quarta-feira, 1 de julho de 2020

Os excomungados entre aspas


A excomunhão é um ato institucional de censura religiosa usado para terminar ou pelo menos regular a comunhão de um membro de uma congregação com outros membros da instituição religiosa que estão em comunhão normal entre si. O objetivo do ato institucional é privar, suspender ou limitar a participação numa comunidade religiosa ou restringir certos direitos dentro dela, em particular o de estar em comunhão com outros membros da congregação e de receber os sacramentos. Esta é a definição canónica, mas havia um uso apócrifo por parte das avós quando os netos se portavam mal. Outra coisa mais séria é a de persona non grata, ou a condição de pária, ou de votado ao ostracismo.



Estávamos em finais dos anos 1960. Os eléctricos já não sulcavam os trilhos, embora ainda lá estivessem. O transporte público que estava a dar na cidade era o trólei. E na Arcada ainda havia vendedores ambulantes de gravatas. O vendedor de gravatas era o mais discreto, com as gravatas penduradas num pau suspenso do pescoço por uma correia. Gravatas de seda vindas da China. O engraxador era mais divertido, ora assobiava, ora mandava umas bocas.

Na encruzilhada da Avenida Central que bifurca para a rua dos Chãos e dos Capelistas, mesmo em frente ao café Astória, havia um sinaleiro no poleiro. Havia quem chamasse o sinaleiro por “cabeça de giz” por causa daquele capacete branco muito sui generis. Ao fim da tarde, quando a malta, fazendo horas para o jantar, encostava-se aos arcos de pedra para ver as minissaias. Havia um mini conduzido por uma senhora de minissaia, que andava sempre por ali às voltas. Se estivesse de serviço um certo polícia sinaleiro, o mini parava à frente dele, e a malta ia a correr ver as pernas da senhora. E a senhora devia gostar de mostrar as pernas à malta, porque estava sempre a passar por ali várias vezes na mesma tarde. É claro que, depois de o trólei parado junto ao Hotel Francfort arrancar e passar, aquela fila junto à Arcada tinha de avançar, porque os de trás começavam a apitar. 



Àquela hora o ardina também fazia uma perninha, apregoando “É Record!” O ardina é um vendedor de jornais de rua, que apregoando a notícia chama a atenção do potencial cliente. Figura muito retratada por artistas e muito popular pela sua exposição pública, a sua origem perde-se nos tempos e remete à "notícia" que corria de boca em boca. O ardina difere do atual distribuidor de jornais gratuitos. O cauteleiro já era mais previsível com o pregão do “Ora ver a lista, cá está a lista… é sorte grande!!!” 

No verão, na esquina da Arcada que dá para a Torre de Menagem, costumava parar ali o sorveteiro, com um carrinho de três rodas, feito de madeira, com a frente na forma da proa de um barco a remos: “É bom gelado! Olha a língua da sóoo’gra”. Mas, no outono e inverno, já não tenho bem a certeza, nesse sítio costumava estar a vendedora de castanhas assadas no púcaro: “Olha a boa castanha assada quentinha . . . quentes e boas!” 


Persona non grata
é uma pessoa estrangeira expulsa de um país pelo seu governo, geralmente da esfera diplomática. É a forma mais séria de censura que um país pode aplicar a diplomatas estrangeiros, que de outra forma são protegidos de processos pela imunidade diplomática. Uma pessoa pode ser declarada persona non grata antes mesmo de entrar no país. Pessoas que não sejam diplomatas podem ser declaradas como persona non grata por um país. No uso não diplomático, referir-se a alguém como persona non grata é dizer que a pessoa não é popular ou aceite por outros.

Morte civil é a perda de todos ou quase todos os direitos civis por uma pessoa devido a uma condenação por crime ou por um ato do governo de um país que resulta na perda de direitos civis. Na Europa medieval, os criminosos perdiam todos os direitos civis por condenação. Essa morte civil muitas vezes levava à morte real, já que qualquer um podia matar e ferir um criminoso impunemente. Declarar uma pessoa como um fora da lei, era uma forma comum de morte civil. Morte social é parecido, mas atinge pessoas não aceites como totalmente humanas pela sociedade em geral. Era o caso dos doentes mentais que tanto grão forneceram ao moinho epistemológico de Michel Foucault.

Um pária é alguém que é rejeitado ou expulso de uma sociedade, ou até de uma família. 
No discurso comum em inglês, um excluído pode ser alguém que não se encaixa na sociedade normal, o que pode contribuir para o seu isolamento. Na Grécia Antiga, os atenienses tinham um procedimento conhecido como ostracismo. Todos os cidadãos podiam escrever o nome de uma pessoa num pedaço de cerâmica quebrada - ostraka e colocá-lo num grande recipiente num local público. Se o nome de um indivíduo fosse escrito um número considerável de vezes, era ostracizado. Banido da cidade por dez anos. Isso normalmente era praticado contra indivíduos que se comportassem de alguma maneira que ofendesse a comunidade. Sócrates podia ter utilizado esta figura jurídica, mas não quis. Preferiu morrer. Ismael, no Antigo Testamento, foi expulso após o nascimento de Isaac. Ismael é um pária: "E ele será um homem selvagem; sua mão estará contra todo o homem, e a mão de todo homem contra ele".

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