segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Dos sábios, e dos meandros da fé e da razão


Ninguém sabe onde está a sabedoria. Mas sabemos que ela só pode vir de uma coisa a que chamamos vida, esse mistério. E se há coisa que não tem lugar na sabedoria, mais do que a ignorância, é a ingenuidade. Sócrates fez questão de dizer, para memória futura, que era ignorante. Mas demonstrou não ser ingénuo quando preferiu partir bebendo cicuta, em vez de partir com escritos numa mala para um outro lugar. Harold Bloom escreveu todo um livro com esse título: "Onde está a sabedoria?" 




A sabedoria está na vida, e é o resultado de uma experiência de vida e de palavras. A Palavra, outro mistério, que não sabemos se nasce de dentro de nós, ou se nasce de fora de nós. Em linguagem filosófica, os filósofos dividem-se em internalistas e externalistas. Aliás, onde houver filósofos há sempre dois mundos em tudo, que são dois opostos simétricos. Um abismo de mundos invisíveis e silenciosos, a perceção da nossa insignificante pequenez no meio do Universo.

Harold Bloom, talvez o mais reconhecido crítico literário, apaixonou-se pela leitura assim que começou a andar, quando as suas irmãs lhe levavam os livros da biblioteca para casa. É pois natural que tenha tido o projeto de escrever um livro sobre a maneira como a leitura nos ajuda a viver e a compreender as nossas vidas. No entanto, quando ia a meio teve uma experiência que o levou à beira da morte. Após a convalescença, deitou fora as páginas que escrevera e, com um novo sentimento de urgência, escreveu esta obra, recorrendo a alguns dos maiores pensadores e escritores do mundo ocidental para melhor compreender e encontrar a sabedoria.

Em Onde Está a Sabedoria? Bloom, partindo da Bíblia, percorre a História até ao século XX, à procura de maneiras como a literatura pode influenciar as nossas vidas. A partir de comparações entre o Livro de Job e Eclesiastes, Platão e Homero, Cervantes e Shakespeare, Montaigne e Bacon, Johnson e Goethe, Emerson e Nietzsche, Freud e Proust, e finalmente, o Evangelho de Tomé e Santo Agostinho, Bloom apresenta-nos as várias (e por vezes contraditórias) formas de sabedoria que moldaram o nosso modo de pensar. Onde Está a Sabedoria? aprofunda o nosso entendimento e leva-nos a reler com uma paixão renovada as páginas dos escritores que mais contribuíram para o nosso sentido de quem somos.

Quando numa noite de verão e de céu limpo subimos ao Monte do Penedo, trepamos para o topo do penedo, e deitámo-nos na escuridão, de papo para o céu semeado de pontinhos luminosos. Não tardou entrarmos em diálogo com a luz das estrelas, fazendo perguntas incómodas. 
À volta do penedo há giestas que tivemos de atravessar, e no nosso corpo ficou agarrada a sua existência, o cheiro delas, os arranhões nas pernas e nos braços. A giesta é metáfora do mundo claro e limpo à nossa volta. 

É em momentos como aqueles que somos convocados pela sabedoria das perguntas. Descobrimos que há um Todo que se nos dá a conhecer, do qual nós fazemos parte de uma forma inextricável, sem saber qual a razão de tudo isto. É tempo perdido se convocamos a razão para nos esclarecer, porque tais interrogações são do domínio da experiência vivida. E a perceção da metáfora convida-nos a procurar a sabedoria no sentido das coisas, e não na razão. Depois de percebermos a metáfora dizemos: tudo isto faz, ou tem, sentido. E deixamos de procurar a razão de tudo isto. O sentido da realidade é conhecido nas coisas mais simples. E reservamos a razão para a complexidade, que é apenas nossa.

Esta é a mensagem do Universo que nos chega por aquilo que damos pelo nome de . A tal revelação divina que nem todos conseguem receber, e que costumam dizer: "Um dom pelo qual não fui tocado".
É através do tátil roçar da vida que tudo pode acontecer no escuro do poço: Estar aqui e não estar. Um trabalho de humildade contínuo na escuridão dos nossos dias, que nunca se sabe que podem ser inesperadamente rasgados pela claridade de uma estranha e inesperada luz.

A sabedoria não brota apenas de momentos de epifania, mas também da face penosa da existência humana: guerra e paz; migrações e luta pela sobrevivência; realizações técnicas e artísticas. Não podemos saber se é o Mal que vence o 
Bem, ou se é o Bem que vence o Mal. 


Hannah Arendt, judia, escapou por uma unha negra aos campos de extermínio nazi. Mas ousou questionar os fundamentos teológicos do sionismo. E não hesitou em denunciar a cumplicidade dos Conselhos Judaicos na tenebrosa tarefa do Holocausto. Doutorada em Filosofia, recusou-se separar o pensamento da ação. E professando tradicionais ideias de esquerda, não hesitou em equiparar o Totalitarismo comunista ao fascista. Ora, no que respeita às conceções do Mal, Hannah gerou um terramoto intelectual depois das suas cinco reportagens que fez para o The New Yorker em 1961, e reunidas em 1963 em livro, do julgamento de Eichmann em Jerusalém, cuja sentença resultou na sua condenação à morte. Eichmann foi um dos mais altos responsáveis pelo extermínio dos judeus. Mas os Conselhos Judaicos colaboraram nas deportações. 

Hannah Arendt teve então uma abordagem surpreendente do caso Eichmann sob a tese da "Banalidade do Mal." Trata-se do Mal Absoluto, o Mal em si mesmo. O Mal radical é de tal ordem que transcende todos os seus agentes. O Mal é tido como um agente em si mesmo, que age através da destruição metódica do pensamento. Anestesiando emoções e interrogações, banalizando progressivamente a existência humana até à sua negação. Mesmo que arrancassem metodicamente a pele a Eichmann, o mistério do horror permaneceria. Na esteira de Nietzsche, O Mal era um fenómeno demasiadamente humano, encrustado na essência de toda a Humanidade, e não apenas avulso em cada homem. No entanto, de modo algum Hannah Arendt pretendia com isto absolver Eichmann. Não! Tratava-se de usar Eichmann para ir muito além dele, e pensar. Porque o pensamento era o único antídoto que tinha para combater o veneno que Eichmann simbolizava. Poucos a compreenderam. Durante vários anos teve que sofrer uma violenta campanha contra si.

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