sexta-feira, 30 de agosto de 2024

As ondas migratórias do Próximo Oriente a partir do século XII a.C.


Na Idade do Bronze (aproximadamente 3300-1200 a.C.), houve várias migrações e invasões de povos nómadas da estepe eurasiática, que eram frequentemente associados ao uso de cavalos domesticados e carros de guerra. Esses povos são frequentemente identificados como indo-europeus. Os nómadas das estepes trouxeram inovações militares significativas, como o uso do cavalo domesticado para mobilidade rápida e o desenvolvimento do carro de guerra, que revolucionou as táticas militares. Os carros de guerra, leves e rápidos, puxados por cavalos, deram a esses povos uma vantagem significativa em batalha contra as sociedades sedentárias da Mesopotâmia, que até então se baseavam em infantaria e fortificações estáticas.

Há razões para acreditar que as causas das ondas migratórias anárquicas na zona do Mediterrâneo Oriental, no século XII a.C., se deveram a cataclismos naturais. Esse período é conhecido por ter sido uma época de grande instabilidade, marcada pelo colapso de várias civilizações na região, incluindo os impérios micénico, hitita, e a civilização egípcia, bem como a chegada dos chamados "Povos do Mar". Evidências sugerem que houve um período de secas severas no Mediterrâneo Oriental durante o final da Idade do Bronze. Essas secas teriam afetado gravemente a agricultura, levando à fome, colapso económico e deslocamentos populacionais em massa. A região é sismicamente ativa, e há indícios de que uma série de terramotos destrutivos tenha ocorrido por volta dessa época. Esses terramotos teriam causado destruição em larga escala de cidades, como Micenas e Tirinto, cujas ruínas ainda hoje nos mostram a dimensão do colapso de estruturas que eram bem sólidas. Há especulações de que erupções vulcânicas, como a de Santorini (embora esta tenha ocorrido antes, por volta de 1600 a.C.), poderiam ter efeitos de longo prazo, alterando o clima e causando tsunamis, que também contribuíram para o colapso de civilizações costeiras. Esses fatores naturais, combinados com as tensões sociais, invasões e outros conflitos, teriam criado uma situação em que grandes populações foram deslocadas, resultando nas ondas migratórias conhecidas como "Povos do Mar", que contribuíram para o colapso da Idade do Bronze no Mediterrâneo Oriental. Assim, embora não seja possível afirmar que cataclismos naturais foram a única causa, eles certamente desempenharam um papel significativo no desencadeamento dessas migrações.

Não há evidências diretas que confirmem que os hebreus se juntaram aos Povos do Mar, mas há algumas teorias e interpretações que sugerem possíveis interações entre eles ou paralelismos em seus movimentos. Os Povos do Mar eram um conjunto de grupos étnicos diversos que, durante o final do século XIII e o século XII a.C., realizaram migrações e invasões na região do Mediterrâneo Oriental, atacando e contribuindo para o colapso de várias civilizações. Entre os mais conhecidos estão os filisteus, os aqueus, os sicelianos, os shardana, entre outros. Os hebreus, por outro lado, têm uma trajetória distinta. Segundo a tradição bíblica, eles estavam em processo de formação de uma identidade nacional própria durante esse período, associado ao Êxodo do Egito e à subsequente conquista e estabelecimento na terra de Canaã. Isso coincide cronologicamente com o final da Idade do Bronze e o início da Idade do Ferro, a mesma época em que os Povos do Mar estavam ativos.

As sociedades agrícolas da Mesopotâmia, que eram bastante desenvolvidas em termos de urbanização, escrita, e organização estatal, enfrentaram desafios militares e culturais com a chegada desses nómadas. As invasões e migrações podem ter causado a destruição ou enfraquecimento de algumas cidades estado, mas também forçaram essas sociedades a adotar novas tecnologias e estratégias militares. Com o tempo, alguns dos invasores nómadas se estabeleceram e se integraram às culturas locais, resultando numa fusão de práticas culturais e tecnológicas. Por exemplo, os Cassitas, que eram um povo originário da região montanhosa a leste da Mesopotâmia, acabaram dominando a Babilónia por vários séculos e adotaram muitos aspetos da cultura mesopotâmica. Um dos povos que exemplificam essa dinâmica foram os Hititas, que vieram das regiões próximas da Anatólia e introduziram o carro de guerra no Próximo Oriente. Eles se estabeleceram e criaram um império que se tornou uma das grandes potências da Idade do Bronze. Outro exemplo são os Hurritas, que formaram o Reino de Mitani, uma força dominante no norte da Mesopotâmia e na Síria durante a Idade do Bronze. Eles eram conhecidos por suas habilidades com cavalos e carros de guerra.

Esse choque de culturas teve um impacto profundo na evolução das sociedades do Próximo Oriente, promovendo tanto conflitos quanto trocas culturais que moldaram o desenvolvimento da civilização na região. A introdução do carro de guerra e a domesticação do cavalo tiveram consequências de longo prazo para a guerra e o poder na região, afetando a dinâmica entre nómadas e povos sedentários durante séculos.

Um grupo dos Povos do Mar, os filisteus, se estabeleceu na costa de Canaã, formando as cidades estado filisteias. Os hebreus, conforme descrito na Bíblia, entraram em conflito frequente com os filisteus durante o período dos Juízes e do início da monarquia israelita (séculos XII-X a.C.). Alguns estudiosos sugerem que a interação entre os hebreus e os Povos do Mar, particularmente os filisteus, pode ter levado a influências culturais mútuas, mas também desavenças militares entre os dois grupos. Apesar das interações e dos conflitos, os movimentos dos hebreus e dos Povos do Mar parecem ter sido distintos. Os hebreus, conforme a narrativa bíblica, estavam mais focados na consolidação de um território específico (Canaã), enquanto os Povos do Mar estavam envolvidos em ataques e migrações mais amplos em todo o Mediterrâneo Oriental. Portanto, não há evidências que sustentem que os hebreus fizeram parte dos Povos do Mar, mas certamente houve interações entre eles, especialmente no contexto dos conflitos entre hebreus e filisteus.

Em que data aparece Zoroastro a afirmar que Aura Mazda o encarregara de repor a ordem nas estepes. A figura de Zoroastro (ou Zaratustra), o profeta fundador do zoroastrismo, é envolta em certo mistério, e a datação de sua vida e da sua missão é ainda objeto de debate entre os estudiosos. Não há uma data exata e universalmente aceita para quando Zoroastro teria vivido e começado a pregar a mensagem de Ahura Mazda, o deus supremo do zoroastrismo. Estudos modernos, com base em evidências linguísticas e culturais, geralmente situam Zoroastro em algum momento entre 1500 e 1000 a.C., com algumas estimativas mais restritas apontando para cerca de 1200 a.C. Esta datação é baseada em comparações com outras línguas indo-europeias e na análise dos textos mais antigos do Zoroastrismo, os Gathas, que fazem parte do Avesta, o livro sagrado do Zoroastrismo.

Zoroastro teria vivido em uma região que poderia estar localizada no Leste do atual Irão ou possivelmente na Ásia Central, talvez no que é hoje o Turcomenistão, Afeganistão ou nas regiões fronteiriças. Ele teria pregado durante um período em que a sociedade era dominada por uma classe guerreira e nómada, que praticava o politeísmo. Segundo a tradição, Zoroastro recebeu uma revelação de Aura Mazda, o deus do bem e da sabedoria, que lhe incumbiu de restaurar a ordem (Asha) e combater as forças do caos e da mentira (Druj) que dominavam as estepes. Sua mensagem monoteísta e ética representava uma rutura significativa com as práticas religiosas anteriores.

Há quem diga que os conflitos que se travaram entre hebreus e filisteus ainda se reproduzem nos dias de hoje entre judeus e palestinos. A ideia de que os conflitos entre hebreus e filisteus na antiguidade se reproduzem nos dias de hoje entre judeus e palestinos é uma comparação frequentemente mencionada, mas é uma simplificação histórica que ignora a complexidade dos contextos e das identidades envolvidas. Durante a Idade do Ferro (cerca de 1200-1000 a.C.), os hebreus e filisteus eram grupos que habitavam a região de Canaã. Os filisteus, um dos povos do mar, se estabeleceram principalmente na costa, em cidades como Gaza, Asdode e Ascalom. A Bíblia narra numerosos conflitos entre os hebreus, que estavam a estabelecer-se no interior da região, e os filisteus, muitas vezes retratados como inimigos poderosos. Com o tempo, os filisteus foram assimilados ou desapareceram como grupo distinto devido a conquistas e mudanças culturais, especialmente após o avanço dos impérios assírio e babilónio.

Por volta de 1200 a.C., a civilização micénica, que dominava a Grécia continental, entrou em colapso abrupto. As causas exatas ainda são debatidas, mas podem incluir invasões de povos externos, conflitos internos, catástrofes naturais (como terramotos) e colapso económico. Após o colapso, as cidades estado micénicas foram abandonadas ou drasticamente reduzidas. O período subsequente, até cerca de 900 a.C., é marcado por uma redução drástica na produção cultural e material. Há uma diminuição significativa na construção de grandes edifícios, no comércio e na produção artística. Durante este período, os gregos também perderam a habilidade de escrever, resultando em uma lacuna documental. Gradualmente, uma nova civilização começou a emergir na Grécia, culminando na chamada Idade Arcaica (cerca de 800-500 a.C.). Essa civilização é caracterizada pelo ressurgimento da escrita (com a introdução do alfabeto grego), pela fundação das primeiras cidades estado (pólis) e pelo desenvolvimento da cultura e religião gregas que influenciaram profundamente o Ocidente.

De acordo com a tradição bíblica, após o Êxodo do Egito, os hebreus, liderados por figuras como Josué, conquistaram a terra de Canaã e começaram a se estabelecer nas terras altas, formando pequenas comunidades agrícolas. A arqueologia sugere que, em vez de uma conquista massiva, houve um processo gradual de ocupação e crescimento demográfico nas terras altas durante o final da Idade do Bronze e o início da Idade do Ferro. O período dos Juízes (aproximadamente 1200-1000 a.C.) é descrito como uma época em que as tribos de Israel eram independentes, mas se uniam em momentos de crise sob líderes carismáticos chamados juízes. Esta estrutura política é frequentemente referida como a Confederação de Tribos, uma fase anterior à formação do reino unificado sob Saul, David e Salomão. Durante esse período, as tribos israelitas desenvolveram uma identidade distinta, influenciada tanto pelas tradições cananeias quanto pelas experiências no deserto e a interação com outros povos, como os filisteus.

A falta de evidências escritas contemporâneas e a escassez de material arqueológico tornam esse período difícil de estudar. Muitas das informações disponíveis vêm de fontes posteriores, como a Bíblia Hebraica, que, embora rica em detalhes, foi compilada e redigida séculos depois dos eventos descritos. A natureza fragmentária das evidências resulta em interpretações divergentes entre os estudiosos. Alguns defendem a historicidade geral dos relatos bíblicos, enquanto outros sugerem que o processo de formação de Israel foi mais gradual e complexo do que descrito nos textos religiosos.

Na estela da vitória do faraó Mernepteh (c.1210) há a primeira menção não bíblica ao povo de Israel. A Estela de Merneptá (ou "Estela de Israel") é conhecida por conter a primeira menção não bíblica ao povo de Israel. Esta estela, datada por volta de 1210 a.C., foi erguida pelo faraó Merneptá, que governou o Egito de 1213 a 1203 a.C., e comemora suas vitórias militares na região de Canaã. A estela, escrita em hieróglifos, é principalmente um relato das campanhas militares de Merneptá, incluindo suas vitórias sobre diversos povos e cidades em Canaã e Líbia. Ela menciona várias entidades políticas e geográficas da região, como Ashkelon, Gezer, Yanoam, e Israel. Esta é a referência mais antiga fora da Bíblia ao nome "Israel", e oferece uma visão crucial sobre a presença dos israelitas em Canaã no final da Idade do Bronze. A estela sugere que, naquela época, Israel já era reconhecido como uma entidade distinta, provavelmente formada por tribos semi-nómadas nas terras altas de Canaã. A estela é uma peça de propaganda política e religiosa egípcia, exaltando as vitórias do faraó. A menção a Israel como devastado pode refletir uma campanha militar bem-sucedida de Merneptá contra as tribos nas terras altas, embora não haja outros registros detalhados sobre essa campanha.

Em 1130 a.C., os portos cananeus de Ugarit, Megido e Hazor já estavam devastados, mas a destruição dessas cidades não foi necessariamente causada por eventos naturais, embora catástrofes naturais possam ter contribuído para o colapso geral da região durante o final da Idade do Bronze. Ugarit, uma importante cidade portuária na costa da atual Síria, foi destruída por volta de 1190 a.C. Existem várias teorias sobre as causas da sua queda. A cidade foi incendiada e abandonada, e há evidências de que foi atacada por invasores, possivelmente os Povos do Mar. A destruição de Ugarit foi abrupta e está associada ao colapso geral da civilização da Idade do Bronze no Mediterrâneo Oriental.

Megido, localizada no vale de Jezreel, foi uma cidade fortificada crucial na antiga Canaã. Ela experimentou várias destruições e reconstruções ao longo dos séculos. Embora tenha sofrido destruição por volta do século XII a.C., acredita-se que as causas principais estejam relacionadas a conflitos militares, possivelmente envolvendo os Povos do Mar ou os egípcios. Não há evidências concretas de que causas naturais tenham sido a principal razão para a devastação de Megido nesse período. Hazor, uma das maiores e mais importantes cidades cananeias, também foi destruída por volta do século XIII a.C. A arqueologia sugere que Hazor foi devastada por um incêndio, e as ruínas mostram sinais de destruição violenta. A destruição de Hazor é frequentemente atribuída a conflitos militares, incluindo possivelmente campanhas israelitas conforme narrado na Bíblia, mas não há uma ligação direta com catástrofes naturais.

Os filisteus da antiguidade e os palestinos modernos não têm uma continuidade étnica ou cultural direta. Os palestinos de hoje são descendentes de diversas populações que habitaram a região ao longo dos séculos, incluindo cananeus, arameus, árabes, e outros grupos que se estabeleceram na Palestina durante o domínio romano, bizantino, islâmico, otomano, entre outros. Os conflitos entre judeus e palestinos na era moderna têm raízes no nacionalismo, colonialismo, e na disputa por terras e autodeterminação, especialmente a partir do século XX. A criação do Estado de Israel em 1948 e o deslocamento de grandes números de árabes palestinos, além de conflitos subsequentes, moldaram o cenário atual. Esses conflitos são influenciados por questões políticas, religiosas, e territoriais contemporâneas, distintas das guerras tribais da antiguidade.

A comparação entre os antigos conflitos entre hebreus e filisteus e o moderno conflito muitas vezes serve como uma metáfora ou analogia simplificada. Para alguns, essa comparação pode reforçar a ideia de uma rivalidade ancestral, mas isso ignora as complexidades e as mudanças significativas ao longo da história. Essa analogia às vezes é usada em discursos políticos ou religiosos para justificar posições ou alimentar certas narrativas, mas é importante reconhecer que ela não reflete a realidade histórica. Em resumo, embora existam paralelismos em termos de localização geográfica e a ideia de conflito por território, a situação moderna entre judeus e palestinos é muito mais complexa e não pode ser diretamente comparada aos conflitos entre hebreus e filisteus na antiguidade. A analogia tende a simplificar e distorcer as realidades históricas e políticas envolvidas.

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