sábado, 31 de agosto de 2024

Atenas no século VI a.C.


No século VI a.C. a Grécia passava por grandes transformações políticas, sociais e económicas. Durante esse tempo, Atenas enfrentava uma intensa crise interna, marcada por conflitos entre diferentes classes sociais. A sociedade ateniense estava profundamente dividida entre os nobres (eupátridas), que detinham a maior parte das terras e do poder, e as classes mais baixas, compostas principalmente por pequenos agricultores, comerciantes e artesãos, muitos dos quais estavam endividados e em risco de serem escravizados.

Para lidar com essa crise e evitar uma guerra civil, os atenienses escolheram Sólon como arconte e legislador em 594/593 a.C. Sólon era um dos "Sete Sábios da Grécia", conhecido por sua sabedoria e justiça. Sua missão era reformar o sistema político e económico de Atenas para trazer estabilidade e aliviar as tensões sociais. Ele cancelou todas as dívidas dos pequenos agricultores e proibiu a escravização por dívida, libertando aqueles que já haviam sido escravizados. Sólon reorganizou a estrutura política de Atenas, criando um sistema baseado na riqueza em vez do nascimento. Ele dividiu os cidadãos atenienses em quatro classes, de acordo com sua renda, e determinou os direitos políticos de cada grupo, permitindo que os mais ricos tivessem mais poder, mas também garantindo certa participação dos mais pobres.

Criação da Eclésia e do Tribunal Popular: Sólon estabeleceu a Eclésia, uma assembleia que permitia que todos os cidadãos livres participassem na tomada de decisões importantes, e o Helieia, um tribunal popular onde os cidadãos podiam servir como jurados. As reformas de Sólon não resolveram completamente as tensões sociais, mas criaram uma base para o desenvolvimento da democracia ateniense nas décadas seguintes. Ele é lembrado como um dos grandes reformadores de Atenas, cuja obra ajudou a prevenir uma guerra civil e colocou a cidade no caminho da democracia. Sólon é muitas vezes lembrado por sua recusa em se tornar um tirano, apesar de ter recebido poderes quase ilimitados para implementar as suas reformas em Atenas. Ele estabeleceu leis justas que pudessem trazer equilíbrio e estabilidade à sociedade ateniense.

Para a época, as reformas de Sólon eram muito progressistas. Visavam aliviar as tensões entre as classes sociais, mas o povo ateniense ainda não estava completamente preparado para absorver e entender todas as suas ideias. As mudanças que ele implementou criaram um equilíbrio de poder, mas também geraram resistência tanto da elite quanto das classes mais baixas. A elite, composta pelos aristocratas, sentiu que suas prerrogativas estavam sendo ameaçadas, enquanto os mais pobres esperavam que as reformas fossem mais radicais, talvez redistribuindo as terras de forma mais equitativa. Além disso, as novas estruturas políticas que Sólon estabeleceu, como a Eclésia e o Helieia, levariam tempo para se consolidar e ganhar a confiança da população.

Apesar das dificuldades iniciais na aceitação de suas ideias, as reformas de Sólon são consideradas um passo crucial no desenvolvimento da democracia ateniense. Ele lançou as bases para a estrutura política que, eventualmente, permitiria que a democracia florescesse em Atenas no século V a.C. Após implementar as reformas, Sólon deixou Atenas por cerca de dez anos, numa espécie de exílio autoimposto, acreditando que a sua ausência permitiria que as leis fossem testadas sem a sua influência direta. No entanto, na sua ausência, as divisões internas continuaram, e Atenas passou por períodos de instabilidade, culminando na ascensão de Pisístrato, que acabou por se tornar um tirano em 561 a.C.

Pisístrato, apesar de tirano, transformou a Acrópole num local de culto espetacular, e deu nova vida às Panateneias, um dos festivais religiosos mais importantes de Atenas, que honrava a deusa Atena, padroeira da cidade. Sob o seu governo, as Panateneias foram ampliadas, tornando-se um evento ainda mais grandioso e inclusivo, com competições atléticas, musicais e poéticas, além de procissões religiosas. A Grande Panateneias, que ocorria a cada quatro anos, foi especialmente destacada, atraindo participantes de toda a Grécia e fortalecendo o prestígio de Atenas.

Pisístrato, embora um tirano em Atenas, é amplamente reconhecido por suas contribuições significativas para o desenvolvimento cultural, religioso e económico da cidade. Seu governo, que se estendeu de maneira intermitente de 561 a.C. até à sua morte em 527 a.C., é frequentemente lembrado como um período de florescimento para Atenas. Uma de suas realizações mais notáveis foi a transformação da Acrópole num centro religioso de grande importância. Ele iniciou projetos de construção que mais tarde foram expandidos por seus sucessores, incluindo a construção de templos e santuários que fizeram da Acrópole um local de culto espetacular. Isso não apenas reforçou a identidade religiosa dos atenienses, mas também consolidou a Acrópole como o coração espiritual e cultural da Grécia.

Além de suas realizações culturais e religiosas, Pisístrato também promoveu reformas económicas que beneficiaram os pequenos agricultores e incentivou o comércio e as artes. Ele ordenou a distribuição de terras entre os cidadãos mais pobres e introduziu nova moeda, que ajudou a impulsionar a economia ateniense. Apesar de sua tirania, Pisístrato governou com um certo grau de moderação e popularidade. Seu regime é frequentemente visto como um período de estabilidade e crescimento que preparou o terreno para o desenvolvimento posterior da democracia ateniense, especialmente sob o governo de seus filhos, Hiparco e Hípias, e, mais tarde, sob os reformadores democráticos como Clístenes.

Foi neste tempo que se desenvolveu um outro culto em Elêusis. Durante o período da tirania de Pisístrato, no século VI a.C., o culto aos Mistérios de Elêusis ganhou maior proeminência e se desenvolveu significativamente. Elêusis, uma pequena cidade localizada a cerca de 20 km a noroeste de Atenas, tornou-se o centro de um dos cultos religiosos mais importantes e misteriosos da Grécia antiga. Os Mistérios de Elêusis estavam ligados ao mito de Deméter e Perséfone, que simbolizava o ciclo das colheitas e a renovação da vida. O culto era secreto e reservado àqueles que haviam sido iniciados, sendo conhecido por seus rituais de iniciação que prometiam aos participantes uma experiência espiritual profunda e a esperança de uma vida após a morte.

Pisístrato, que tinha um interesse especial em promover a religiosidade como meio de unificação e controlo social, foi um grande incentivador desse culto. Ele ampliou as celebrações dos Mistérios de Elêusis e provavelmente patrocinou a construção ou renovação de templos e infraestruturas em Elêusis para acomodar o crescente número de participantes. Sob Pisístrato, os Mistérios de Elêusis foram integrados ao calendário religioso oficial de Atenas, e a cidade-estado começou a exercer maior controlo sobre o santuário de Elêusis. As celebrações anuais dos Mistérios Maiores, que ocorriam no outono, tornaram-se eventos de grande importância, atraindo peregrinos de toda a Grécia.

Esse culto, com seus ritos de iniciação e promessas de uma vida após a morte, teve um impacto profundo na religiosidade grega, influenciando não apenas a vida espiritual dos atenienses, mas também o pensamento religioso em toda a Grécia. Ele continuou a ser praticado e a influenciar o pensamento religioso até ao final da Antiguidade, sendo um dos cultos mais duradouros e venerados do mundo grego. Os Mistérios de Elêusis eram divididos em duas partes: os Mistérios Menores e os Mistérios Maiores. A deusa Deméter, associada à agricultura e à fertilidade, era a principal divindade do culto, juntamente com sua filha Perséfone, cujo mito do rapto por Hades e retorno anual era central nos rituais, simbolizando a renovação cíclica da vida e das colheitas.

Em Elêusis, portanto, atingia-se um estado modificado de consciência, a que chamavam "ekstasis" Este termo, do grego antigo, significa literalmente "estar fora de si" ou "estar fora de sua posição habitual". No contexto dos Mistérios de Elêusis, "ekstasis" se referia a um estado de transcendência em que os iniciados experimentavam uma forma de êxtase espiritual, permitindo-lhes uma perceção profunda e mística da realidade e do divino. Esse estado era induzido através de uma combinação de elementos rituais, como o uso de cânticos, danças, símbolos sagrados, e possivelmente a ingestão de uma bebida sagrada chamada kykeon, que pode ter contido substâncias psicotrópicas. A experiência extática permitia aos iniciados uma conexão direta com as divindades, principalmente Deméter e Perséfone, e uma visão intuitiva das verdades espirituais do ciclo da vida, morte e renascimento.

Nos Mistérios de Dioniso, os participantes, principalmente as ménades (ou bacantes), buscavam entrar em estados de transe ou êxtase que eram considerados formas de elevação da consciência. Dioniso, o deus do vinho, da fertilidade e do êxtase, estava profundamente associado a essas experiências extáticas e rituais. Esses ritos dionisíacos frequentemente envolviam danças frenéticas, música intensa, cânticos e a ingestão de vinho, que ajudavam a induzir estados alterados de consciência. Em tais estados, os participantes acreditavam estar possuídos pelo espírito de Dioniso, experimentando uma união mística com o deus. Esse transe coletivo era considerado uma forma de transcendência, permitindo que os participantes rompessem com as normas sociais e pessoais e mergulhassem numa experiência espiritual intensa. Este estado era visto como uma forma de purificação e uma conexão direta com o divino, onde os limites entre o eu e o mundo exterior se dissolviam. Através desses rituais, os seguidores de Dioniso acreditavam que podiam aceder a uma realidade mais profunda e libertadora, escapando temporariamente das restrições da vida quotidiana e tocando algo de essencial e primordial dentro de si mesmos.

Por outro lado, foi também uma época em que floresceram mais duas seitas esotéricas: a de Orfeu e a de Pitágoras. Além dos Mistérios de Elêusis e dos ritos dionisíacos, as seitas esotéricas de Orfeu e Pitágoras também floresceram, cada uma com as suas próprias práticas e filosofias esotéricas. O orfismo era baseado nas tradições atribuídas a Orfeu, um lendário poeta e músico. Os orfistas acreditavam na reencarnação e na necessidade de purificar a alma através de rituais, ascetismo e a observância de práticas específicas. A filosofia orfista também incluía uma visão mística da natureza e do cosmos, e o uso de hinos e cânticos dedicados às divindades para alcançar um estado elevado de consciência. O pitagorismo fundado por Pitágoras, era tanto uma escola filosófica como uma seita esotérica. Os pitagóricos viam a matemática como a chave para compreender a ordem cósmica e a harmonia universal. Eles acreditavam que os números e as proporções matemáticas eram fundamentais para a estrutura do universo. Além disso, o pitagorismo incluía aspetos de ascetismo e de vida comunitária, com um forte foco na purificação da alma e na busca pelo conhecimento.

Ambas as seitas compartilhavam uma ênfase na purificação espiritual e no desenvolvimento da alma, mas cada uma tinha as suas abordagens distintas para alcançar esses objetivos, refletindo a diversidade de pensamentos esotéricos e filosóficos da Grécia Antiga. Foi sem dúvida um tempo muito fértil, em que também se começa a erguer a ciência em Mileto, com Tales. A Grécia Antiga, especialmente no período do século VI a.C., foi uma época de grande fermentação intelectual e cultural. Em Mileto, um centro de pensamento no litoral da Ásia Menor, surgiram figuras-chave que marcaram o início da ciência e da filosofia ocidentais. Tales de Mileto é frequentemente considerado um dos primeiros filósofos e cientistas da história ocidental. Ele é conhecido por tentar explicar o mundo natural através de princípios racionais e observacionais, em vez de mitos ou explicações religiosas. Tales propôs que a água era o princípio fundamental (archê) de todas as coisas, uma ideia que representava uma tentativa precoce de encontrar uma substância universal subjacente à diversidade do mundo natural.

Além de Tales, outros pensadores de Mileto, como Anaximandro e Anaxímenes, também contribuíram para o desenvolvimento precoce da filosofia e da ciência, explorando a natureza do cosmos e os princípios que governam a realidade. Essa era de inovação em Mileto, e em outras partes da Grécia, representou um movimento significativo para além das explicações míticas tradicionais e estabeleceu as bases para a ciência empírica e a filosofia. A busca por explicações racionais e a observação sistemática do mundo natural foram marcos importantes do pensamento grego antigo, e tiveram um impacto duradouro na tradição intelectual ocidental.

Os intelectuais milesianos desenvolveram as suas especulações por elas mesmas e lançaram assim os fundamentos do futuro racionalismo ocidental. Foram pioneiros na transição do pensamento mitológico para o racional. Eles buscaram explicações baseadas na observação e na razão. Esses filósofos se afastaram das explicações tradicionais baseadas em mitos e crenças religiosas, propondo em vez disso que o cosmos poderia ser compreendido através de princípios naturais e universais.


Os primeiros parceiros comerciais dos gregos clássicos foram os cananeus a quem os gregos chamavam fenícios. Os fenícios eram um povo semita que habitava a região da costa do atual Líbano e partes da Síria e Israel. Eles eram renomados navegadores e comerciantes no Mediterrâneo, e foram responsáveis por estabelecer uma extensa rede de comércio que ia do Mediterrâneo Ocidental até ao Próximo Oriente. Os gregos mantinham uma relação comercial estreita com os fenícios, especialmente no que se refere à troca de bens como metais, madeira, tecidos, e produtos de luxo, como o famoso corante púrpura de Tiro. Além de produtos materiais, essa interação também facilitou o intercâmbio cultural, incluindo a transmissão do alfabeto fenício, que os gregos adaptaram e que se tornou a base do alfabeto grego.

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