quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Os rios Senegal e Gâmbia na época das caravelas

 

Estamos abordando a época das caravelas, quando elas navegando e explorando a costa ocidental de África até ao golfo da Guiné davam novos mundos ao mundo. Possivelmente estou-me referindo à exploração portuguesa ao longo do rio Senegal e rio Gâmbia, onde "Bati" e "Niumi" podem ser pontos geográficos ao longo do rio da Gâmbia. Esse rio era uma rota importante durante a era das navegações das caravelas henriquinas, que depois outros exploradores europeus sulcaram em busca de novas oportunidades comerciais.

A Gâmbia, um pequeno país da África Ocidental que faz fronteira com o Senegal, tem apenas um estreito litoral na costa do Atlântico. A nação é conhecida por seus ecossistemas diversos ao redor do rio Gâmbia, que corre em seu centro. A vida selvagem é abundante, estando presente no Parque Nacional Kiang West e na Reserva Pantanosa de Bao Bolong. Ela inclui macacos, leopardos, hipopótamos, hienas e pássaros raros. A capital Banjul e a cidade vizinha de Serrekunda dão acesso a praias.



Estamos a falar do tempo de heróis lendários da navegação e cartografia - Diogo Gomes, Álvaro Fernandes de Dornelas, ou Alvise Cadamosto - os quais fizeram várias viagens à costa da África Ocidental. Álvaro Fernandes de Dornelas foi um dos capitães enviados por Dom Henrique para explorar a costa da Guiné no contexto das descobertas portuguesas. Ele é conhecido por ter participado de várias expedições ao longo da costa oeste da África, contribuindo para o conhecimento geográfico e comercial na região, muito proveitoso inicialemnte para os portugueses. A morte de Álvaro Fernandes de Dornelas, durante uma dessas expedições, é um exemplo das dificuldades e riscos enfrentados pelos exploradores marítimos dessa época.

Cadamosto faz então uma descrição relativamente correta do que se passava no interior da África e da natureza do comércio caravaneiro, o suficiente para sabermos que o conhecimento do Infante Dom Henrique da Geografia Africana naquele tempo já era substancial. Era o ouro vindo das profundezas misteriosas. O comércio era mudo quanto à troca de ouro que se fazia por sal. Por isso deu em lenda, uma lenda que de resto era muito antiga, já Heródoto falava dela. E os autores árabes continuavam pelos vistos a excitar a imaginação de quem os ouvia e lia.  A viagem prossegue, e Cadamosto chega ao rio Senegal onde habitam os negros chamados azenegues. Diz que ouviu dizer que este Rio é um dos cursos do Paraíso terrestre e que dele nasce o Nilo. Uma fantasia generalizada que demorou muito tempo a deslindar.

Alvise Cadamosto, como muitos de seus contemporâneos, tinha uma compreensão limitada da geografia africana, e havia várias concepções erróneas comuns na época. Uma dessas ideias era a crença de que o rio Senegal poderia ser uma extensão do rio Nilo, ou estar conectado a ele de alguma forma. No século XV, o conhecimento europeu sobre a geografia africana era bastante limitado. Muitos mapas e textos geográficos da época continham erros e conjecturas sobre as características e cursos dos rios africanos. A obra de Ptolomeu - "Geografia" - escrita no século II, foi uma das principais referências para os cartógrafos medievais e renascentistas. Ptolomeu descrevia o Nilo como tendo as suas fontes nas Montanhas da Lua, uma área nebulosa que muitos tentavam localizar. Durante as explorações na África Ocidental, Cadamosto navegou pelo rio Senegal e fez observações sobre a região. No entanto, ele e outros exploradores da época não tinham conhecimento preciso das bacias hidrográficas africanas. Cadamosto, como outros, pode ter sido influenciado pelas crenças de que grandes rios africanos, como o Senegal, poderiam estar conectados a sistemas fluviais maiores, como o Nilo. Eles não tinham informação precisa sobre essa geografia.



Foi somente com explorações mais detalhadas e cartografias mais precisas que essas concepções erróneas começaram a ser corrigidas. Exploradores como Mungo Park, no final do século XVIII, ajudaram a mapear a verdadeira extensão dos rios africanos, como o Níger, e a esclarecer que não havia conexão direta entre o rio Senegal e o rio Nilo. A melhoria nas técnicas de navegação e na ciência cartográfica ao longo dos séculos XVII e XVIII foi crucial para corrigir esses equívocos. Expedições terrestres e fluviais mais aprofundadas ajudaram a estabelecer uma compreensão mais precisa da hidrografia africana.

As crenças têm impactos, e as erróneas influenciavam tanto ou mais que as certas, tanto mais quando o segredo era, e sempre foi, a alma do negócio. A concorrência sempe foi tremenda. Muitos buscavam rotas fluviais que acreditavam serem atalhos para regiões ricas, mas que a maior parte das vezes eram apenas mitológicas. E à volta do mito do Preste João circulava o Nilo e a Etiópia. Tanto mais que na Etiópia havia um reino cristão cercado por um mundo islâmico. Essas concepções também alimentavam a imaginação e as narrativas sobre o continente africano, contribuindo para a rica tapeçaria de mitos e lendas sobre a geografia e os povos africanos.


Durante a Era dos Descobrimentos, a origem do ouro africano era envolvida em mistérios. A desinformação era tanto deliberada como acidental. Vários fatores contribuíram para isso. Os portugueses e outros europeus que chegaram à África estavam em intensa competição para controlar as fontes do ouro que vinha do interior das regiões subsarianas, que hoje é designado por Sahel e ainda muito dispotado por superpotências. Portanto, era crucial manter a localização exata da origem do ouro em segredo. Era uma estratégia bem gizada para desviar competidors rivais do caminho. Nos séculos XV e XVI, o conhecimento geográfico de África era limitado a muito pouca gente, e muitas vezes baseado em relatos duvidosos, num jogo do gato e do rato. Exploradores e comerciantes tinham de trabalhar as hipóteses sobre informação muito fragmentada entre marinheiros e comerciantes árabes. 

As histórias das riquezas douradas do rei Mansa Musa de Mali eram famosas. Essas lendas alimentavam a imaginação dos europeus, mas não forneciam informação precisa. Os próprios reinos africanos tinham motivos para manter a origem do ouro em segredo. Controlar o comércio do ouro era uma fonte significativa de poder e riqueza para muitos reinos e líderes africanos. Eles poderiam desinformar deliberadamente os europeus para proteger as suas fontes de riqueza. Muitos exploradores e comerciantes europeus tinham um entendimento limitado ou às vezes intencionalmente confuso sobre as rotas exatas e as origens do ouro que encontravam. 

As caravelas eram navios ágeis e manobráveis, projetados para navegação costeira e em águas interiores, como rios. Essas características permitiram aos exploradores portugueses navegar pelo rio Gâmbia e explorar o interior da África Ocidental. Diogo Gomes, em particular, é mencionado por ter subido o rio Gâmbia durante uma das suas viagens por volta de 1456. A exploração do rio Gâmbia e outras áreas ao longo da costa africana ajudou a expandir o conhecimento europeu sobre a geografia da região. É natural que uma caravela estrangeira subindo o rio Gâmbia atraísse a curiosidade do povo local. Naquela época, os encontros entre os europeus e as populações africanas eram eventos marcantes e cheios de novidades para ambos os lados. As caravelas representavam uma tecnologia naval avançada que provavelmente era desconhecida para muitas comunidades locais. A configuração e a capacidade de navegação desses navios eram impressionantes e naturalmente atraíam a atenção. As populações locais estariam interessadas nas possibilidades de comércio que os europeus poderiam oferecer. Tecidos e ferramentas de metal eram produtos de troca valiosos.

A chegada de estrangeiros com costumes diferentes, vestidos de outro tipo de roupa, seria acontecimento raro. As populações locais estariam interessadas em avaliar se os recém-chegados representavam uma ameaça ou uma oportunidade para alianças. Esse interesse estratégico era fundamental para a segurança e o bem-estar das comunidades. Os encontros proporcionavam oportunidades para trocas culturais e conhecimento mútuo. Essas interações iniciais entre os exploradores europeus e as populações africanas envolviam uma mistura de curiosidade, comércio, e naturalmente algum conflito como não podia deixar de ser. 

Em 1439, Tombuctu caiu sob o controlo dos tuaregues. Tombuctu, uma cidade histórica no Mali, era um importante centro de comércio. Fundada no século XI, Tombuctu floresceu como um ponto de encontro para comerciantes, intelectuais e viajantes, ponto nevrálgico pela sua localização estratégica nas rotas comerciais do Sahel. Os tuaregues, um povo berbere nómada do deserto do Saara, tomaram a cidade e imprimiram uma mudança significativa no controlo político da região. No entanto, não conseguiram manter a cidade por muito tempo. Em 1468, Tombuctu foi reconquistada pelo Império Songai sob o comando de Suni Ali Ber.

Esta sequência dos acontecimentos demonstra com era a natureza dinâmica da região de Tombuctu durante o período medieval. A cidade continuou a ser um centro vital de comércio e partilha de culturas e conhecimento científico, atraindo estudiosos de toda a região. Segundo os relatos de Diogo Gomes, após a sua estada em Cantor, atualmente identificada com a Ilha de Kunta Kinteh, no rio Gâmbia, retornou rio abaixo para a caravela que havia deixado em Wudi. Essas explorações foram parte dos esforços portugueses para mapear a costa da África Ocidental e estabelecer relações comerciais com os povos locais. A habilidade das caravelas em navegar nas águas rasas dos rios permitiu que exploradores portugueses penetrassem no interior africano e interagissem diretamente com as comunidades que encontravam ao longo do percurso. 

Durante as explorações de Diogo Gomes, parte da sua tripulação foi dizimada por doenças. A doença era uma ameaça constante para os marinheiros. Os europeus não estavam imunizados para as doenças tropicais que tinham de enfrentar em África, como a malária e a febre amarela. Essas doenças frequentemente afetavam gravemente os navegadores que não tinham imunidade natural. Por outro lado, as condições a bordo das caravelas eram muito insalubres, com pouco espaço, ventilação inadequada e má higiene, o que facilitava a propagação de doenças. O armazenamento inadequado de alimentos e água a bordo das embarcações podia levar à contaminação e doenças como o escorbuto, que resultava da deficiência de vitamina C. A exposição prolongada ao ambiente marítimo e a locais desconhecidos aumentava as chances de contrair doenças locais.

Além das doenças, outros desafios ambientais, como o calor intenso, a humidade e as condições climáticas adversas, também contribuíram para as dificuldades enfrentadas pelos europeus na Guiné. Esses "maus ares" foram uma explicação simplificada na época para os perigos reais e complexos que os exploradores enfrentavam. Com o tempo, medidas como o uso de quinino para tratar a malária e o desenvolvimento de estratégias de higiene e saúde pública ajudaram a mitigar esses riscos, permitindo uma presença europeia mais sustentada na região. No entanto, os desafios iniciais na zona da Guiné marcaram profundamente a história das explorações europeias na África Ocidental.

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