quarta-feira, 1 de julho de 2020

E se um homo sapiens sapiens ciborgue em Marte . . .


Existem vários exemplos do uso do termo ciborgue na ficção científica. É aquela cena cinematográfica do primeiro homem pousar em Marte e ver aproximar-se dele um objeto com seis pernas e duas objetivas numa das extremidades com lentes grande angular e tele a fazer zoom, e ele a pensar que afinal há vida noutros lugares sem ser a Terra.

Mesmo que seja um objeto secundário, isto é, fabricado por outro objeto, e assim sucessivamente, na fonte de produção tem de estar algo com vida, é assim que pensará o astronauta homo sapiens sapiens ciborgue. É claro que a seguir vem o biólogo perguntar o que é que o astronauta sapiens sapiens ciborgue entende por vida. Parece fazer sentido, porque a maioria dos homo sapiens sapiens, se nenhum biólogo lhes disser que umas manchas no granito com muitos anos são líquenes, e que isso é algo com vida, ninguém diria que sim. E se calhar o homo sapiens comum iria continuar a viver bem sem querer saber que os líquenes nas pedras são seres vivos.

Mas, e se o astronauta daquela cena, em vez de ver um objeto com pernas e lentes em Marte, vir pedras com manchas do mesmo género que os líquenes das pedras na Terra, irá pensar que aí está mais uma forma de vida? Ainda que não haja um líquido igual ao da Terra, a que o sapiens chama água, porque não é H2O, mas é outra coisa qualquer, será que isso é critério para dizer que aquilo não tem vida?

A partir daqui não precisamos de mais paleio para perceber que afinal o conceito de vida não é assim tão simples. É que mesmo hoje na Terra, há coisas que têm algumas das propriedades que os biólogos inscrevem nos critérios de vida, mas que não têm vida. É o caso dos vírus … como o SARS-Cov-2, para já.

Um ciborgue é um organismo dotado de partes orgânicas e cibernéticas, geralmente com a finalidade de melhorar as capacidades do organismo vivo utilizando tecnologia. O termo deriva do inglês, da junção cyber(netics) organism, ou seja, "organismo cibernético". Os ciborgues típicos das obras de ficção científica, apresentam-se como uma síntese de partes orgânicas e artificiais e, geralmente, servem de mote para comparações entre o ser humano e a máquina, para se extrair daí a moral, a vontade própria ou a felicidade. 

Os ciborgues já romperam a barreira da ficção científica, para passar a fazer parte da nossa realidade diária, à semelhança de outros exemplos que há muito passaram da ficção para a realidade. Assim, hoje em dia, um ciborgueé toda a pessoa que tem uma existência híbrida - a sua parte orgânica complementada ou suplementada por uma parte mecânica ou digital. É o hibridismo entre o ser humano e a máquina, a incorporação das tecnologias em seus modos de existência. As inúmeras possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais potencializam a ação do ser humano sobre seu dia-a-dia. É necessário compreender que as práticas do ciborgue não ocorrem em outra dimensão da vida, em uma espécie de “universo paralelo”, mas constituem o nosso modo de vida. Os atos praticados nos ciberespaços nos afetam e nos compõem em todas as nossas ações. As barreiras entre o real e virtual não existem. Mais amplamente, o termo "organismo cibernético" é usado para descrever redes de comunicação e controlo. É o caso das cidades que conjugam a rede digital informática com as redes físicas - que vão desde o tráfego da circulação urbana, até à segurança, saúde, proteção civil, etc. 

Dentro do âmbito militar costuma aparecer o termo "soldado ciborgue", para designar um soldado equipado com um sofisticado sistema de sobrevivência integrado no seu corpo. Organizações militares têm recentemente focado a sua atenção na utilização de animais ciborgues para executar operações táticas, como por exemplo insetos transmitindo informação através de sensores implantados. O movimento do inseto seria controlado por um sistema micro-eletro-mecânico, tendo como objetivo detectar exposivos, ou certos tipos de gás.

Na Medicina, há dois importantes e diferentes tipos de ciborgues: de restauração e de realce
As tecnologias restauração têm como finalidade recuperar órgãos e membros que perderam ou tiveram as suas funções comprometidas. O aspecto chave deste restauro fisiológico é a reabilitação, embora possa não conseguir restabelecer totalmente as faculdades originais que foram perdidas. Por exemplo, uma pessoa que tenha implantado um pacemaker pode ser considerado um ciborgue, visto que seria incapaz de sobreviver sem esse dispositivo. E a partir daqui não faltariam exemplos tão difundidos como as lentes de contacto, implantes cocleares, próteses de todos os géneros, etc. Bem, mas não exageremos, chamando a uma pessoa com óculos, que no meu tempo de liceu chamávamos caixa de óculos, um ciborgue. Ao passo que as tecnologias de realce seguem um princípio, que é o princípio do desempenho excelente: maximizando a "saída" e minimizando a "entrada" (a energia necessária para o processo). Assim, o ciborgue realçado pretende exceder processos normais ou até mesmo ganhar novas funções. 

O desenvolvimento contínuo da biónica e das nanotecnologias levanta questões quanto às possibilidades futuras dos ciborgues. As suas contribuições e usos poderão superar o "modelo biológico", ou seja, o corpo humano propriamente dito. A questão ética tem sido muito debatida; os defensores das novas tecnologias costumam usar como argumento o facto de que estas tecnologias podem ajudar o ser humano a ter uma qualidade de vida melhor, limitando os impactos do envelhecimento e de doenças, optimizando a força, a resistência e a inteligência. Hoje já se apoiam doentes, por exemplo, com Esclerose Lateral Amiotrófica, em que o caso de Stephen Hawking é mais conhecido, usando a interface cérebro-computador e a inteligência artificial ao ponto de estes doentes poderem comunicar apenas com os movimentos dos olhos em interação com a tela do computador, fornecendo uma comunicação direta entre o cérebro do paciente e a pessoa que está do outro lado através de uma vídeo-chamada. Por outro lado, a implantação de elétrodos diretamente na massa cerebral tem permitido a comunicação com pessoas sofrendo da síndrome do encarceramento, que felizmente é uma situação rara, onde os movimentos do corpo inteiro estão paralisados, com exceção dos olhos, mantidas perfeitas as faculdades mentais. 

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