terça-feira, 13 de agosto de 2024

Passar além do Bojador


A passagem do Cabo Bojador, realizada pelo navegador português Gil Eanes em 1434, foi um marco significativo na era dos Descobrimentos Portugueses. Até então, o Cabo Bojador era visto como uma barreira intransponível devido aos mitos e medos sobre as águas traiçoeiras e desconhecidas além dele. A navegação, que Gil Eanes teve como bem-sucedida, provou ser um avanço crucial. Tal feito não caiu do céu, mas teve de rsultar de grandes investimentos financeiros, que não tiveram logo de início o retorno imediato. Essa expedição fazia parte dos esforços contínuos patrocinados pelo Infante Dom Henrique (também conhecido como Henrique, o Navegador) para explorar a costa africana, que, eventualmente, abriria caminho para a descoberta de novas rotas comerciais e a expansão do império português.


Só a partir de 1441 é que a situação começou a mudar quando os navegadores portugueses - Antão Gonçalves e Nuno Tristão - trouxeram os primeiros cativos azenegues (um grupo étnico do norte da África) para Portugal. Esse evento marcou o início do tráfico de escravos africanos pelos portugueses, que passou a gerar um retorno financeiro significativo. Essa nova fonte de lucro incentivou ainda mais as expedições exploratórias e comerciais ao longo da costa africana, contribuindo para a expansão do comércio de escravos, ouro, marfim e outros produtos valiosos. A partir daí, as explorações portuguesas se intensificaram, levando a descobertas e colonizações que estabeleceram Portugal como uma potência marítima e comercial nos séculos seguintes.

O Infante Dom Henrique, além dos investimentos privados, dispunha de recursos significativos da Ordem de Cristo, que ele administrava. A Ordem de Cristo, herdeira da Ordem dos Templários em Portugal, era uma instituição religiosa e militar com vastas propriedades e rendimentos. Sob a liderança de Dom Henrique, os recursos da Ordem foram direcionados para apoiar as expedições marítimas, a construção de navios, e o desenvolvimento de tecnologias náuticas. Esse suporte financeiro e logístico foi essencial para o sucesso das explorações e para a expansão do império português.

O projeto de exploração marítima liderado pelo Infante Dom Henrique foi impulsionado por um desígnio estratégico de longo prazo, apesar da ausência de lucro imediato. Dom Henrique visava estender a influência de Portugal ao longo da costa africana, estabelecendo feitorias e postos avançados que poderiam servir como bases para futuras expansões territoriais e políticas. O domínio das rotas comerciais era essencial para obter acesso direto às riquezas da África e da Ásia, especialmente especiarias, ouro, e outros bens valiosos, eliminando intermediários e aumentando os lucros comerciais. Como administrador da Ordem de Cristo, Dom Henrique também tinha o objetivo de espalhar o cristianismo, convertendo povos não cristãos e combatendo o avanço do Islã na África.

As expedições contribuíram para o avanço do conhecimento náutico e cartográfico, fundamentais para futuras navegações e descobertas. Portugal visava construir um império marítimo que garantiria uma posição dominante no comércio global. Portanto, embora os retornos financeiros imediatos fossem escassos, o investimento contínuo tinha em vista esses objetivos estratégicos de longo prazo que, eventualmente, resultaram no estabelecimento de Portugal como uma potência marítima global.

Nuno Tristão, um dos navegadores e exploradores portugueses do século XV, morreu em uma expedição ao longo da costa da África Ocidental. Ele foi um dos primeiros europeus a explorar esta região. Sua morte ocorreu em 1446, quando ele e sua tripulação foram atacados por nativos niumincas, uma etnia que habitava a região que hoje corresponde à Guiné-Bissau. Os niumincas utilizaram flechas envenenadas no ataque, resultando na morte de Tristão e de vários de seus homens.

A morte de Nuno Tristão deixou o Infante Dom Henrique, também conhecido como Infante de Sagres ou Henrique o Navegador, muito consternado. Dom Henrique foi um dos principais patrocinadores das explorações marítimas portuguesas durante a Era dos Descobrimentos. A perda de um de seus capitães mais experientes e importantes foi um duro golpe para seus esforços de expandir o conhecimento e o domínio português ao longo da costa africana.

Esse acontecimento não apenas representou uma perda pessoal e profissional significativa para o Infante, mas também destacou os riscos e os desafios inerentes às missões de exploração. Mesmo diante desse revés, o Infante Dom Henrique continuou a apoiar e financiar expedições, o que eventualmente levou a avanços significativos nas navegações portuguesas e na descoberta de novas rotas marítimas. Este evento sublinha os perigos enfrentados pelos exploradores portugueses durante a Era dos Descobrimentos, tanto devido às condições naturais desconhecidas quanto aos confrontos com populações locais. A morte de Nuno Tristão pode ter influenciado significativamente as relações entre os europeus e os africanos da época. Geralmente, após eventos como este, os europeus muitas vezes reavaliavam as suas estratégias e abordagens em relação aos povos locais.



Criado desde menino e educado na Câmara do Infante D. Henrique, de cuja Casa foi cavaleiro, e por este destinado aos Descobrimentos, do qual Gomes Eanes de Azurara diz ter sido "o primeiro fidalgo que viu terra de negros", foi homem de grande valor que serviu aquele Príncipe nos Descobrimentos da Costa da Guiné.

Em 1441, Nuno Tristão e Antão Gonçalves foram enviados pelo Infante D. Henrique com a missão de explorar a costa ocidental da África a sul do Cabo Branco. Integrando um mouro que atuava como intérprete, a expedição liderada por Nuno Tristão ultrapassou aquele cabo, à altura o ponto mais meridional atingido pelos exploradores europeus, e durante dois anos permaneceu nas águas do noroeste africano, avançando até ao Golfo de Arguim, na atual costa da Mauritânia, onde adquiriram 28 escravos. Em 1445 navegou até à região da Guiné, encontrando uma terra, que, em contraste com as regiões desérticas a norte, existiam muitas palmeiras e outras árvores e os campos pareciam férteis.

O Infante Dom Henrique era profundamente religioso. Devoto católico, muitas das suas explorações e empreendimentos também eram motivados pela fé cristã, incluindo o desejo de expandir o cristianismo através das explorações marítimas. Por isso, refletir sobre os limites à ideia de barbarismo na guerra contra os infiéis devia suscitar algumas interpelações. É claro que nada terá a ver com as reflexões dos dias de hoje, nessa altura viviam-se as guerras religiosas, especialmente durante períodos históricos marcados por conflitos entre cristãos e não-cristãos. No contexto da Era dos Descobrimentos e das Cruzadas, por exemplo, houve debates e justificações teológicas e filosóficas sobre como guerrear contra aqueles que eram vistos como não-cristãos. O conceito de barbarismo muitas vezes era aplicado seletivamente para desumanizar o inimigo, justificar a conquista de territórios e promover a conversão religiosa.

A bula "Dum Diversas", emitida em 1452 por Nicolau V, não pode ser considerada moderada quando vista à luz dos padrões éticos contemporâneos. Ela concedeu permissão explícita para a subjugação e conquista de povos não-cristãos, incentivando diretamente a expansão territorial e religiosa dos estados europeus. Embora seja verdade que os contextos históricos e as normas éticas mudem ao longo do tempo, a "Dum Diversas" refletiu uma posição bastante unilateral e imperialista. Ela não apenas autorizou, mas também incentivou a exploração e a subordinação de culturas não-europeias sob o pretexto da disseminação do cristianismo. A "Dum Diversas" e outras bulas semelhantes emitidas pelos papas da época desempenharam um papel significativo na justificação ideológica das explorações e conquistas europeias, particularmente nas Américas, África e Ásia. Essas bulas frequentemente invocavam o direito divino e a responsabilidade religiosa de expandir a fé cristã, mas também levantaram questões éticas e morais sobre a justiça das ações europeias em relação aos povos indígenas e não-cristãos. Esses documentos históricos são frequentemente estudados para entender como as questões religiosas, éticas e políticas se entrelaçaram na formação do colonialismo europeu e nas relações interculturais durante os séculos XV e XVI.

A queda de Constantinopla nas mãos dos otomanos em 1453 marcou o fim do Império Bizantino e trouxe consequências significativas para o mundo cristão, ampliando o temor e a reação contra os avanços islâmicos. A queda de Constantinopla não apenas tinha enfraquecido a presença cristã no Levante, como também intensificou a perceção de ameaça islâmica entre os líderes cristãos. Isso contribuiu para um clima de justificação ideológica para a expansão das fronteiras cristãs. Portanto, é possível ver as bulas papais como uma resposta direta aos desafios que o islão dava a perceber aos cristãos. Era não apenas uma autorização para a guerra contra os não-cristãos, mas era também o reflexo das tensas ansiedades religiosas dessa época. 




A tomada de Alcácer Ceguer, em 1458, no tempo de Afonso V de Portugal, foi uma resposta militar significativa aos avanços muçulmanos na região do norte da África e foi parte de uma série de campanhas militares no contexto da expansão portuguesa na região. Alcácer Ceguer, localizada no que é hoje Marrocos, era na época uma cidade também importante para os muçulmanos, dado o seu ponto estratégico. A captura da cidade pelos portugueses não apenas reforçou as posições de Portugal na região, como também foi uma tentativa de conter os avanço dos otomanos no Mediterrâneo após a queda de Constantinopla. Essas ações militares refletiam a dinâmica interreligiosa entre cristãos e muçulmanos com reflexos geopolíticas. 

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