domingo, 14 de julho de 2024

A reverência do povo da Coreia do Norte





A reverência dos norte-coreanos ao regime e a devoção dos militantes dos partidos comunistas clássicos têm paralelos significativos, especialmente na ideologia compartilhada, no culto à personalidade e no uso de propaganda e controlo social. No entanto, essas características diferem fundamentalmente dos fascistas da década de 1930, cujas ideologias, objetivos e métodos eram distintos, com uma ênfase muito maior no nacionalismo extremo e no racismo.

O culto da personalidade na Coreia do Norte existe há décadas e pode ser encontrado em muitos exemplos da cultura norte-coreana. Embora não seja reconhecido oficialmente pelo governo norte-coreano, muitos desertores e visitantes ocidentais afirmam que há duras penas para aqueles que criticam ou não tratam o regime com o "respeito adequado". O culto à personalidade começou logo após Kim Il-sung tomar o poder em 1948 e foi grandemente ampliado após sua morte, em 1994.

Enquanto outros países tiveram cultos à personalidade em vários graus (como o de Joseph Stalin na União Soviética), a abrangência e a natureza extrema do culto à personalidade na Coreia do Norte ultrapassa o de Stalin ou Mao Zedong. O culto também é marcado pela intensidade dos sentimentos das pessoas e de sua devoção a seus líderes. É possível que uma ideologia confucionista do familismo desempenhe aqui o seu papel tanto na manutenção do culto como na manutenção do próprio regime totalitário. Kim Il-sung desenvolveu a ideologia política da ideia Juche, geralmente entendida como autossuficiência, e a desenvolveu ainda entre as décadas de 1950 e 1970. Juche tornou-se o principal guia de todas as formas de pensamento, educação, cultura e vida em toda a nação. Kim Jong-il introduziu a política Songun (militares em primeiro lugar), o que exponenciou a filosofia Juche, com um enorme impacto nas políticas económicas nacionais.

De acordo com Suh Dae-sook, o culto da personalidade em torno da família Kim requer total lealdade e subjugação. Nestas condições é muito difícil libertar o país da ditadura de um homem só, que já leva três gerações sucessivas. A constituição de 1972 da Coreia do Norte incorpora as ideias de Kim Il-sung como o único princípio orientador do Estado e as suas atividades como a única herança cultural do povo. Segundo a New Focus International, o culto da personalidade, particularmente em torno de Kim Il-sung, tem sido crucial para legitimar a sucessão hereditária da família. Park Yong-soo disse na Australian Journal of International Affairs que o "prestígio do Suryong (líder supremo) recebeu a mais alta prioridade, sobre tudo o resto."

As duas principais agências de notícias coreanas (Rodong Sinmun e Agência Central de Notícias da Coreia) publicam cerca de 300 artigos por mês relacionados com o "culto de Kim".  O cidadão norte-coreano tem sido submetido a uma gigantesca lavage ao cérebro com toda a propaganda que envolve a família Kim. Por conseguinte, não sabemos se devemos dar crédito a certas análises mais recentes que dizem que o governo de Kim Jong-un está a ter dificuldades para garantir a lealdade desta jovem geração "jangmadang", que já não é possível isolá-la completamente do mundo exterior. Que a promoção da idolatria do atual líder Kim Jong-un é vista como uma fantochada. No entanto o governo norte-coreano bem se esforça por afirmar que não há culto de personalidade, mas sim adoração genuína ao líder que é visto como um herói.

A reverência do povo da Coreia do Norte ao regime pode ser explicada por uma combinação de fatores históricos, sociais, culturais e políticos, além da lavagem cerebral. A ideologia Juche, desenvolvida por Kim Il-sung, enfatiza a autossuficiência e a independência. Ela é inculcada desde cedo nas escolas e permeia todos os aspetos da vida norte-coreana, criando um forte sentido de identidade nacional. A narrativa oficial enfatiza a luta contra o colonialismo japonês e o imperialismo americano. O regime pugna pela sua independência, protegendo a nação da ingerência do imperialismo capitalista. independência.

A veneração aos líderes Kim Il-sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un é intensamente promovida. Eles são retratados como figuras quase divinas que sacrificaram tudo pelo bem do país. Estátuas, monumentos e retratos dos líderes estão por toda a parte. A participação em rituais de homenagem é uma prática comum e reforça a lealdade ao regime. O controlo social é exercido por meio de uma extensa rede de vigilância e um sistema de denúncias, onde familiares e vizinhos podem reportar comportamentos considerados desviantes. A dissidência pode levar a punições severas, incluindo trabalhos forçados, tortura e execuções, tanto para o indivíduo quanto para seus familiares. Desde cedo, as crianças são expostas a uma educação fortemente ideológica que glorifica o regime e demoniza os inimigos. A comunicação social é totalmente controlada pelo Estado e serve como ferramenta de propaganda para reforçar a narrativa oficial e suprimir qualquer informação contrária.

A influência do confucionismo, com sua ênfase na hierarquia, respeito pela autoridade e lealdade familiar, pode reforçar a aceitação do regime. O isolamento da Coreia do Norte limita o acesso do povo a informações externas e comparações com outras realidades, criando uma bolha ideológica. Num regime onde o Estado controla a distribuição de recursos essenciais como alimento, moradia e emprego, a lealdade ao regime pode ser uma questão de sobrevivência. Sentimento de orgulho nacional no processo de identidade nacional foi fundamental para que muitos norte-coreanos sentissem e acreditassem na superioridade do sistema norte-coreano, especialmente diante da narrativa de resistência e sobrevivência contra potências estrangeiras. Esses fatores combinados com uma complexa rede de influências e pressões sociais, culturais e políticas criam um ambiente a que para resumo de ideias se costuma designar por lavagem cerebral.

Há semelhanças e diferenças entre a reverência dos norte-coreanos ao regime e o comportamento dos militantes dos partidos comunistas clássicos e dos fascistas da década de 1930. Tanto na Coreia do Norte quanto nos partidos comunistas clássicos, a ideologia marxista-leninista ou variantes dela são centrais. Há uma forte ênfase na igualdade social, na luta de classes e na revolução proletária. Ambos utilizam intensivamente a educação ideológica e a propaganda para moldar a consciência das massas e promover a lealdade ao partido. Em muitos partidos comunistas, especialmente aqueles sob regimes totalitários, o culto à personalidade de líderes como Lenin, Stalin ou Mao Zedong foi comum, semelhante ao culto aos líderes Kim na Coreia do Norte. 

O controlo social, embora não tão extremo quanto na Coreia do Norte, também era uma característica dos regimes comunistas clássicos, com redes de vigilância e repressão da dissidência. No entanto, há algumas diferenças em relação aos Fascistas da década de 1930. A ideologia fascista enfatiza o nacionalismo extremo, a militarização da sociedade, o corporativismo e o anticomunismo. O fascismo é autoritário e muitas vezes racista, focado na pureza racial e na superioridade nacional. Em contraste, o comunismo (mesmo em suas formas autoritárias) baseia-se na teoria da luta de classes e na abolição das classes sociais. Embora o culto da personalidade também estivesse presente no fascismo (por exemplo, Mussolini na Itália e Hitler na Alemanha), a natureza do culto era diferente, centrando-se na figura do líder como um salvador nacionalista e militarista, em vez de um líder proletário revolucionário. Os fascistas buscavam a criação de um Estado corporativo, a expansão territorial e a pureza racial. Os comunistas visavam a abolição das classes sociais, a propriedade coletiva dos meios de produção e, em muitos casos, a internacionalização da revolução comunista.

Em suma, se bem que tanto o fascismo como o comunismo geraram regimes totalitários que utilizavam a repressão e violência, e que se guerrearam como regimes inimigos e antagónicos, e ainda que os métodos diferissem em alguns aspetos, a verdade é que ambos os regimes, no cerne da questão essencial, podem ser metidos no mesmo saco. De resto, se no fascismo havia uma ênfase maior na eliminação de grupos étnicos e na supressão total e implacável do inimigo, o comunismo reprimia e usava os gulags como um grande lago concentracionário de punição e esctavatura, cuja eliinação era principalmente cirúrgica, focada nos dissidentes internos e nos contrarrevolucionários.

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