quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Declaração de guerra ou violência anárquica e constante



Parece paradoxal, mas a declaração de guerra convencional é melhor do que a alternativa da violência quotidiana constante em anarquia. Há uma lógica por trás desta afirmação. Em um estado de guerra convencional, mesmo que a violência seja intensa, há regras e estruturas que a regulamentam. As partes envolvidas normalmente seguem protocolos e convenções, o que pode limitar a brutalidade e oferecer algum grau de previsibilidade.

Por outro lado, em Anarquia, onde não há um governo central ou um sistema de leis eficaz, a violência pode ser mais caótica e incessante. Sem um sistema de justiça ou mecanismos de mediação, as disputas podem escalar de maneira descontrolada e contínua, levando a um estado de constante insegurança e sofrimento. Portanto, apesar das consequências devastadoras da guerra convencional, a ordem relativa e as regras podem, paradoxalmente, oferecer uma forma de estabilidade em comparação com a anarquia, onde a ausência de governança pode resultar em uma violência mais aleatória e prolongada.

O Processo Civilizacional de Norbert Elias foi publicado em 1939. Não poderia haver um sentido de oportunidade pior para publicar as suas ideias. E, todavia, Norbert Elias estava certo. "O Processo Civilizacional" de Norbert Elias foi publicado num momento histórico tumultuoso, pouco antes de ter começado a Segunda Guerra Mundial. Apesar do contexto adverso, Elias apresentou uma análise profunda e perspicaz sobre o desenvolvimento das sociedades ocidentais, explorando como os processos de civilização e controlo social moldaram comportamentos e estruturas sociais ao longo do tempo.

A civilização não é um fenómeno linear e inevitável, mas um processo complexo que envolve mudanças graduais nas normas e comportamentos sociais. Elias descreveu como a ascensão dos estados modernos e o aumento da centralização política levaram a um maior controlo sobre a violência e a regulamentação dos comportamentos individuais. Embora o período de publicação tenha sido especialmente sombrio devido à iminência da guerra, as ideias de Elias acabaram por se tornar bastante influentes e relevantes para compreendermos a evolução das sociedades. Seu trabalho oferece uma perspetiva valiosa sobre a relação entre poder, controlo social e desenvolvimento histórico, mostrando que, mesmo em tempos de crise, há uma continuidade na forma como as sociedades se estruturam e evoluem.

Azar Gat em War in Human Civilization foi convincente ao afirmar que a humanidade domesticou a sua própria violência ao longo de milhares de anos. A humanidade domesticou sua própria violência ao longo dos milénios. Gat sugere que, embora a guerra tenha sido uma constante na história humana, houve uma evolução significativa na forma como a violência se foi organizando e controlando. Ele explica que, nas sociedades pré-modernas, a guerra era muitas vezes brutal e desorganizada, enquanto nas sociedades mais complexas e centralizadas, os conflitos tendem a ser mais regulamentados e institucionalizados. A evolução das instituições políticas, sociais e jurídicas desempenhou um papel crucial na domesticação da violência. O surgimento de estados e sistemas legais estabeleceu regras e limites para a guerra e a violência, transformando as práticas violentas em atividades mais controladas e regulamentadas.

Gat argumenta que a domesticação da violência é um reflexo do desenvolvimento das sociedades humanas, onde o controlo sobre a violência se tornou mais sofisticado à medida que as sociedades se tornaram mais complexas. Assim, a história da guerra e da violência é também uma história de crescente regulamentação e controlo, que reflete a evolução das estruturas sociais e políticas ao longo do tempo.


Ainda assim, Gat tem os seus opositores, como Cacilda Jethá e Christopher Ryan. Em "Sex at Dawn," Ryan e Jethá argumentam que a visão tradicional sobre a evolução da violência e a domesticidade proposta por Gat pode ser simplificada e baseada em premissas questionáveis. Ryan e Jethá defendem que a natureza humana não é tão fortemente orientada para a guerra e a violência quanto algumas teorias sugerem. Eles exploram a ideia de que as sociedades de caçadores-coletores, que precedem as sociedades agrícolas e estatais, eram mais igualitárias e menos violentas do que as sociedades posteriores. Acreditam que a violência e a guerra são em parte consequências das mudanças sociais e económicas ocorridas com a transição para a agricultura e a formação de estados. Ou seja, seguiram à letra as ideias de Rousseau. Enquanto Gat oferece uma visão sobre a domesticação da violência ao longo da história, Ryan e Jethá, destacam a necessidade de considerar múltiplas perspetivas e evidências ao avaliar a evolução da violência e do comportamento humano.

Douglas Fry foi no mesmo sentido de Ryan e Jethá. Douglas Fry, em seus trabalhos como "War, Peace, and Human Nature," oferece uma perspetiva semelhante à de Christopher Ryan e Cacilda Jethá. Fry argumenta que muitas sociedades pré-agrícolas, particularmente as de caçadores-coletores, tendiam a ser menos violentas do que se costuma imaginar. Ele contesta a visão de que a violência e a guerra são inerentes à natureza humana, sugerindo que, em muitas sociedades pré-históricas, havia mecanismos efetivos para resolver conflitos e promover a paz. Fry baseia a sua análise em evidências arqueológicas e etnográficas, que mostram que a violência não era tão prevalente e que a cooperação e a resolução pacífica de disputas eram comuns. Fry também discute como as mudanças sociais e estruturais associadas à agricultura e ao desenvolvimento de estados podem ter aumentado a violência, contrariando a ideia de que a domesticação da violência foi uma evolução natural e linear das sociedades humanas. Sua abordagem é mais crítica das noções de que a guerra e a violência são inevitáveis, sugerindo que a configuração social e a estrutura económica desempenham papéis significativos na prevalência da violência.

Mas foram contrariadas por Joshua Goldstein, Steven Pinker e Jared Diamond. Os seus trabalhos oferecem visões que contrastam com as de Douglas Fry e outros críticos. Cada um desses autores apresenta argumentos que sustentam que a violência tem diminuído ao longo da história e que há uma tendência geral para a redução da violência. Esses autores oferecem uma visão mais otimista sobre o progresso em termos de redução da violência e argumentam que as mudanças sociais e políticas têm contribuído para uma diminuição geral dos conflitos e da violência ao longo da história. Eles fornecem uma perspetiva que contrasta com a ideia de que a violência é uma constante intrínseca à natureza humana, apoiando a ideia de que há uma tendência histórica para a diminuição da violência.

Steven Pinker, em seu livro "The Better Angels of Our Nature," argumenta que, apesar da violência ser uma característica histórica humana, ela tem diminuído significativamente ao longo dos milénios. Pinker usa uma ampla gama de dados históricos, estatísticas e estudos para mostrar que, desde o final da Idade Média, as sociedades têm experimentado uma redução na violência, tanto em guerras quanto em crimes internos. Ele sugere que o avanço da civilização, a ascensão do estado e a evolução das normas sociais desempenharam papéis cruciais nessa redução.

Joshua Goldstein, em "Winning the War on War," também defende a ideia de que a violência e os conflitos armados estão em declínio. Goldstein utiliza dados quantitativos e análises de tendências para demonstrar que a frequência e a intensidade dos conflitos têm diminuído ao longo das últimas décadas. Ele argumenta que, apesar das guerras ainda ocorrerem, a tendência geral é de redução da violência em escala global.

Jared Diamond, em "The World Until Yesterday," explora as diferenças entre sociedades tradicionais e modernas. Ele argumenta que, embora as sociedades tradicionais possam ter sido mais violentas em certos aspetos, a violência em sociedades modernas também não é trivial. Diamond discute como as mudanças sociais e políticas influenciaram a natureza e a frequência da violência, mas não necessariamente de maneira uniforme ou linear.

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