terça-feira, 21 de julho de 2020

Mais Europa, não menos





A idade dos impérios desapareceu. Teremos de encontrar outra forma de organizar o mundo globalizado. Apesar de ainda serem o maior poder militar no mundo, os Estados Unidos destruíram as suas fundações desde o 11 de setembro de 2001, ao ponto de estarem cada vez mais isolados e voltados para dentro.

Depois de 1918, desde o norte da Europa aos Balcãs, uma série de países adotou a democracia parlamentar. E James Joyce, na sua obra Democracias Modernas, fala da aceitação universal da Democracia como a forma normal e natural de governo. No entanto, vinte anos depois a Europa passou pelo pior jamais passado. E três países, cinquenta anos depois ainda não tinham abraçado a Democracia: em 1968 Portugal tinha Salazar; Espanha tinha Franco; e a Grécia tinha uma ditadura militar. Depois veio 1989, e a natureza da Europa transformou-se por completo: os países de leste libertavam-se do totalitarismo comunista. E não falando agora na guerra dos Balcãs, as forças que produziram 1989 e a queda da União Soviética, depararam-se com um conjunto de mudanças estruturais decorrentes da globalização crescente. Entretanto o comunismo chinês sobreviveria porque entraria numa economia de mercado sob o controlo do Estado. 


E a Alemanha reunificada renunciava a quaisquer ambições imperiais ao aceitar fazer parte de uma entidade maior chamada União Europeia (UE). Assim, o modelo social europeu seria a parte básica da razão de ser da UE. É neste ponto que um filósofo da Escola da Teoria Crítica de Frankfurt, Jürgen Habermas faz o seu caminho de oráculo da Esquerda Democrática, na proteção dos cidadãos dos abalos do mercado. O mais importante princípio legitimador da UE fazia-se pela cooperação e acumulação de recursos que daria aos estados-membros mais soberania real e não formal. E foi nesse sentido que Portugal, Espanha e Grécia quiseram fazer parte, para ter acesso ao mercado europeu alargado, beneficiando dos fundos disponibilizados, para além de fazerem parte de uma organização com influência mundial, e garantirem uma política e estado de direito mais estável.

E quando se estava a desenhar uma globalização já sem a guerra-fria a pairar no ar sobre as cabeças dos cidadãos europeus, com os Estados Unidos a prometerem a segurança de todos, e finalmente concretizado o espaço da moeda única, o euro, eis o 11 de setembro de 2001 a estragar tudo. A UE entrou primeiro na sua crise constitucional; a seguir na crise dos atentados terroristas islâmicos; e por fim na crise do euro.

Que fazer? A situação é muito difícil de resolver. A constituição havia sido uma ideia errada. A introdução do euro não resultou num impulso para o crescimento. O modelo social colocou em contradição entre mercados e justiça social. Tensão entre estados grandes e pequenos; entre estados ricos e pobres; entre Norte e Sul. E como os cidadãos europeus não quiseram gastar dinheiro na segurança militar por via da sua ideologia pacifista, agora o cidadão europeu passou a sentir-se inseguro quando Trump resolveu fazer chantagem: "ou pagas às tropas ou não tens seguro!"

Entretanto a Turquia esteve para entrar, mas agora é que não entra. Na altura houve quem dissesse: "se a Turquia entra, então porque não entra também a Rússia?" E na verdade quem tem mais identidades com a Europa é a Rússia. Desde logo pelo cristianismo; e ao longo dos dois últimos séculos assimilou na sua quase totalidade uma cultura mais europeia do que asiática. Ao passo que a Turquia tinha tudo ao contrário, a começar pela religião e a acabar pelas velhas rivalidades desde o tempo do império Otomano, ainda que Atatürk tenha feito tudo para europeizar os turcos, acabou por ser efémera, uma Istambul subalternizada a Ancara.

Jürgen Habermas procurou definir a identidade europeia em termos de um conjunto de princípios abstratos que designou de patriotismo constitucional, alicerçado em valores de liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos e pela lei. Muito bem! Mas foi largamente criticado. Habermas passado algum tempo, mudou um pouco a sua posição. Uma das chaves para criar uma identidade europeia mais integrada de futuro seria por mais educação de um outro nível. Faltava saber que nível era esse.

A presente situação mundial é de facto inédita. Vivemos num mundo integrado e completamente interligado. A atual interrupção das viagens, por causa da pandemia da Covid-19 provocou uma tal disrupção no sistema mundial que ninguém é capaz de avaliar. E apesar de a tecnologia estar a minimizar mais graves consequências, representa uma gota no oceano da globalização. Mesmo na economia norte-americana, apesar de se apoiar na sua indústria doméstica e no seu mercado potencialmente gigantesco. Mas a sua política actual é de tal modo demencial que é difícil entender qual é realmente o rumo. Uma frivolidade que já vinha de trás com o exemplo da guerra no Iraque. Isso foi tão mau que até viraram do avesso os seus interesses, ao virá-los agora exclusivamente para dentro.

Bons vizinhos são tão vizinhos como os maus vizinhos são. Mas que princípios de exclusão deveria a UE aplicar? Daí a atual estupefação de muita gente ao ver a Europa ser mais criticada do que elogiada. A União Europeia é a experiência mais original e bem-sucedida de todas as experiências políticas alguma vez tentadas. As suas inovações económicas permitiram uma maior contribuição para a melhoria de vida de milhões de pessoas. Ainda que o seu crescimento económico tenha ficado abaixo das expectativas. Portanto o que parece incomodar algumas pessoas não é o seu insucesso, mas o contrário. Muitas das influências malignas que haviam tido o seu clímax no meio do século XX, foram eliminadas pela positiva: Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Portanto, se a UE fosse eliminada da noite para o dia, as identidades nacionais e culturais, ficariam mais em perigo e não o contrário. Por isso, não se compreende como o Reino Unido caiu na aventura de sair da UE.

Sem comentários:

Enviar um comentário