, a ocupação da Madeira demonstra que os Descobrimentos Portugueses foram guiados por uma combinação de planeamento estratégico, exploração consciente e aproveitamento de oportunidades, contribuindo para o sucesso duradouro do empreendimento.

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