quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Cristianismo e Islamismo - duas religiões de sucesso na multietnicidade



A ideia de uma cristandade unida ajudou a criar uma identidade comum entre os povos europeus, substituindo a identidade romana. A multietnicidade tem sido mais a regra do que a exceção na organização dos povos ao longo da história. A convivência de diferentes grupos étnicos em um mesmo território é um fenómeno histórico comum, resultante de várias dinâmicas, incluindo migrações, comércio, guerras, casamentos interétnicos e a formação de impérios e estados multinacionais. O sucesso do cristianismo é um fenómeno difícil de explicar na medida em que uma seita do povo judeu não era vista como fazendo parte de uma tradição antiga com raízes históricas. É um fenómeno intrigante, considerando as origens como uma seita dentro do judaísmo. No entanto, vários fatores contribuíram para a sua rápida expansão e aceitação, apesar de não ser inicialmente vista como parte de uma tradição antiga com raízes históricas profundas.

Diferentemente de muitas religiões antigas, o cristianismo apresentava uma mensagem universalista, oferecendo salvação e esperança a todos, independentemente da sua origem étnica ou classe social. Isso atraiu uma ampla gama de pessoas, que começou por predominar nos escravos, mas depois estendeu-se às elites. O Império Romano, que tinha uma fabulosa rede que facilitava as viagens, quer por terra, quer por mar, facilitou a disseminação das ideias cristãs. Os apóstolos, especialmente Paulo, puderam viajar extensivamente e espalhar a mensagem de Jesus. As primeiras comunidades cristãs estabeleceram redes eficazes de comunicação e apoio mútuo, o que ajudou a fortalecer e expandir o movimento.

Paradoxalmente, as perseguições ajudaram a fortalecer a fé dos cristãos e a divulgar a sua causa. Os mártires eram vistos como exemplos de fé e coragem, inspirando outros a se juntarem à religião. O cristianismo mostrou uma capacidade notável de se adaptar a diferentes culturas e contextos. À medida que se expandia, integrava elementos das culturas locais, tornando-se mais acessível e atraente para diversos povos. A conversão do imperador Constantino e o subsequente Édito de Milão em 313 d.C., que concedeu liberdade religiosa aos cristãos, foram pontos de viragem significativos. Com o apoio imperial, o cristianismo deixou de ser uma seita perseguida para se tornar a religião dominante do Império Romano. De um modo diferente do islamismo, esses fatores, entre outros, contribuíram para que o cristianismo, tendo começado como um movimento marginal, se tenha transformado numa das religiões mais influentes do mundo. 

Impérios antigos, como o Romano, o Otomano e o Persa, são exemplos clássicos de entidades políticas que incluíam uma grande diversidade étnica. Esses impérios administravam vastos territórios habitados por povos com diferentes línguas, religiões e culturas. A multietnicidade também era evidente em cidades comerciais ao longo das rotas da seda, onde mercadores e viajantes de diversas origens se encontravam. Mesmo em tempos modernos, muitos países são caracterizados pela diversidade étnica. Estados Unidos, Brasil, Índia e a maioria dos países africanos possuem populações etnicamente diversas. A globalização e a migração contemporânea continuam a moldar e aumentar essa diversidade.

Portanto, a multietnicidade tem sido uma característica persistente e generalizada nas sociedades humanas ao longo da história, desafiando a ideia de que os grupos étnicos vivem isoladamente. Na Europa, o cristianismo foi o cimento que serviu para unir e desvalorizar a relevância dos preconceitos entre os grupos étnicos. O cristianismo desempenhou um papel significativo na Europa como uma força unificadora, ajudando a criar uma identidade comum entre diversos grupos étnicos. Desde a sua adoção oficial pelo Império Romano no século IV, o cristianismo tornou-se a religião dominante na Europa, influenciando profundamente a cultura, a política e as relações sociais.

O latim, como a língua da Igreja e da educação, facilitou a comunicação e a troca de ideias entre diferentes regiões. A Igreja Católica Romana e mais tarde as Igrejas Ortodoxa e Protestante estabeleceram uma rede de instituições (igrejas, mosteiros, universidades) que promoveu uma identidade cristã comum. Os ensinamentos cristãos influenciaram as leis e os códigos morais, promovendo a justiça, a caridade e a coesão social. Reis e imperadores muitas vezes justificavam o seu poder através da religião, como o conceito de "direito divino dos reis".

O cristianismo pregava a igualdade de todos perante Deus, o que ajudava a atenuar preconceitos baseados na etnia. O esforço missionário para converter diferentes povos ao cristianismo ajudou a integrar diversas etnias na comunidade cristã. No entanto, é importante notar que, apesar desses aspetos unificadores, o cristianismo também foi, por vezes, fonte de divisão e conflito. Diferenças teológicas levaram a cismas, como a separação entre a Igreja Católica e a Ortodoxa em 1054, e a Reforma Protestante no século XVI. Além disso, preconceitos étnicos e religiosos não desapareceram completamente e frequentemente foram reconfigurados em novas formas de discriminação, como a hostilidade contra judeus e muçulmanos.

A Igreja Católica Romana continuou a usar o latim como língua litúrgica e administrativa, promovendo uma continuidade cultural que transcendeu a fragmentação política do império. Muitos símbolos e tradições romanas foram incorporados ao cristianismo, criando uma continuidade simbólica e cultural. A estrutura hierárquica da Igreja Católica, com o Papa em Roma como autoridade suprema, espelhava a antiga centralização administrativa do Império Romano. As dioceses da Igreja muitas vezes coincidiam com as antigas divisões administrativas romanas, proporcionando uma continuidade geográfica e administrativa. As peregrinações a lugares santos e os concílios ecumênicos ajudaram a manter uma comunicação e interação entre diferentes regiões.

Apesar de seu papel unificador, o cristianismo não conseguiu evitar completamente a fragmentação política da Europa. As invasões bárbaras, as divisões internas na Igreja (como o Grande Cisma de 1054 e a Reforma Protestante) e as rivalidades entre os reinos medievais frequentemente resultaram em conflitos e divisões. O cristianismo romano desempenhou um papel crucial na substituição da unidade política e cultural do Império Romano, oferecendo uma nova forma de coesão baseada na religião, cultura e organização eclesiástica. No entanto, essa unidade foi frequentemente desafiada por fatores políticos, sociais e religiosos ao longo da história.

O islamismo também teve uma expansão fulgurante, mas deveu-se à ideologia de conquista pela via militar. A expansão do islamismo, que também foi rápida e impressionante, teve sim um componente militar significativo, especialmente durante os primeiros séculos. No entanto, atribuir o seu sucesso exclusivamente à conquista militar seria uma simplificação excessiva. Vários fatores contribuíram para a disseminação do islamismo. Maomé conseguiu unificar as tribos árabes sob a bandeira do islamismo, criando uma comunidade coesa e motivada. Essa unificação proporcionou uma base sólida para a expansão inicial. As campanhas militares certamente desempenharam um papel importante. Após a morte de Maomé, os califas lançaram uma série de campanhas que resultaram na rápida expansão do território islâmico, abrangendo vastas áreas da Península Arábica, Norte da África, Península Ibérica e Médio Oriente. Em relação aos povos conquistados os árabes islâmicos muitas vezes adotaram políticas relativamente tolerantes. Cristãos, que já era o que mais havia, bem como judeus, eram considerados professarem um tipo de religião que tinha um Livro. E com esse estatuto de dhimmi, permitia-lhes praticar a religião em troca de um imposto - jizya. Essa tolerância relativa ajudou a prevenir rebeliões e facilitou a assimilação.

A estrutura administrativa e o sistema legal do islamismo, baseados na Sharia, proporcionaram um modelo de administração política que era eficiente e, em muitos casos, mais justo do que os sistemas anteriores. Isso aumentou a aceitação do novo poder político entre as populações conquistadas. A localização estratégica do mundo islâmico, na encruzilhada das rotas comerciais entre Europa, Ásia e África, facilitou não apenas o comércio, mas também a disseminação de ideias. Os comerciantes muçulmanos desempenharam um papel crucial na disseminação do islamismo em regiões distantes, como a África Subsaariana, Índia e Sudeste Asiático.

O islamismo também se destacou por sua florescente cultura e conhecimento. Durante a Idade de Ouro Islâmica, o mundo islâmico tornou-se um centro de cultura e inovação científica, atraindo estudiosos e intelectuais de várias partes do mundo. Esse desenvolvimento cultural e científico ajudou a consolidar a influência islâmica. Muitas conversões ao islamismo foram voluntárias, motivadas pela atração dos princípios religiosos, sociais e económicos do Islão. A igualdade e a justiça social promovidas pelo islamismo atraíram muitas pessoas que viviam em sociedades altamente estratificadas.

A combinação de fatores militares, administrativos, económicos, culturais e religiosos ajudou a garantir a duradoura influência do islamismo num tão vasto espaço geográfico e de povos. Começando em 632, já em 750 se estendia desde quase toda a Península Ibérica, a ocidente, até Cabul e Samarcanda a oriente. A expansão do Islão entre 632 e 750 é um exemplo notável de rápida disseminação religiosa e territorial. A seguir se elencam alguns dos principais eventos e fatores que explicam como essa expansão aconteceu. A unificação que se desenvolve no califado de Rashidun, começa com o califa Abu Bakr após a morte de Maomé. As suas campanhas consolidaram o controlo sobre a Península Arábica. Depois seguiu-se-lhe Umar ibn al-Khattab (634-644). Sob seu califado, os muçulmanos conquistaram grandes partes do Império Bizantino e do Império Sassânida. Tomaram Damasco (636), Jerusalém (638), e outras cidades importantes. Uthman ibn Affan (644-656) e Ali ibn Abi Talib (656-661) continuaram a expansão e a consolidação do território islâmico.

De 661 até 750 o califado prosseguiu com a dinastia Omíada. Muawiya I (661-680) foi o fundador da dinastia Omíada. Estabeleceu Damasco como a capital, centralizando o poder e promovendo a administração eficaz. E deu-se então a Expansão na África do Norte e Península Ibérica. A partir de 647, os muçulmanos avançaram pelo Norte da África, completando a conquista em 710. E em 711, liderados por Tariq ibn Ziyad, os muçulmanos atravessaram o Estreito de Gibraltar e derrotaram os visigodos na Batalha de Guadalete, estabelecendo o Al-Andalus.

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