quinta-feira, 9 de julho de 2020

O Problema da Certeza no Último Wittgenstein



Esta obra é entendida por alguns analistas como uma terceira fase da filosofia de Wittgenstein [1889-1951], em que o filósofo reflete sobre o sentido da dúvida cética e o estatuto das certezas básicas. Da Certeza de Wittgenstein, publicado em 1969, muitos anos depois da sua morte, apresenta o conceito de regras, uma mudança significativa no pensamento do filósofo em relação às Investigações Filosóficas, ainda que estas também tenham sido publicadas postumamente, em 1953.

Se, entre o Tractatus Logico-Philosophicus (1921) e as Investigações Filosóficas (1953) redefiniu a natureza da gramática; entre as Investigações Filosóficas e Da Certeza (1969), Wittgenstein redefiniu a extensão da gramática. Com a redefinição da natureza da gramática, o filósofo propôs os jogos de linguagem. Como todo o jogo, ela também está subordinada a regras. Essas regras, estando abertas à inspeção, conferindo-lhe arbitrariedade, não têm contas a prestar à realidade. Assim, nada mais fazem do que determinar o significado e, por esse motivo, não responde perante o significado.

Já com a redefinição da extensão da gramática, o que parece ser contingente, as proposições empíricas podem apresentar um estatuto lógico, e, por isso, também podem pertencer à gramática. Como todo jogo de linguagem, que apresenta proposições empíricas ou factos contingentes, precisa de ser encerrado ou transformado num novo jogo, o jogador precisa de recorrer à ideia de Weltbild (uma certa conceção de mundo, ou uma certa mundividência) para reestruturar as regras do novo jogo. Este trabalho propõe que, com a noção de Weltbild, é possível separar o que é empírico do que é apenas aparentemente empírico, assim, também é possível estabelecer regras para que o jogo de linguagem aconteça.

Portanto, Wittgenstein defende o caráter especial das proposições da linguagem que expressam as certezas básicas. Tais certezas estariam fora do âmbito da dúvida e funcionariam como condição de possibilidade de qualquer jogo de linguagem. Nesta perspetiva, Wittgenstein aborda os usos comuns dos termos da linguagem, colocando em causa o próprio sentido da discussão sobre a existência do mundo exterior.

Wittgenstein, nas Investigações Filosóficas havia defendido que a ideia de uma linguagem privada é incoerente, pois a linguagem é antes de tudo uma prática pública, e as suas regras e convenções devem estar à disposição de qualquer falante. Se um indivíduo tentasse elaborar uma linguagem privada – suponhamos que ele tentasse, por exemplo, associar sinais a ocorrências mentais privadas, às quais ninguém mais teria acesso – esse conjunto de sinais, de acordo com as Investigações, não chegaria a constituir uma linguagem propriamente dita. O que diferencia um sinal linguístico de um mero ruído ou de um simples rabisco é a sua sujeição a um padrão de correção. Mas não podemos construir padrões de correção para sinais associados a 'objetos' a que, supostamente, só o falante de uma linguagem privada teria acesso. 

Um termo assume significado à medida que encontra um lugar numa determinada prática e o seu emprego passa a ser controlado por regras públicas de correção. O jogo do qual faz parte está inserido na realidade prática e social da comunidade dos falantes. Segundo Wittgenstein, os problemas filosóficos surgiram quando a linguagem foi para férias, ou seja, quando a linguagem foi artificialmente separada do seu ambiente próprio e dos seus falantes. Mas a linguagem está incorporada (metida no corpo, metida na carne), e faz parte da nossa forma de vida. A linguagem, tal como apresentada nas Investigações, deixa de ser um mero veículo de mensagens ou informações, para se converter numa actividade profundamente enraizada no contexto social e nas necessidades e aspirações humanas.

Sem comentários:

Enviar um comentário