sábado, 31 de agosto de 2024

Os teóricos de conspirações

 

Os “Jogadores da Bolsa”, e os exegetas bíblicos, são pessoas muito experimentadas naquela máxima muito conhecida das “profecias que se autorrealizam”. A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a conceção originalmente falsa se torne verdadeira. A crença de que uma crise financeira ou um colapso económico está iminente, alimentada por teorias da conspiração, pode levar indivíduos e empresas a retirar os seus investimentos, vender ativos ou poupar excessivamente. Essas ações podem então precipitar uma crise económica real, cumprindo a profecia inicial. Sim, a ideia de profecias autorrealizáveis está intimamente ligada ao impacto das teorias da conspiração na política e na sociedade. Uma profecia autorrealizável ocorre quando uma crença ou expectativa, mesmo que inicialmente falsa ou infundada, leva a comportamentos que acabam por fazer com que essa crença se torne realidade.

Quando grupos acreditam que seus adversários políticos estão tramando contra eles, podem agir de forma mais radical ou intransigente, aumentando a polarização. Essa polarização, por sua vez, pode criar um ciclo de ação e reação que intensifica os conflitos, confirmando a crença original de que há uma conspiração ou um conflito irreconciliável. Esse é o efeito do comportamento de massa. Se uma grande parte da população acredita que uma determinada ação ou evento é inevitável (como uma eleição fraudulenta ou uma guerra), essa crença pode levar a comportamentos coletivos que realmente tornam esse evento mais provável. A crença coletiva em uma fraude eleitoral, por exemplo, pode levar a protestos em massa, desobediência civil, ou até tentativas de golpe, criando a instabilidade que inicialmente era apenas uma teoria.
Os teóricos de conspirações são um nicho muito peculiar que junta literatura, espiões e serviços secretos, crime e muita paranoia. São um grupo deveras intrigante. Combinam elementos de literatura de suspense, onde espiões e serviços secretos desempenham papéis centrais, com uma boa dose de mistério e crime, criando narrativas onde quase tudo pode estar ligado a uma conspiração maior e invisível. A paranoia, muitas vezes, surge como combustível dessas teorias, alimentando a crença de que há sempre algo escondido ou um poder maior a manipular os acontecimentos. Esse nicho mistura realidade e ficção, levando muitos a ver padrões onde talvez não existam. É um campo onde o discernimento entre facto e invenção se torna nebuloso, e onde a busca por verdades ocultas pode ser tanto fascinante quanto perigosa.

Quando pessoas famosas morrem, especialmente em circunstâncias inesperadas ou misteriosas, isso quase sempre gera teorias da conspiração. Esses eventos raramente escapam à especulação de que houve algum tipo de atentado, muitas vezes atribuído a figuras ou organizações poderosas como governos, serviços secretos, ou grupos secretos. As teorias da conspiração tendem a reciclar certos vilões "clássicos", como a CIA, a KGB, ou sociedades secretas como o Grupo Bilderberg. Essas teorias prosperam na ideia de que há uma mão invisível que manipula os acontecimentos, especialmente em casos que envolvem figuras públicas com grande impacto social ou político. Assim, mortes como as de John F. Kennedy, Marilyn Monroe, Princesa Diana e até mesmo Michael Jackson, por exemplo, estão repletas de especulações que envolvem planos sinistros e interesses ocultos, em vez de explicações mais simples ou oficiais.

Isso reflete a desconfiança em relação às explicações oficiais e uma tendência a acreditar que, por trás de cada evento trágico envolvendo uma celebridade, há uma trama mais sombria em andamento. Tanto a morte de Francisco Sá Carneiro quanto os acontecimentos em torno de Papas, especialmente as suas mortes, têm sido terreno fértil para teorias da conspiração. No caso de Francisco Sá Carneiro, que morreu num acidente de aviação em 1980, a especulação sobre um possível atentado surgiu quase imediatamente. Apesar das investigações oficiais terem concluído que se tratou de um acidente, muitos acreditam que houve envolvimento de forças políticas ou serviços secretos, o que continua a alimentar debates e investigações alternativas até hoje.

Quanto aos Papas, as teorias da conspiração têm sido abundantes, especialmente em torno das mortes misteriosas ou repentinas. O caso do Papa João Paulo I, que faleceu apenas 33 dias após ter sido eleito, é um dos mais notórios. A rapidez de sua morte e a falta de uma autópsia oficial levaram a inúmeras teorias que sugerem envenenamento, possivelmente ligado a questões internas do Vaticano ou a fações secretas que não queriam certas reformas na Igreja. Esses exemplos mostram como eventos envolvendo figuras públicas de grande importância, seja no âmbito político ou religioso, são frequentemente envolvidos em teorias que vão além das explicações oficiais. Isso reflete não apenas a complexidade das situações, mas também a tendência humana de buscar explicações alternativas quando os factos parecem insuficientes ou suspeitos.

O atentado às Torres Gémeas em 11 de setembro de 2001 é um desses casos, no contexto de teorias da conspiração. Apesar da vasta documentação, investigações oficiais, e os relatos de testemunhas, o acontecimento deu origem a um dos mais abrangentes e persistentes conjuntos de teorias da conspiração na história recente. Algumas das teorias mais comuns sugerem que o ataque foi orquestrado ou permitido pelo próprio governo dos Estados Unidos, seja para justificar intervenções militares no Médio Oriente, seja para aumentar o controlo sobre a população americana através de medidas de segurança mais rigorosas. Outra teoria amplamente difundida é a de que as torres não desmoronaram devido ao impacto dos aviões e ao fogo subsequente, mas sim por uma demolição controlada, possivelmente organizada por elementos dentro do governo ou por outras entidades poderosas. A magnitude deste acontecimento foi de tal ordem que nada ficou como dantes. Muita coisa mudou, muita coisa ficou por explicar, e quando é assim é inevitável que surjam especulações, e é isso que é apetecível para os teóricos de conspirações.

O tipo de mente mais propenso a acreditar em teorias da conspiração geralmente apresenta um conjunto de características psicológicas e sociais específicas. Estas podem variar, mas podem incluir: desconfiança e ceticismo; tendência para os padrões com significado; em suma, mente paranoica. As pessoas com tendências paranoicas, que acreditam que o mundo está constantemente contra elas ou que são vítimas de tramas ocultas, podem ser mais suscetíveis a teorias da conspiração. Essas características podem ser exacerbadas por transtornos de personalidade ou outros problemas psicológicos.

Pessoas que tendem a desconfiar de autoridades, instituições governamentais estão mais inclinadas a aceitar explicações alternativas para eventos complexos. A mente humana é naturalmente predisposta a procurar padrões e significados em eventos, especialmente quando se depara com situações confusas ou assustadoras. Isso pode levar a ver conexões entre eventos desconexos e a interpretar coincidências como evidências de uma conspiração.

Em tempos de incerteza ou crise, como durante pandemias ou desastres, algumas pessoas recorrem a teorias da conspiração como uma forma de dar sentido ao caos. Acreditar que eventos são manipulados por uma força controladora pode ser, paradoxalmente, uma forma de recuperar a sensação de controlo sobre o ambiente. Essas pessoas consideram-se mais "acordadas" do que a maioria, sentem que têm acesso a uma verdade oculta que os outros não conseguem ver. Pessoas que estão socialmente isoladas, ou que fazem parte de comunidades que partilham certas crenças ou ideologias, tendem a reforçar-se e a isolar-se ainda mais. As redes sociais, em particular, criam bolhas de informação onde as pessoas são expostas principalmente a conteúdos que reforçam as suas crenças preexistentes.

Esses fatores, muitas vezes combinados, criam um ambiente mental onde as teorias da conspiração não só fazem sentido, mas também oferecem uma narrativa alternativa que satisfaz necessidades emocionais e psicológicas que as explicações convencionais não conseguem. Daí que esta tendência seja bem empregue no acto de escrever romances ou literatura fantástica. A tendência de buscar padrões, desconfiar de autoridades e explorar cenários alternativos torna a mentalidade conspiratória uma fonte rica de inspiração para a escrita de romances e literatura fantástica. Autores podem usar essas ideias para construir narrativas cheias de reviravoltas, segredos ocultos e desconfianças, mantendo os leitores envolvidos e ansiosos para desvendar a verdade.

Na literatura fantástica, o conceito de conspiração pode ser expandido para criar mundos inteiros onde a realidade é manipulada por forças invisíveis. Isso pode incluir sociedades secretas, governantes sombrios ou até entidades sobrenaturais que controlam os eventos de forma oculta, desafiando a perceção da realidade. Em romances e literatura fantástica, autores podem jogar com a ideia de que a realidade não é o que parece. Conspirações podem levar os leitores a questionar o que é real e o que é fabricado, criando um sentimento de desconforto e fascínio. Muitas histórias que envolvem teorias da conspiração terminam de forma ambígua, deixando ao leitor a tarefa de decidir o que realmente aconteceu. Essa ambiguidade pode ser poderosa, incentivando os leitores a refletir sobre o enredo e até mesmo criar suas próprias teorias.

Por outro lado, a numerologia, a cabala, o exoterismo, a superstição, parapsicologia, completam o figurino deste mundo paralelo ou alternativo. Numerologia trata da crença de que números têm significados ocultos ou influências místicas. E na verdade é uma ferramenta excelente para a criação de enigmas e padrões misteriosos. Autores podem usar numerologia para criar códigos, profecias ou até mesmo para guiar o destino de personagens. Ou a Cabala, que deriva de uma tradição judaica mística. A Cabala oferece uma rica simbologia e conceitos esotéricos que podem ser usados para criar narrativas complexas e profundas. A Árvore da Vida, as Sephirot, e os textos sagrados cabalísticos fornecem uma base para tramas envolvendo conhecimento oculto, magia, e a conexão entre o divino e o humano.

O esoterismo, com o seu foco em conhecimentos secretos e espirituais acessíveis apenas a poucos iniciados, é um terreno fértil para a literatura que explora sociedades secretas, rituais antigos e saberes ocultos. Esse elemento adiciona uma camada de profundidade às narrativas, sugerindo que há mais no mundo do que o que é visível à primeira vista. As superstições, com suas raízes em crenças populares e tradições orais, podem dar cor e autenticidade a mundos fictícios, especialmente em narrativas que exploram culturas ou comunidades específicas. Objetos amaldiçoados, presságios, e tabus são ferramentas literárias que podem intensificar a tensão e o suspense em uma história. A Parapsicologia é, por assim dizer, o estudo de fenómenos psíquicos, como telepatia, clarividência e experiências fora do corpo, e oferece uma ponte entre o natural e o sobrenatural. Na literatura, a parapsicologia pode ser usada para explorar as capacidades ocultas da mente, desafiar as leis da física e questionar os limites do conhecimento humano.

Ora, como a política é um mundo entrelaçado de contactos em grande escala, até que ponto as teorias da conspiração influenciam a mente dos decisores políticos é uma questão que não deve ser excluída. As teorias da conspiração podem ter uma influência significativa sobre a mente dos decisores políticos, afetando tanto as suas perceções assim como as suas ações. Em alguns casos, políticos podem explorar teorias da conspiração como ferramentas de manipulação. Eles podem promover ou apoiar certas teorias para mobilizar a base de eleitores, desviar a atenção de questões críticas ou enfraquecer adversários políticos. Por exemplo, teorias da conspiração podem ser usadas para criar medo ou desconfiança em relação a grupos específicos, o que pode ser explorado para ganhos eleitorais. Políticos que dão crédito a teorias da conspiração frequentemente desconfiam de especialistas e da ciência. Isso pode levar a uma rejeição de dados científicos, como no caso das mudanças climáticas ou de pandemias, resultando em políticas que ignoram ou contradizem as melhores evidências disponíveis.

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