quarta-feira, 29 de julho de 2020

Um diálogo sobre a morte


Álvaro Siza Vieira está ao balcão do Bar da Eternidade. Eduardo Lourenço chega e Álvaro Siza fica encantado com a visita.


Olá Eduardo! Vou-lhe fazer uma pergunta impertinente: o que ficará de nós, homens e mulheres, se é que alguma coisa fica, quando partimos ... em férias?




Quem dera que a resposta à sua pergunta fosse essa, tão lírica e tão futurante como partir em férias. A nossa própria morte é-nos tão hostil que nós nem em sonhos morremos. Agora, a morte verdadeira é do outro. A do outro que existiu para nós. Que foi tudo para nós, que foi o absoluto para nós. E essa é que é a morte real. As outras mortes são ilusórias, mesmo a nossa, sobretudo a nossa.


Nós não sabemos nada sobre o nascimento, sobre a vida, também não podemos saber nada sobre a morte. Para mim a única coisa em que penso às vezes é que há uma continuidade de vida, e quando um de nós morre há filhos, netos, música para os músicos, arte, escrita, literatura ... Não desaparecemos completamente. O mundo continua. A História, no fundo, tem esse papel de sugerir ou de fazer real uma continuidade. Agora a morte não.


O problema é que nós, inconscientemente ou conscientemente, escrevemos como se fossemos eternos. Sem essa ilusão de eternidade como coisa nossa, nós não escreveríamos nada de realmente grandioso. O que os homens querem é que aquilo se transfigure numa espécie de estátua, que se pode tocar, viver e permanecer através dos séculos. Tenho a sorte de ter à minha frente um verdadeiro criador. Ainda por cima a obra dele é das obras que estão aqui por muitos séculos.


Eu faço os meus projetos com a ideia de que ... Essa ideia de que é para ficar. Mas pensando francamente, não é bem assim. Também a construção, muitas vezes, é não durável. É vulnerável ...


Hiroxima existia e foi destruída em nove segundos. É como se fossem feridas que a humanidade faz a si mesmo, não é? E essas sem reparação. Porque foram destruídas e não podem ser reconstruídas de nenhuma maneira. Aquilo que de mais belo há na humanidade é que nós somos submersos às mesmas forças que regem realmente o mundo. Porque é que nós escaparíamos, quando tudo o que foi criado está condenado a desaparecer?


E se não fosse assim talvez se tornasse insuportável.

Ouve-se uma voz feminina vinda do Além, chamando: Eduardo ... Eduardo ...



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