segunda-feira, 22 de julho de 2024

As viagens e os livros de Ramon Llull

  

Ramon Llull viajou para a Tunísia para continuar sua missão. É nessa jornada que ele escreveu Liber de Deo et de mundo ("Livro sobre Deus e o mundo") e Liber de maiore fine intellectus amoris et honoris ("Livro sobre o fim maior da inteligência: amor e honra"). Ambos são datados de dezembro de 1315 e seriam suas últimas obras. A data exata de sua morte é desconhecida. Considera-se que morreu entre 1315 e 1316, quando voltava de sua viagem da Tunísia para Maiorca. Alguns cronistas afirmaram que ele foi linchado por uma multidão de muçulmanos furiosos em Bejaia, dos quais não há prova formal, apesar de ter sofrido prisão, espancamentos e insultos. Ele está na Basílica de São Francisco em Palma de Maiorca.



Basílica de São Francisco em Palma de Maiorca.

Ramon Llull nasceu em Palma de Maiorca por volta de 1232. Filósofo, poeta, místico, teólogo e missionário leigo próximo dos franciscanos. Ele é considerado um dos primeiros escritores a usar uma língua neolatina, o catalão, para expressar conhecimento filosófico, científico e técnico. Conhecido em seu tempo pelos apelidos de Doutor Inspiratus (Médico Inspirado), Doutor Illuminatus (Médico Iluminado) ou Arabicus Christianus (Árabe Cristão), Llull foi uma das figuras mais avançadas nos campos espiritual, teológico e literário da Idade Média. Foi de facto um autor e pensador catalão muito importante na Idade Média.

Segundo Umberto Eco, o local de nascimento foi decisivo para Llull, já que Maiorca era uma "encruzilhada na época das três culturas, cristã, islâmica e judaica, a ponto de a maioria de suas 280 obras reconhecidas terem sido inicialmente escritas em catalão e árabe". Antes de se casar, ela entrou para a corte do rei Jaime I de Aragão. Por volta de 1267, aos 30 anos, a vida de Ramon sofreu uma reviravolta importante: ele mesmo descreve como teve uma série de cinco visões de Cristo crucificado em cinco noites consecutivas. A profunda impressão que essas visões lhe causaram levou-o a vender as suas propriedades. Sua fase de nove anos de formação teológica e moral durou até 1275: na cidade de Maiorca, ele conheceu e comprou um escravo muçulmano que usou como professor para aprender árabe.

Em 1274, o infante Jaime (que reinaria como Jaime II de Maiorca), antigo aluno de Llull, chamou-o para o seu castelo em Montpellier, onde, sob o patrocínio do príncipe, o erudito pôde escrever a sua Ars demostrativa ("A Arte Demonstrativa"), obra que lhe valeu dinheiro que investiu de imediato na construção do mosteiro de Miramar em sua ilha natal. O objetivo deste mosteiro era treinar missionários para cristianizar os árabes, ensinando-lhes técnicas missionárias, métodos para repudiar a filosofia islâmica. Decidiu empreender a sua própria cruzada pessoal, que o levaria à Europa (Alemanha, França e Itália), à Terra Santa, à Ásia Menor e ao Magrebe. Ele estava muito interessado em converter os muçulmanos e judeus daquelas regiões, por isso não hesitou em pregar nas portas das mesquitas e sinagogas, o que nem sempre foi recebido com prazer pelos fiéis daqueles templos.

Em 1286, Ramon Llull recebeu seu diploma de professor universitário (magister) da Universidade de Paris. Um ano depois, viajou a Roma para apresentar seus planos de reforma da Igreja a pontífices e dignitários, mas, mais uma vez, ninguém o ouviu, porque ele ia pedir financiamento para a Cruzada que ele aspirava poder converter todos os infiéis da Terra Santa. Vendo que seus apelos não obtiveram o eco que esperava, entrou para a ordem franciscana em 1295. Foi aceito na Ordem Terceira Franciscana.

Em 1307, Ramon Llull viajou para o norte da África para continuar as pregações, mas foi mal recebido, como se costuma dizer, foi corrido à pedrada. Entre 1308 e 1311 deambulou pela Europa ao sabor de Clemente V, consultando a hipótese de uma nova Cruzada e se seria apropriado entregar os Templários ao braço secular para serem executados na fogueira. Ramon Llull foi convocado e esteve presente nas três sessões do Conselho, mas nenhuma notícia chegou até nós sobre como ele votou em cada um dos assuntos sérios que foram discutidos lá. Sabemos que a Cruzada e a reforma eclesiástica lhe interessavam particularmente, pois haviam sido objeto de suas pregações e orações por décadas. No entanto, em relação à punição dos Templários, inúmeras dúvidas permanecem.

 

 Ramon Llull - Monasterio de Santa Maria de la Real
Palma de Maiorca

Seguidor, como bom franciscano, do pensamento de Roger Bacon e São Boaventura, Llull introduziu uma grande inovação. Insistiu na doutrina da Imaculada Conceição de Maria, contra a opinião, então maioritária, de São Tomás de Aquino. A essência divina teve que assumir uma primeira matéria perfeita para formar o corpo de Jesus. Isso era impensável se a própria Maria tivesse nascido sujeita ao pecado original, então ela tinha de ter sido concebida sem pecado. Essas ideias levaram o inquisidor Nicolas Aymerich a perseguir postumamente as obras de Ramon Llull. No entanto, o rei Pedro, o Cerimonioso, protegeu a memória dos beatos e expulsou o inquisidor do reino de Aragão e, finalmente, a Igreja Católica acabou estabelecendo a opinião de Llull como dogma.

Escrevia e falava perfeitamente em catalão, latim e árabe; e ele usou qualquer uma dessas línguas indistintamente para se dirigir a quem a entendesse melhor. Se o público de seu novo livro era de baixa condição, ele não hesitou em expressar os mais altos conceitos filosóficos em versos alegres, e sempre defendeu a conversão dos infiéis. Estudiosos cristãos do século XIII celebraram a descoberta lógica de Llull, embora logo tenham detetado os problemas do raciocínio de Llull. Embora seja verdade que ambas as ciências estão geralmente de acordo – porque o que é verdadeiro na filosofia não pode ser falso para o teólogo – ambas chegam à verdade por caminhos diferentes: a teologia se baseia na razão e na revelação divina, enquanto o filósofo está sozinho diante do problema, provido apenas de sua própria razão. Os árabes foram além: criticaram a Ars Magna dizendo que, segundo eles, o que é falso na filosofia "pode perfeitamente ser verdade na teologia", porque nada é impossível para Deus e Ele pode muito bem ultrapassar as limitações da ciência. Esse conceito é conhecido como "Verdade de Duplo Nível" ou "Teoria da Dupla Verdade".

Em sua ânsia de refutar os muçulmanos, Llull exagerou o conceito no sentido oposto: ele acreditava que a dupla verdade era impossível, já que teologia e filosofia eram de facto a mesma coisa. Dessa forma, ele igualou e identificou a fé com a razão. O incrédulo não era capaz de raciocinar, e o homem de fé aplicava a razão perfeita. Dessa forma, acreditava ter resolvido, graças às provas dos significados lógicos e, claro, ao seu mecanismo, uma das maiores controvérsias da história do conhecimento. O problema com esses postulados era que eles varriam a diferença entre verdades naturais e sobrenaturais. Como Llull era essencialmente um filósofo místico, para ele a razão não pode lidar com as mais altas verdades. Para isso, é necessário, em todas as circunstâncias, fazer uso da fé. Desta forma, afirmou que a fé iluminou a razão, por exemplo, para desvendar o mistério da Santíssima Trindade: só há um Deus verdadeiro representado em três pessoas, que apesar de tudo não são nem podem ser "três deuses". Ele acreditava, por mecanismos semelhantes, que poderia provar o motivo de todos os mistérios e as razões de todos os artigos de fé. Se a razão requer fé para ajudá-la, a segunda também precisa da primeira, porque a fé por si só pode levar ao erro. Llull acreditava que o homem dotado de fé, mas não de razão, era como um cego: ele pode encontrar certas coisas pelo toque, mas não todas as vezes.

A hierarquia católica não via com bons olhos a difusão dessa doutrina, porque imediatamente compreendeu o perigo de dissolver a diferença entre uma verdade natural e um sobrenatural. Dois papas condenaram formalmente o lulianismo: Gregório XI em 1376 e Paulo IV no século xvi. Como resultado, o beato nunca foi canonizado, embora o processo tenha sido reativado recentemente. Não o estudo aprofundado, mas a mera enumeração das obras de Ramon Llull ultrapassa as dimensões e os limites deste artigo. Ele escreveu 243 livros que incluíam assuntos tão diversos como filosofia (Ars magna), ciência (Arbre de sciència, Tractat d'astronomia), educação (Blanquerna, que inclui o Llibre de Amic e Amat), misticismo (Llibre de contemplació), gramática catalã (Retòrica nova), cavalaria (Libro del Orden de Caballería), romances (Llibre de meravelles, que inclui o Llibre de les bèsties), e muitos outros tópicos e recursos (como o provérbio Llibre dels mil proverbis, ou o silogismo (Llibre de la disputa de Pere i de Ramon, el Fantàstic. La ciutat del món), que o mesmo autor traduziu imediatamente para o árabe e o latim.

Blanquerna (Llibre d'Evast e Blaquerna) é um romance idealista, de enorme influência na narrativa da Idade Média e particularmente em certos escritores posteriores. Ele é escrito em catalão. Começou a ser escrito em 1283 e foi concluído em 1286. É uma pintura vívida da vida medieval: o protagonista, conduzindo sua vida através de sua vocação religiosa, tenta alcançar a perfeição espiritual. Para isso, o autor o faz embarcar em uma jornada vital que o levará por todas as etapas do homem na sociedade: do homem casado que costumava ser, ele entrará em um mosteiro, será prelado, se tornará papa e, finalmente, renunciará ao trono pontifício para se dedicar à contemplação e à meditação em um eremitério isolado. A obra inclui ainda o Llibre d'amic e amat, uma peça de prosa poética que combina elementos de fontes muito diversas: o Cântico dos Cânticos, a poesia provençal, a teologia árabe e outras influências que a enriquecem e matizam. Seus 366 versículos expressam o amor da alma humana por Deus e traçam uma delicada filigrana de elevação e sentimento espiritual.

Livro da Ascensão e Descida do Entendimento. Escrito em latim em Montpellier em 1304, o "Livro da Ascensão e Descida do Entendimento" ("Liber de ascensu et descensu intellectus") desenvolve o famoso método de "escala" do pensamento de Llull: existem "escalas místicas" que determinam "escalas de conhecimento" pelas quais se pode subir ou descer como se fossem escadas largas. Para ascender, é preciso passar do sensível (aquilo que é percebido através dos sentidos, isto é, do conhecimento empírico) para o inteligível, e do inteligível para o intelectual. Por meio de outro processo paralelo e simultâneo ao anterior, ascende-se do particular ao geral e do geral ao universal.

Llull dedicou pelo menos três obras para expor com considerável detalhe como seu novo modelo de missão deveria ser posto em prática: o Liber de passagio ("Livro da Cruzada") de 1292 (que, por sua vez, é dividido em duas pequenas obras de origem independente: o Quomodo Terra Sancta recuperi potest ["Como a Terra Santa pode ser restaurada"] e o Tractatus de modo convertendi infideles ["Tratado sobre o caminho da conversão dos mártires" infiéis"]); o Liber de fine ("Livro sobre o Fim/Propósito") de 1305 e o Liber de acquisitione Terra Sanctae ("Livro sobre a Conquista da Terra Santa") de 1309. As três obras tratam dos mesmos temas, embora com algumas variações, bastante estratégicas, que respondem principalmente às mudanças políticas da época.

Sem comentários:

Enviar um comentário