quarta-feira, 15 de julho de 2020

As epidemias de Peste



Há dias, foi noticiado que na China foram encerrados alguns locais turísticos após terem sido detetados casos de peste, uma infeção causada por uma bactéria – Yersinia pestis, que é transmitida por uma pulga que salta, sobretudo, de ratos selvagens para o homem. É a mesma doença, muito falada, que causou três grandes pandemias na história da humanidade. Apesar dos antibióticos, bem como da melhoria das condições de higiene e do controlo dos ratos nas cidades, a peste ainda persiste nalgumas partes do mundo. E talvez só não mate mais porque os seres humanos evoluíram tornando-se menos susceptíveis à bactéria ou porque as alterações do clima dificultaram a sobrevivência da bactéria na natureza. Mesmo assim, por ano, a peste continua a matar cerca de 2000 pessoas em todo o mundo. Madagáscar, onde reapareceu em 1991, é agora o país com mais casos anualmente. Num surto em dezembro de 2013, morreram 20 pessoas. No ano anterior, Madagáscar relatou um total de 256 casos e 60 mortes, tornando-se o país mais atingido pela peste. Más condições higiénicas e um fraco acesso a cuidados de saúde têm contribuído para a doença. 

Embora haja vacinas em desenvolvimento, na maior parte dos países ainda não estão disponíveis no mercado. A prevenção consiste em evitar o contacto com roedores, pessoas ou gatos infetados. É recomendado que as pessoas infetadas sejam colocadas em isolamento. O tratamento é feito com antibióticos. Quando não é tratada, a peste pneumónica é quase sempre fatal. Alguns estudos levantam a hipótese de ter sido a forma pneumónica a da pandemia de Peste Negra, no século XIV. Entre 1347 e 1351, mais de 100 milhões de pessoas morreram desta doença. A Europa demoraria 150 anos a recuperar da catástrofe. Veio da Ásia para Itália em 1346 e continuou durante quatro séculos a infectar a população europeia. Em 1331, aquando de uma guerra civil na China, a peste eclodiu, tendo devastado a região. Depois espalhou-se, seguindo para oeste, pela Rússia, chegando à Crimeia em 1346. Através de vias marítimas e terrestres alcançou territórios que circundavam o Mediterrâneo e posteriormente o resto da Europa. 

A peste era transportada por exércitos e navios, mercadores e viajantes. Os ratos e as pulgas viajavam em carregamentos de grão, pólvora, roupas e peles de animais. As rotas de peregrinação, comércio e feiras eram os percursos naturais da doença. E assim se disseminou a pandemia conhecida por Peste Negra. A mortalidade foi tão elevada que os corpos eram abandonados nas ruas ou amontoados uns em cima dos outros e queimados, porque não havia capacidade de gerir os números elevados de enterramentos. Na época, os tratamentos passavam por intervenção cirúrgica, como reduzir o volume de sangue ou abrir e cauterizar as tumefações ganglionares, purificação do ar através de fogo e incenso, banhos e remédios naturais. Os médicos que visitavam os doentes eram acompanhados por rapazes que carregavam incenso para purificar o ar e mantinham uma esponja embebida em vinagre e especiarias no nariz. 



Ao analisar a história da Peste surge frequentemente um problema, isto é, nos registos históricos, encontram-se várias descrições de epidemias que são atribuídas à peste, como é o exemplo da Peste dos Filisteus (1320 a.C.) No entanto, as descrições desses surtos não mencionam sintomas específicos da peste bubónica, onde várias doenças infeciosas podem encaixar como a varíola, sarampo e febre tifoide, entre outras. Assim, a primeira pandemia em que se identifica claramente descrições da forma bubónica da peste surgiu no século VI d.C. Há uma evolução da bactéria, que no início era a Yercínia pseudotuberculosis, apenas capaz de infectar os pulmões das suas vítimas, provocando pneumonias fulminantes, altamente contagiosas e letais. Mas foi só numa segunda fase que a Yercínia passou a apresentar a forma bubónica, a que corresponde à sua primeira manifestação em 541 d.C. 

Em 541 d.C., na cidade portuária egípcia de Pelusium, eclodiu um surto de peste que rapidamente se alastrou por todo o império Bizantino, sendo que nenhuma das terras que rodeavam o Mediterrâneo escaparam ao seu alcance. Em 544 tinha chegado tão longe quanto as ilhas Britânicas. E sabe-se isso pelos estudos genéticos da Yersinia pestis. Portanto, a primeira pandemia historicamente documentada de Peste foi a chamada “Praga de Justiniano”. Entre os anos de 541 e 750, a doença matou mais de metade da população europeia. A outra grande pandemia de peste, que ficou para a História como Peste Negra, é a chamada segunda pandemia de Peste.

A forma pneumónica, a mais letal, é uma infeção pulmonar grave, cujos sintomas mais comuns são febre, dores de cabeça, tosse, do no peito e falta de ar. Os sintomas começam a manifestar-se geralmente de três a sete dias após exposição à bactéria. A forma pneumónica pode ocorrer a seguir a uma infeção na forma bubónica ou septicémica. Pode também ser o resultado da inspiração de gotículas do trato respiratório de outra pessoa, ou de um gato infetado.

A forma bubónica, a mais frequente, após a picada, os sintomas podem ser variados e normalmente aparecem após um período de incubação de 1 a 7 dias. Inicialmente surgem lesões cutâneas junto à zona onde ocorreu a picada da pulga, acompanhado por uma dor acentuada e constante. Nos estágios seguintes, em um ou dois dias, ocorre uma infeção nos gânglios linfáticos de drenagem da zona infetada, aparcendo na axila, na virilha ou no pescoço. Os bubões, são os gânglios inflamados, tensos e dolorosos tomando a forma de abcesso. Enquanto isso, as pessoas infetadas desenvolvem febre alta, dor de cabeça, calafrios, dores generalizadas no corpo e fraqueza, vómitos e náuseas e, nalguns casos, delírio, confusão mental ou incoordenação motora. Nos estágios avançados da infeção, os gânglios linfáticos inflamados podem transformar-se em feridas abertas a supurar. 

Se as bactérias atingirem a corrente sanguínea, então é a forma septicémica que predomina no quadro clínico. A forma septicémica, tal como outras formas de septicemia gram-negativa, a peste septicémica pode causar coagulação intravascular disseminada, que é sempre fatal quando não tratada numa unidade de cuidados intensivos. Contudo, apenas ocorre numa minoria das infeções causadas por Yersinia. É, de facto, a mais rara das três variedades da patologia em causa. 


“(…) Ricardo Jorge, no dia 4 de Julho de 1899, recebe um bilhete de um negociante da Rua de São João, chamando a sua atenção para uns óbitos que tinham ocorrido na Rua da Fonte Taurina. Inteirado do caso, e suspeitando da gravidade da moléstia, dá imediato conhecimento às autoridades competentes das suas inquietações e toma medidas para impedir a propagação da doença”. 

Era a Peste de 1889, tendo sido o Porto a primeira cidade Europeia a ser atingida, e a mais afectada, com 320 casos assinalados e 132 mortes. Chegava a
 Portugal a terceira pandemia de Peste 44 anos depois de ter aparecido na China. Começou por surgir em 1855 na província chinesa de Yunnan e disseminou-se pelo planeta a partir de Hong Kong (considerou-se activa até meados do século XX). Segundo o trabalho agora publicado, é provável que as estirpes desta última pandemia tenham descendido da estirpe medieval da Peste Negra. 

O médico Ricardo Jorge, membro da comissão técnica de saneamento da cidade do Porto, diagnosticou essa chegada ao país. O primeiro óbito, um cidadão espanhol, tinha ocorrido cerca de um mês antes do tal bilhete do negociante da rua de São João. Depois desse caso e até finais de setembro, foram diagnosticados mais 88 casos. Rapidamente, a notícia faz eco pelo mundo fora. As missões dos peritos estrangeiros confirmavam no local, total e integralmente, tudo o que fora diagnosticado e prognosticado por Ricardo Jorge. Identificaram-se focos nos Açores, mas de baixa expressão. A presença da Peste Bubónica no Porto levou a que Ricardo Jorge pedisse um cordão sanitário, a que o governo foi pronto a responder, assegurando-o com as forças militares.

Essa decisão do governo em Lisboa, não foi bem recebida e deu origem a várias contestações, porque iria prejudicar as actividades económicas. E com isso o aumento do desemprego e o agravamento da pobreza. Esta epidemia trouxe ao de cima as más condições de vida dos moradores das partes da cidade com bairros degradadas e com casas sombrias e mal ventiladas, o que propiciava a disseminação da doença. 

Esta pandemia, a designada terceira Pandemia da Peste, ocupa um lugar importante na história mundial por várias razões. Primeiro, tinha havido no século XIX grandes avanços no entendimento da doença, assim como dos seus mecanismos de transmissão. Alexandre J. E. Yersin e Shibamiro Kitasato descobriram a bactéria causadora da peste, a Yersínia pestis. Segundoem 1886, Ogata descobriu que esta se transmitia através da picada de pulgas parasitas de ratos. Uns anos mais tarde, Simond descobriu que a doença passava dos cadáveres de ratos para ratos saudáveis através da pulga. Esta pandemia permitiu também um abrir de olhos para as desigualdades socioeconómicas relativamente à saúde pública. 

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