sábado, 31 de agosto de 2024

"Quatro mitos sobre as Cruzadas" – por Paul Crawford


Paul Crawford escreveu um artigo intitulado "Quatro mitos sobre as cruzadas" em que ele discute as visões equivocadas comumente associadas às Cruzadas. Neste texto, Crawford visa esclarecer mal-entendidos, e oferece uma perspetiva mais equilibrada sobre esse período histórico.


As Cruzadas foram um ataque provocado contra o mundo muçulmano pacífico. Esse é o mito, que sugere que as Cruzadas foram um ato de agressão injustificado por parte do Ocidente cristão contra uma sociedade islâmica pacífica. Crawford argumenta que, na realidade, as Cruzadas foram, em parte, uma resposta às invasões muçulmanas e ao controlo de territórios cristãos, incluindo a Terra Santa. Ele contextualiza as Cruzadas como reações defensivas a séculos de expansão muçulmana.

Os cruzados estavam interessados apenas em riqueza e poder. É outro mito comum, o de que os cruzados eram motivados principalmente por ganância e pela busca de poder. Crawford contesta essa visão, afirmando que muitos cruzados foram movidos por um genuíno sentimento de devoção religiosa e desejo de realizar uma peregrinação. Embora houvesse benefícios materiais possíveis, a motivação espiritual era a força mais importante para muitos.

As Cruzadas introduziram o colonialismo ocidental no Médio Oriente. Este mito considera as Cruzadas como o começo do imperialismo ocidental no Médio Oriente. Crawford argumenta que isso é um anacronismo, já que as Cruzadas não eram empreendimentos coloniais no sentido moderno. Em vez disso, os cruzados viam suas campanhas como uma defesa dos territórios cristãos e uma tentativa de restabelecer o controlo sobre as terras sagradas.

As Cruzadas ainda são a principal causa do conflito entre o Islão e o Ocidente. Este mito sugere que as Cruzadas são a raiz do conflito moderno entre o mundo islâmico e o Ocidente. Crawford afirma que embora as Cruzadas sejam um ponto importante na história das relações entre cristãos e muçulmanos, muitos dos conflitos contemporâneos têm origem em eventos muito mais recentes e em contextos políticos, económicos e sociais que não estão diretamente relacionados com as Cruzadas.

Paul Crawford busca, portanto, desmistificar as Cruzadas e proporcionar uma visão mais equilibrada e historicamente precisa, levando em conta as complexidades do contexto medieval. Em certos aspetos é quase inevitável haver períodos em que correm certas teses como se fosse uma moda. Certas teses ou interpretações históricas ganham popularidade e se espalham como uma moda. O Contexto Sociopolítico é muito importante. As interpretações históricas frequentemente refletem as preocupações e as tensões da época em que são formuladas ou ganham popularidade. Por exemplo, durante períodos de conflitos internacionais, pode haver uma tendência a interpretar acontecimentos históricos de uma maneira que justifique ou explique esses conflitos.

Quando uma nova interpretação ou teoria é promovida por académicos influentes, ela pode rapidamente se tornar a dominante em certos círculos, podendo se espalhar com rapidez tanto mais nos dias de hoje com a grande difusão da cultura pelos órgãos mediáticos. Livros populares, filmes, documentários e outros meios de comunicação de massa têm o poder de popularizar certas interpretações históricas, mesmo que sejam simplificadas ou distorcidas. Quando uma tese histórica é adotada por esses meios, ela pode-se espalhar amplamente e ganhar credibilidade para o público em geral. Há uma tendência natural para buscar narrativas simples e coerentes que expliquem fenómenos complexos. E essa é a armadilha, que induz a aceitação de teses que, apesar de serem simplificadas, são falaciosas.

Sem desvalorizar os ciclos de revisão historiográfica que se impõem devido a novas descobertas, a verdade é que nem as Academias estão imunes às “modas” de cada tempo, pelo que é sempre necessário ter presente um olhar crítico, reconhecendo que a popularidade de uma ideia não garante a sua precisão ou factualidade. Em certos casos, incluindo o meio académico, fazem por ignorar que também houve as conquistas islâmicas a partir de 632 de regiões em que os cristãos já lá habitavam há muito tempo.

Em alguns contextos, a narrativa histórica tem subestimado e omitido aspetos das conquistas islâmicas após a morte de Maomé em 632. Essas conquistas tiveram um impacto profundo em regiões onde comunidades cristãs e outras religiões já existiam há séculos. Após a morte de Maomé, o mundo islâmico entrou numa fase de rápida expansão territorial. O califado islâmico conquistou vastas áreas, incluindo partes significativas do Império Bizantino e da Pérsia Sassânida. Regiões como o Egito, Síria, Palestina e Norte da África, que tinham populações cristãs consideráveis, foram incorporadas no mundo islâmico. Essas áreas já possuíam uma presença cristã estabelecida desde o século I d.C., e muitas delas foram centros importantes para o cristianismo primitivo. Em algumas narrativas autorremetidas para a correção da culpa e do ressentimento, verifica-se a tendência para recortar apenas a brutalidade das Cruzadas Francas e Romanas, sem considerar as legítimas reações dos dois lados. E, no entanto, o descalabro histórico das conquistas muçulmanas que varreram todo o Norte de África e a Península Ibérica, não foi despiciendo no que respeita aos seus efeitos nas comunidades cristãs locais.

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