terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

No século V a.C. era proibido morrer em Delos





A pequena ilha de Delos situa-se aproximadamente no centro de um grupo de ilhas do Mar Egeu que na Antiguidade era conhecido por Cíclades, que em grego significa círculo, porque estas ilhas formam um círculo à volta de Delos, santuário de Apolo na Antiguidade Clássica, sendo considerada mesmo o berço desse deus, bem como de Ártemis. Foi também a sede da Liga de Delos, que congregava os aliados de Atenas contra Esparta, e onde primeiramente esteve guardado o tesouro da Liga. É Património Mundial da Humanidade pela Unesco desde 1990. Entre 900 a.C. e 100 d.C., a ilha de Delos foi o mais importante santuário pan-helénico, o mais importante lugar sagrado jónico no século VII a.C. 


As Cíclades

Várias medidas foram tomadas para "purificar" a ilha e torná-la adequada à devida adoração dos deuses. No século VI a.C., o tirano Peisistratus, da cidade-estado de Atenas, ordenou que todos os túmulos à volta do templo da ilha fossem abertos e os corpos removidos para locais longe do perímetro à volta dele. No século V a.C., o Oráculo de Delfos deu instruções para que a ilha de Delos fosse limpa de cadáveres e proibido o nascimento e a morte de qualquer um.

Em finais do século XIX arqueólogos franceses começaram as escavações e colocaram a céu aberto um amplo espaço onde existiu uma cidade completa, elegante, rica e influente. As ruínas revelaram uma série de pequenos templos dóricos e jónicos, mercados, ginásios, um teatro, praças e imponentes residências. As casas exibiam salas circundadas por colunas de mármore e mosaicos que resistiram ao tempo.  

A lei de "proibição de morrer" é ao mesmo tempo um tabu e um fenómeno político e social. O da ilha de Delos é o caso conhecido mais antigo. Nessa altura a razão era religiosa. Outros casos conhecidos, muitos deles são por motivos sanitários. Mas o tabu também tem sido aproveitado para colorir as reivindicações populares quando está em causa a ineficiência burocrática dos governantes, seja em caso de petições para um cemitério novo, seja para alargamento do existente por já não haver espaço para enterrar mais ninguém. 
Há relatos de “proibição de morrer” em vários locais do mundo, ilustrado pelo mapa que se segue. 




Muitas das histórias que se contam são apócrifas ou mitos urbanos, como por exemplo no Reino Unido a história de ser proibido a um plebeu morrer num palácio real, como o Palácio de Westminster, sob a alegação de que qualquer um que morre num palácio real tem tecnicamente direito a um funeral com honras de Estado. Caso diferente é na Noruega, uma crença popular errónea de ser ilegal morrer na cidade de Longyearbyen. Simplesmente não há opções para sepultamento lá, e os residentes em estado terminal são levados para Oslo, e aí passar os seus últimos dias. O problema foi despertado em 1918, aquando da pandemia da gripe. O terreno, devido ao permafrost, é impróprio porque aí os corpos não se decompõem. E, na altura da Gripe Espanhola, havia o receio de os corpos não se libertarem de estirpes de vírus ativos por muito tempo. 

Em Espanha, a morte foi proibida na cidade andaluz de Lanjarón. A vila, com 4.000 habitantes, deve permanecer sob esta lei até que o governo compre terras para um novo cemitério. El alcalde que emitiu o edital explica que a nova lei embaraçosa é a sua resposta, instando o governo a encontrar uma solução rápida para um problema duradouro. O edital tornou-se extremamente popular entre os moradores, que reagiram com humor, mesmo entre os opositores políticos do alcalde que emitiu a lei. 

No Brasil um prefeito protocolou um projeto de lei pública em 2005, para tornar ilegal a morte das pessoas a viver na cidade. Embora nenhuma punição específica tenha sido apresentada, o prefeito pretende atingir parentes de pessoas que morrem com multas e até mesmo condenações de prisão, se necessário, para obter mais espaço para lápides. A principal razão parece prender-se com o facto de os habitantes da cidade serem descuidados com a sua saúde. 

Desde que o cemitério foi inaugurado, em 1910, mais de 50.000 pessoas foram enterradas em 3.500 criptas e túmulos. Em novembro de 2005, o cemitério foi declarado esgotado e 20 residentes recém-falecidos foram forçados a compartilhar uma cripta, e vários outros foram enterrados nos corredores de passagem. O prefeito justificou que 89% da cidade é atravessada por rios subterrâneos que fornecem água que é vital para quase dois milhões de pessoas que vivem em São Paulo. E que a área restante é área protegida de selva tropical. O governo estadual concordou em ajudar a construir um novo cemitério vertical. Mas ainda nada foi feito.  

Em três assentamentos no sul da França foi emitida a "proibição de morrer". O presidente da câmara de Le Lavandou proibiu a morte em 2000, depois do planeamento para um novo cemitério ter sido recusado devido a preocupações ambientais. "Uma lei absurda para combater uma situação absurda". Em 2007, Cugnaux também proibiu a morte, por razões semelhantes, mas foi posteriormente concedida permissão para ampliar o cemitério local; inspirado no sucesso da cidade, Sarpourenx seguiu-lhe o exemplo, em 2008.

A ilha de Itsukushima, no Japão, é considerada um local sagrado na crença xintoísta, e é o local do Santuário de Itsukushima, também Património Mundial da UNESCO. Os sacerdotes do santuário tentaram manter a ilha livre da poluição da morte. Imediatamente após a Batalha de Miyajima, em 1555, a única batalha que ocorreu na ilha, o comandante vitorioso mandou remover para o continente todos os corpos caídos, e ordenou que todo o campo de batalha fosse limpo do sangue derramado, ao ponto de os edifícios serem limpos, e o solo, onde o sangue foi derramado, removido da ilha. Manter a pureza do Santuário de Itsukushima é tão importante que, desde 1878, foi emitida uma lei semelhante à do Oráculo de Delfos em Delos: o Santuário 
limpo de cadáveres e proibido o nascimento e a morte de qualquer um. Até hoje, as gestantes, próximo do tempo de dar à luz, são deslocadas para a capital. Assim como idosos de muita idade e doentes em estado terminal. Na ilha de Itsukushima ainda são proibidos os enterros e funerais.

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