segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Atletas Transgénero


O presidente Joe Biden assinou uma série de ações executivas no primeiro dia no cargo, entre as quais uma ordem de combate à discriminação contra pessoas LGBT+. Donald Trump havia proibido pessoas transexuais de se alistarem nas forças armadas, enfatizando a importância do "sexo biológico" em vez da identidade de género. As pessoas que se identificam como não-binárias - nem masculinas nem femininas - agora podem selecionar o título neutro de género "Mx" na página de contacto do site da Casa Branca. "As crianças devem ser capazes de aprender sem se preocupar se terão acesso negado aos balneários escolares", diz a ordem de Biden. "Os adultos devem ser capazes de ganhar a vida e buscar uma vocação sabendo que não serão demitidos, rebaixados ou maltratados por causa da forma como se vestem, nem se conformando com estereótipos baseados no sexo." Biden publicou uma longa lista de candidatos LGBT+ durante a campanha presidencial e disse que queria assinar nos seus primeiros 100 dias a Lei da Igualdade, que proibiria explicitamente a discriminação contra pessoas LGBT+.
Hannah Mouncey é uma atleta “Mulher Trans”, atleta de andebol australiana transexual, que anteriormente jogava pela equipa de andebol masculina com o nome de Callum Mouncey. Callum estreou-se na equipa de andebol com 23 anos, tinha 1,90 metros e pesava 100 quilos. Sempre se mostrou um atleta talentoso. Já aos 24 anos, este jovem passou a chamar-se Hannah Mouncey, e assumiu-se como“Mulher Trans” ao iniciar o seu processo de mudança de género. Aos 30 anos de idade, Hannah passa então a fazer parte da equipa australiana de andebol feminino, até que estalou a polémica. A atleta esperava ser convocada para o Mundial de Andebol. Porém, tal desejo acabou por não se concretizar. Surpreendida pelo sucedido, acabou por descobrir que as colegas de equipa tinham vetado o seu nome. Razão? Não se sentiam à vontade com a sua presença no balneário. Diga-se que Hannah Mouncey mantém tal e qual a masculinidade corporal que tinha, e as colegas de equipa não se sentiam à vontade com a sua presença no balneário a exibir o seu pénis. 

Sarah, que nasceu num corpo de homem, chegou a sonhar em ser polícia, mas hoje prepara-se para ser a primeira mulher de Portugal a participar no concurso internacional de beleza de transexuais e promete lutar contra a discriminação. Sarah Inês Moreira, tinha 29 anos em 2016 quando decidiu participar na 4.ª edição do concurso Miss Trans Star Internacional, o equivalente ao concurso de Miss Mundo. O principal motivo para se candidatar a um concurso de beleza de transexuais do mundo inteiro era a oportunidade única de trazer a público a luta da comunidade transexual e dos seus direitos. Especialmente o direito ao trabalho a que aquela minoria se vê tantas vezes privada. Sarah Moreira é a primeira “Mulher Trans” portuguesa a conseguir mudar de nome e de género no Registo Civil. Aos dez anos de idade, Gil, era o seu nome, tomou consciência que a sua identificação psicológica era de menina. "Foi quando comecei a frequentar o ensino básico que senti aquele 'clique', porque eu não me identificava com o género masculino. Identificava-me sempre com o género feminino". Aos 16 anos tomou a iniciativa de tomar hormonas. A alteração do nome e do género no cartão de cidadão foi possível anos mais tarde, com a mudança da lei portuguesa, e depois de um acompanhamento psicológico por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica, envolvendo psicólogo, psiquiatra, endocrinologista e cirurgião plástico. Antes de ter o seu nome alterado no Cartão de Cidadão era complicado dirigir-se a uma repartição pública, mas hoje, depois de a lei ter sido alterada em 2011, "um alívio muito grande", confessa. O sonho de ser polícia talvez venha do facto de ter tido um padrasto polícia, a pessoa da família que mais rapidamente a aceitou como transexual. Hoje, argumenta que como está com quase 30 anos não se vê a regressar aos bancos da escola para estudar e ser polícia, mas uma certeza tem, a de conseguir adotar uma criança. Sarah é hoje uma mulher sofisticada, que se diz um ser humano igual a todos aos outros e que se imagina casada no futuro, talvez a brincar com os seus filhos. "Como qualquer mulher", assume.
Estudo demonstra que lei portuguesa é das que mais defende os direitos da comunidade LGBT+. A orientação sexual não deve ser motivo de discriminação, concedendo, por isso, proteção aos seus cidadãos homossexuais.

Estatisticamente, por cada 12.000 homens à nascença há um que se assume “Mulher Trans”, em que a sua identidade de género, o seu sentido psicológico não coincide com o sexo masculino que lhe foi atribuído à nascença. Por norma o sexo do registo civil em princípio tem de coincidir com os genitais. Das mulheres à nascença, a percentagem das que se assumem “Homens Trans” é quase semelhante. Estas pessoas são classificadas cientificamente como tendo uma disforia de género. Sendo assim, estas pessoas só se sentem bem se forem reconhecidas no género em que se sentem, e se não lhes forem vedados os acessos às atividades específicas desse género. Só para dar um exemplo: um Homem Trans, que é socialmente uma mulher, luta para que a deixem fazer parte de uma equipa de futebol masculina (o inverso do caso 
Hannah Mouncey), não se importando com os balneários. Portanto, pretende viver socialmente de acordo com o sexo contrário ao do nascimento, independentemente de se ter submetido a intervenções médicas, ou não.

É preciso que se diga que a disforia de género não obriga necessariamente a uma vinculação de cariz sexual. A sexualidade é um fenómeno à parte, sem matizes sexualizadas. As pessoas transexuais podem ser: heterossexuais, gays, lésbicas, bissexuais ou até assexuais (desprovidos de sexualidade, ou seja, sem qualquer tipo de atração sexual). Assim, no âmbito da problemática do Transgénero e da Transsexualidade, para efeitos de identificação as pessoas cisgénero são as outras pessoas que não são transgénero.
 

Desde 2011 que é consensual, ao nível das organizações internacionais, a designação "sexo" ser usada no âmbito biológico; e género  como a auto representação de uma pessoa como homem ou mulher, ou como essa pessoa é respondida por instituições sociais. Abraçou-se a distinção entre o sexo biológico e a construção social de género. Conceptualmente, antes de 2011 muitas instituições não faziam distinção entre sexo e género. Isto significa que qualquer tipo de relação entre homens e mulheres incluía sempre a ordem sexual. Mas, como já foi aflorado acima, o género está muito para lá da mera sexualidade, que em muitos casos nem sequer é tida nem achada. George Herbert Mead (1863-1931) já havia procurado mostrar, através do contraste com outras culturas, como cada um de nós pertence a um sexo e tem um temperamento que é compartilhado com outros de nosso sexo e do sexo oposto. Os temperamentos que reputamos naturais num sexo são meras variações do temperamento humano às quais os membros de um ou ambos os sexos podem ser, com maior ou menor sucesso, aproximados através da educação. Elementos de tais papéis incluem vestimenta, modo de falar, gestos, profissão e outros fatores que não são limitados pelo sexo biológico. Por se presumir que os aspetos sociais de género são normalmente os aspetos de interesse na sociologia e disciplinas relacionadas, papel de género é normalmente abreviado por género, sem que haja ambiguidade neste contexto.

As diferenças sociais entre homens e mulheres despertam o interesse sociológico porque estão intimamente relacionadas às desigualdades e às relações de poder numa sociedade. E a Sociologia clássica interpreta as desigualdades e diferenças entre os géneros ligadas às diferenças biológicas que são mais abrangentes: cromossomas, hormonas, tamanho cerebral, herança genética. São determinantes das diferenças comportamentais entre homens e mulheres. Ou seja, essas diferenças são verificadas em todas as sociedades, e que, por isso, os fatores naturais são responsáveis pelas desigualdades entre os géneros, negando, portanto, a importância dos processos de interação social na questão do comportamento humano. 

A diferença conceptual entre sexo e género foi estabelecida pelo psicólogo norte-americano Robert Stoller em 1968: sexo refere-se aos aspetos anatómicos, morfológicos e fisiológicos (genitália, gónadas, cromossomos sexuais, hormonas). Stoller estudou casos de meninos e meninas intersexo, ou que possuíam "genitais escondidos" e que foram educados de acordo com um género que não correspondia ao seu sexo biológico. Esses meninos e meninas, mesmo depois de saberem que suas genitálias externas eram atípicas ou sofreram alguma mutilação acidental, empenhavam-se em manter os padrões de comportamento de acordo com os quais haviam sido educados. 

A sociologia pós-moderna, para a distinguir da sociologia clássica, uma sociologia construtivista,  tentou abolir as dicotomias universais, pese embora até à data com resultados muito sofríveis, ou mesmo medíocres. Neste caso, os objetos de investigação sociológica são, em grande medida, definidos por urgências sociais. Questões sociais e problemas sociológicos caminham juntos. Assim, os problemas relacionados ao trabalho, à saúde, à política, à educação, à família, à religião, à violência, às ciências, à cultura, à identidade, ao corpo, às tecnologias produtivas e reprodutivas, e à sexualidade passaram a ser tratados com o ‘olhar de género’. E foi esse olhar que deu visibilidade às relações de dominação e poder que dividem o mundo social em géneros. Foi questionada uma ordem sexual tida como natural.

A segunda abordagem, a das sociologias pós-modernas, é guindada pela socialização de género que interpreta as desigualdades entre homens e mulheres como decorrente da socialização em papéis diferentes. Assim, no contato com organismos sociais (família, escola, igreja, etc.) é que as crianças aprendem a agir de acordo com as expectativas relacionadas ao seu sexo biológico, sem considerar, entretanto, que os indivíduos podem rejeitar ou modificar os papéis sociais de género. A sociologia contemporânea refere-se aos papéis de género masculino e feminino como masculinidades e feminilidades, respetivamente no plural ao invés do singular, enfatizando a diversidade tanto dentro das culturas como entre as mesmas.

Na década de 1980, a maioria dos escritos feministas passaram a concordar no uso de género apenas para aspetos socioculturais adaptados. Os estudos de género iniciaram-se na década de 1960, na Europa e nos Estados Unidos, em que outros grupos sociais, como os negros e homossexuais, também se organizavam para reivindicar o direito à diferença. Nesses movimentos, embora as mulheres militassem da mesma forma que os homens, o seu papel era considerado secundário, com os homens nas funções de comando dentro da militância, o que levou à problematização das questões de género nesse contexto. As características e comportamentos que reputamos como naturais de um género são construções sociais e culturais e que, portanto, não podem ser interpretadas como determinados por aspetos biológicos. A partir da década de 1990, passa-se aos estudos de género, que buscam explicar como as diferenças entre mulheres e homens são utilizadas para justificar, e até mesmo legitimar, desigualdades. Os estudos de género emergem na mesma época em que eclode a chamada segunda onda do feminismo, revelando o diálogo entre o feminismo e as teorias sociais, constituindo, também, base teórica e científica para a contestação das desigualdades sociais entre mulheres e homens. 

A filósofa Judith Butler analisa, de maneira crítica, a dicotomia entre sexo e género: para ela, os corpos sexuados podem ser base para uma variedade de géneros e que o género não se limita apenas às duas possibilidades usuais. Esse desdobramento do conceito de género foi dado nos anos 1990, através da teoria queer, que questiona a normatividade heterossexual e ressalta o "aspeto socialmente contingente e transformável dos corpos e da sexualidade". Para Butler o género é uma performance que se dá em qualquer corpo, "portanto desconectado da ideia de que a cada corpo corresponderia somente um género". Butler percebe o corpo da mesma forma que o género, como uma construção cultural, ressaltando o aspeto cultural/social da vinculação entre sexo e género. Com a proposição de género como performance, Butler também vai deitar por terra o peso metafísico da identidade de género. Para ela, não há identidades que precedam o exercício das normas de género, é a vivência que acaba por criar as normas. É a repetição das normas de género que o promove.

A questão é: o que determina alguém como masculino ou feminino? Na maioria dos casos isto é tido como trivial, mas a questão se complica para pessoas intersexo ou transgénero. Jurisdições diferentes têm adotado respostas diferentes para esta questão. Praticamente todos os países permitem mudança do estatuto legal de género nos casos de intersexualidade, quando o sexo designado no nascimento é considerado biologicamente incerto. E um reconhecimento de um estatuto que já existia, mas desconhecido no nascimento. Mas agora as jurisdições dão provimento a procedimentos para mudanças no sexo legal de pessoas transgénero. O sexo designado, quando há indicações de que a genitália sexual pode não ser decisiva em casos particulares é normalmente definida por uma série de condições, incluindo cromossomas e gónadas. Assim, por exemplo, em muitas jurisdições uma pessoa com cromossomos XY mas com ovários pode ser reconhecida como do género feminino no nascimento.

A possibilidade de alterar o sexo legal, para pessoas transgénero em particular, têm colocado a situação insólita de em algumas jurisdições da mesma pessoa ter sexos diferentes para diferentes áreas da lei. Por exemplo, na Austrália, pessoas transgénero poderiam ser reconhecidas como tendo o género que identificavam sob muitas áreas da lei, incluindo a previdência social, mas não para a lei do casamento. Assim, por um período, foi possível para a mesma pessoa ter dois sexos diferentes sob a lei australiana.
Também em sistemas federativos, como é o caso dos Estados Unidos, é possível que uma mesma pessoa tenha um sexo sob a lei estadual e outro sob a lei federal.  

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