quarta-feira, 8 de julho de 2020

O momento da certeza das incertezas


Em período de pandemia, os especialistas da saúde são chamados a esclarecer o público sobre o que sabem. Mas o que sabem é ainda muito pouco, porque estão a lidar com o desconhecido. Num tempo em que a informação é rainha, os órgãos de informação chamam aos seus estúdios, ou contactam-nos por videochamada, cientistas para responder a perguntas em direto sobre a pandemia. E o que as perguntas que lhes são formuladas sugerem, o que se depreende, é que os especialistas tenham certezas acerca do que as pessoas querem saber de uma forma desordenada e aleatória. E das duas uma: ou os especialistas dizem que são mesmo especialistas, e ser especialista quer dizer que sabem tudo só de uma coisa, e nada de tudo, e lamentam respondendo que a pergunta é acerca de uma coisa que não faz parte da sua especialidade; ou então querem ser simpáticos e agradar, e metem os pés pelas mãos, dizendo, por exemplo, acerca do vírus, que não é nos pés que está o vírus, é nas mãos; não é nas mãos que está o vírus, é nos pés; e por aí fora. 

A comunicação é agora uma necessidade que não conhece limites. Pedem-se números, previsões, opiniões de virologistas, epidemiologistas e médicos. Ouvem-se algumas perguntas que extravasam o conhecimento científico, mas que muitas vezes são respondidas na qualidade de cidadãos com opiniões. Nem todos os convidados reagem do mesmo modo, mas a falta de contraponto faz a ciência parecer detentora de verdades absolutas, mesmo quando o conhecimento científico é ainda muito incompleto e não consolidado. É natural que os especialistas manifestem algumas concordâncias, mas que também tenham opiniões diferentes.

Muitas das pseudoverdades, ou pseudocertezas, que vêm-a-lume nas notícias, até podem estar corrompidas por interesses comerciais, ou por interesses pessoais dos próprios cientistas por razões de currículo ou de notoriedade. Publicam apressadamente os seus trabalhos por vezes sem revisão dos pares, mas que perturbam o rigor científico das informações. Mas, quem numa primeira instância paga as favas é a OMS ou a DGS, que ainda por cima tem de enfrentar os líderes do povo, e o povo, com o seu wishful thinking (expressão idiomática inglesa, às vezes traduzida para português como pensamento ilusório ou pensamento desejoso, que significa tomar os desejos por realidade; e tomar decisões ou seguir raciocínios baseados nesses desejos). As barreiras contra desejos ocultos são penosas, e é inevitável que andemos constantemente a acreditar em informações contraditórias. E isso, parafraseando o título do último livro de Bernard-Henri Lévy: "é um tipo de informação sobre um vírus que nos enlouquece".


Bernard-Henri Lévy contesta os que querem aproveitar o coronavírus para arrasar o que a civilização ocidental tem de melhor. Contra os que pretendem ver no vírus uma mensagem, contra o alarmismo do apocalipse, contra os obcecados pelo decrescimento e contra outros defensores da penitência, Lévy contesta a ideia de que no recomeço, após a pandemia, "nada deve ser como antes". Pelo contrário, contra um mundo refém do medo, temos de voltar à confiança do aperto de mão, dos abraços e das viagens. Neste livro, o filósofo denuncia a tentativa visível de utilização da pandemia pelos usurários da morte e pelos tiranos da obediência, cujo objectivo é estrangularem a liberdade dos cidadãos a coberto da urgência sanitária e do delírio higienista. Estamos perante o que chama «O Primeiro Medo Mundial» e um vento de loucura assola o planeta: este livro recorre ao pensamento, à história e à filosofia para nos ajudar a encarar com racionalidade uma pandemia que não é a primeira, nem foi a mais mortífera que a humanidade até hoje conheceu. Um livro em defesa da vida em toda a sua plenitude, convivial, amorosa, política. Um livro em defesa das portas da liberdade que são aeroportos, viagens, cosmopolitismo e comércio.

Discussão e competição, confronto com factos, validação, aplicação e consolidação, aceitação, divulgação e ensino. Este processo leva muito tempo e ocorre discretamente em instituições científicas, fora da comunicação social.

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