sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Dos marranos e da diáspora





Marrano é um termo que se refere aos judeus convertidos ao cristianismo na Península Ibérica desde os tempos dos Reis Católicos, mas acusados de criptojudaísmo. 
Especialmente entre os séculos XV e XVII, a palavra marrano foi usada extensiva e pejorativamente para designar todos os judeus convertidos e seus descendentes, carregando implicitamente a insinuação de cristianismo fingido.

A diáspora judaica, que já havia começado antes da destruição do Segundo Templo em 70 d.C., se intensificou significativamente após esse evento, marcando um ponto de inflexão na história do povo judeu. A destruição do Templo, realizada pelos romanos sob o comando do futuro imperador Tito, foi uma resposta à Grande Revolta Judaica (66-70 d.C.), e suas consequências foram profundas para a comunidade judaica. Após a queda do Império Romano do Ocidente, a Palestina continuou a ser administrada pelo Império Bizantino até à conquista muçulmana no século VII. Durante o período bizantino, a região tornou-se um importante centro cristão, antes de ser brevemente ocupada pelos sassânidas e, finalmente, incorporada ao mundo islâmico, marcando o início de uma nova era na história da Palestina.

Os sefarditas é aquela parte do povo judeu que emigrou para a Península Ibérica desde tempos imemoriais e que depois foram expulsos pelos Reis Católicos em 1492. E a partir daqui das duas uma: ou se convertiam ao catolicismo ou tinham novamente que emigrar. Por isso, também estão incluídos nesta definição os convertidos que nunca deixaram Portugal ou Espanha, muitos dos quais têm redescoberto suas raízes judaicas nas últimas décadas. Deram origem a uma das duas principais tradições judaicas de hoje, juntamente com os Ashkenazim. Os sefarditas também incluem os Mizrahis do Império Otomano, que adotaram principalmente o rito sefardita durante os seus contactos com os judeus emigrados na época da sua maior diáspora vinda da Ibéria.

Recordemos então o que foi a grande diáspora no contexto da Revolta em 70 d.C. Durante o conflito, os judeus tinham conseguido controlar Jerusalém por alguns anos. Em 70 d.C., após um longo cerco, as legiões romanas tomaram Jerusalém e destruíram o Segundo Templo, que era o centro religioso e cultural do judaísmo. A destruição marcou o fim do judaísmo centrado no Templo e no sacrifício, levando a uma transformação na prática religiosa judaica, com a sinagoga e a Torá tornando-se os novos focos da vida religiosa.

Com a destruição do Templo, muitos judeus foram mortos, e outros foram vendidos como escravos. E a grande maioria teve de abandonar a Judeia.  Alguns foram para Roma, onde foram exibidos como prisioneiros de guerra e serviram como escravos. Essa dispersão inicial espalhou ainda mais a população judaica para várias partes do Império Romano. A liderança judaica tradicional, centrada no Templo, foi severamente enfraquecida. Sobreviventes, como os fariseus, reorganizaram o judaísmo em torno do estudo da Torá e da sinagoga, um novo centro de autoridade rabínica. Mas houve uma Segunda Revolta em 132 d.C., quando o Templo já estava destruído há 60 anos. A revolta contra o domínio romano eclodiu sob a liderança de Simão Barcoquebas. Essa revolta foi inicialmente bem-sucedida, mas acabou sendo esmagada com ainda mais brutalidade pelos romanos. Após a revolta, o imperador Adriano renomeou a Judeia como "Síria Palestina" e proibiu os judeus de entrarem em Jerusalém, que foi reconstruída como uma cidade romana chamada Aelia Capitolina. Essas ações intensificaram a dispersão dos judeus e solidificaram a diáspora.

 Ao longo de toda a Alta Idade Média as comunidades judaicas se espalharam pela grande extensão que havia pertencido ao Império Romano na sua totalidade, que incluía o Império Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente. Por todo o Império Romano e até além dele, estabelecendo-se em regiões como a Babilónia (Iraque), o Egito, o norte da África, a Península Ibérica, a Gália (França) e até mesmo em partes da Índia e da China. Em alguns locais, como na Babilónia, os judeus conseguiram estabelecer prósperos centros de cultura, com academias que se tornaram famosas pela produção do Talmude Babilónico, uma das principais obras do judaísmo rabínico.

Havemos depois de falar da diáspora moderna nos séculos XIX e XX e que abarca as migrações para a América e o retorno à Palestina. Muitos judeus europeus emigraram para a América, buscando escapar das perseguições que volta e meia se agudizavam, e encontrar novas oportunidades económicas. Os Estados Unidos, em particular, se tornaram o lar de uma grande e influente comunidade judaica. No final do século XIX, com o surgimento do sionismo, houve um movimento significativo para o retorno dos judeus à Palestina. Esse movimento culminou na fundação do Estado de Israel em 1948, onde muitos judeus da diáspora migraram, especialmente após o Holocausto.

Por conseguinte, a diáspora judaica após a destruição do Templo em 70 d.C. foi um processo complexo e contínuo, marcado por expulsões, migrações, adaptações e a construção de novas comunidades em várias partes do mundo. Apesar das adversidades, os judeus conseguiram preservar a sua identidade cultural e religiosa, o que lhes permitiu sobreviver como um povo em exílio por quase dois milénios até ao estabelecimento do moderno Estado de Israel.

Quando os Visigodos se estabeleceram em Toledo e consolidaram o reino na Península Ibérica, a comunidade judaica na região já era significativa e bem estabelecida. A presença judaica na Península Ibérica remonta ao período romano, possivelmente desde o século I d.C. Durante a época do Império Romano, os judeus se espalharam por todo o império, incluindo a Hispânia (nome romano para a Península Ibérica). Eles se estabeleceram em várias cidades e vilas, formando comunidades que estavam bem integradas na vida económica e social local. Com o colapso do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., e antes do domínio visigótico, a Península Ibérica passou a ser controlada pelo Império Bizantino em algumas áreas costeiras, onde a presença judaica também continuou a florescer.

Os Visigodos, um dos povos germânicos que invadiram o Império Romano, estabeleceram um reino na Península Ibérica no século V, com Toledo como capital. A princípio, os Visigodos eram arianos, uma forma de cristianismo considerada herética pela Igreja Católica, e eram relativamente tolerantes em relação aos judeus. Em 589 d.C., sob o rei Recaredo I, os Visigodos converteram-se ao catolicismo. A partir dessa conversão, a atitude em relação aos judeus começou a mudar, influenciada pela Igreja Católica, que via os judeus com crescente desconfiança e hostilidade. Ao longo dos séculos VI e VII, os reis visigodos, sob pressão da Igreja, começaram a implementar leis cada vez mais restritivas e discriminatórias contra os judeus. Essas leis incluíam a proibição de casamentos entre judeus e cristãos, a conversão forçada ao cristianismo, e a exclusão dos judeus de certas profissões. No entanto, apesar da perseguição oficial, as comunidades judaicas continuaram a resistir, embora muitas vezes em condições difíceis.

 Apesar das restrições, os judeus desempenhavam um papel importante na economia, especialmente no comércio, artesanato e na agricultura. Em algumas áreas, eles também tinham um impacto cultural significativo, preservando o conhecimento da literatura hebraica e, mais tarde, contribuindo para o florescimento da cultura judaica na Península Ibérica. Muitas comunidades judaicas resistiram às pressões de conversão e mantiveram suas tradições e práticas religiosas. Houve também períodos de maior tolerância, dependendo do rei no poder e das circunstâncias políticas. Mesmo após a conversão ao cristianismo, os judeus frequentemente continuaram a enfrentar preconceito e discriminação, uma realidade que ilustra a profundidade do antissemitismo enraizado na sociedade cristã medieval.

Em 711 d.C., os muçulmanos, liderados por Tariq ibn Ziyad, invadiram a Península Ibérica e rapidamente derrotaram o Reino Visigótico. A conquista islâmica trouxe um período de maior tolerância e florescimento para as comunidades judaicas, que muitas vezes recebiam melhor tratamento sob domínio muçulmano em comparação com o que haviam experimentado sob os Visigodos.

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