domingo, 26 de julho de 2020

A razão porque não seria boa ideia querermos ser Matusalém


Quando o vírus Corona o atingiu, na verdade fez-lhe um grande favor. O nosso Matusalém, já levava na bagagem 99 anos. É claro, este nosso Matusalém não chegou aos calcanhares do velho Matusalém, isto é, não chegou a ser um centenário por uma unha negra. Pois, Matusalém, terá vivido novecentos e sessenta e nove anos, passe o exagero.
Os exegetas da Bíblia dão várias explicações do significado de Matusalém. Essas explicações não importam para aqui, basta saber que de acordo com o Génesis, Matusalém bate todos os recordes da longevidade com 969 anos – filho de Enoque, pai de Lameque e avô de Noé. Segundo a Enciclopédia Católica, o nome "Matusalém" tornou-se sinónimo de longevidade. Dizer que alguém é "tão velho como Matusalém" é uma maneira bem-humorada de dizer que alguém é muito velho, e não idoso, porque idoso é um eufemismo pretensioso. Uma árvore de 4.851 anos de idade da espécie Pinus longaeva, que cresce no alto das Montanhas Brancas do Condado de Inyo, no leste da Califórnia, é chamada Matusalém. O personagem Flint do episódio "Requiem for Methuselah", da série Star Trek: Série original, é um homem quase imortal que nasceu na antiga Mesopotâmia. Flint fica sozinho depois de viver um tempo num planeta deserto e cria um ginoide imortal para fazer-lhe companhia. Ele finalmente começa a morrer lentamente porque deixou a atmosfera da Terra. Sendo assim, dedica o resto dos seus dias à melhoria da dita espécie sem nome que habita a Terra. 

Bom, a morte do nosso amigo epigrafado, o que importa, é que foi uma morte boa. Que teria ganhado ele se tivesse mais uma vez fintado um vírus, e continuasse, digamos, por mais dez anos, e logo se veria? Não é preciso deitarmo-nos a adivinhar: continuaria a envelhecer, a adoecer, a definhar. 
Reparem, não é só a decrepitude física. É também a erosão da memória, cada vez mais esparsa e fragmentada. Com o avanço da demência, aliás, toda a personalidade se vai dissipando, todo o sentimento de si. Ponderadas todas as vantagens e desvantagens, dos oitenta aos noventa e nove teria tido uma vida nem boa nem má. É uma suposição realista! Por conseguinte, daí em diante, se continuasse vivo, iria ter uma vida sempre miserável, às tantas horrivelmente miserável. Se calhar, o mais certo, é que terá passado as passas do inferno dos 90 aos 99. Portanto, não foi um mal, ter morrido.

Mas, morrermos hoje seria muito inconveniente, logo no dia dos avós. Então aqui vai uma historinha para netos, as Viagens de Guliver:
Swift era altamente cético em relação à confiabilidade das narrativas dos Livros de Viagens, famosos na Idade Média. Daí as improváveis ​​descrições geográficas nas Viagens de Gulliver, que parodia esses Livros de Viagens. Em As Viagens de Gulliver, um romance satírico de Swift, Lilliput é uma ilha fictícia, em que a personagem principal se deparou com uma população de pessoas minúsculas, e os chamados liliputianos o tomaram por um gigante. Mas Brobdingnag é uma outra ilha ocupada por gigantes. O adjetivo "Brobdingnagian" passou a descrever qualquer coisa de tamanho colossal. Swift pretende retirar daqui uma lição de ordem moral, para os ingleses, com a descrição destes povos.  O rei de Brobdingnag é baseado em Sir William Steele, estadista e escritor, para quem Swift trabalhou no início de sua carreira. O exército de Brobdingnag é reivindicado ser grande, com 207.000 soldados, incluindo 32.000 de cavalaria, embora a sociedade não tenha inimigos conhecidos. A nobreza local comanda as forças; armas de fogo e pólvora são desconhecidas para eles. O rei repreende Gulliver quando ele tenta interessar o estadista no uso da pólvora. As leis de Brobdingnag são simples e fáceis de seguir. Há pouco litígio civil. Assassinos são decapitados. 

O povo de Brobdingnag é um sítio de gigantes, com uma altura de 60 pés e cujo passo é de dez jardas. O rei de Brobdingnag argumenta que a corrida se deteriorou, no passado eles eram muito maiores.  Swift descreve a localização de Brobdingnag, e a sua geografia, no texto da Parte II, e fornece um mapa mostrando onde está. No entanto, essas contas são um tanto contraditórias. O mapa impresso no início da Parte II indica que Brobdingnag está localizado na costa noroeste da América do Norte, provavelmente no que hoje é a Colúmbia Britânica. Mostra todos os locais na costa do Pacífico da América do Norte, e descreve Brobdingnag como uma península estendendo-se para o oeste, no Pacífico, ao norte do Estreito. Após o inverno, no Cabo da Boa Esperança, o navio alcançou uma latitude de cinco graus ao sul, ao norte de Madagáscar em março de 1703, e as Molucas, "cerca de três graus ao norte da linha" em abril. A partir daí, o navio é impulsionado por uma tempestade "cerca de quinhentas léguas a leste" (isso colocaria o navio ainda na Micronésia), após o que a tripulação decide "manter o mesmo rumo em vez de virar mais ao norte”. Eles avistaram terras, que Gulliver mais tarde descobre ser Brobdingnag, em 16 de junho de 1703. Brobdingnag é uma península do tamanho de um continente de 6.000 milhas (9.700 km) de comprimento e 3.000 a 5.000 milhas (4.800 a 8.000 km) de largura, o que, com base na localização fornecida por Gulliver, sugere que ela cobre a maior parte doo Pacífico Norte. Por outro lado, o mapa mostra Brobdingnag do tamanho e extensão do atual estado de Washington, e a sua descrição da viagem o coloca num périplo de seis semanas nas Molucas.

A língua de Brobdingnag é descrita como sendo de um caráter distintamente diferente da de Lilliput. Todos os outros animais e plantas, e até características naturais como rios e até granizo, são proporcionais. Os ratos são do tamanho de mastins, com caudas de "dois metros de comprimento”. Enquanto os mastins são iguais em massa a quatro elefantes. Gulliver descreve moscas "do tamanho de uma cotovia de Dunstable, e vespas do tamanho de perdizes, com picadas "de uma polegada e meia de comprimento e afiadas como agulhas". Isso também significa que o país é muito mais perigoso para pessoas de tamanho humano normal, como evidenciado por Gulliver.

Os struldbrug são os habitantes da nação de Luggnagg, em que os irmãos durões, aparentemente  normais, não morrem, mas continuam a envelhecer. Swift, no entanto, descreve o mal da imortalidade sem a eterna juventude. O termo struldbrug tem sido usado na ficção científica, mais prolificamente por Larry Niven e Robert Silverberg, para descrever centenários como Matusalém. Os struldbrug são facilmente reconhecidos por um ponto vermelho acima da sobrancelha esquerda. Eles são normais até atingirem a idade de oitenta anos. A partir dessa idade são desalmados, isto é, ao atingirem os oitenta anos, para todos os efeitos civis, é como se morressem. Legalmente mortos, e passam a sofrer de doenças, incluindo a perda da visão e a perda de cabelo. Aos oitenta anos, são vistos como mortos na lei. Os seus herdeiros imediatamente lhe sucedem na posse das propriedades; apenas uma pequena ninharia é reservada para o seu sustento; e os pobres são mantidos à custa da comunidade. Após esse período, são mantidos incapazes de qualquer trabalho de confiança ou responsabilidade; não podem comprar terras ou fazer arrendamentos; nem podem ser testemunhas em tribunal; Como consequência necessária da velhice, esses imortais são avarentos. Logo, se tornariam proprietários de toda a nação e absorveriam todo o poder, se lhes fosse mantida a liberdade  e os antigos direitos civis. Tudo ficaria arruinado, e todos acabariam na miséria. 

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