domingo, 18 de maio de 2025

A ética do existencialismo e do cuidado

 

Jean-Paul Sartre e Albert Camus foram os existencialistas mais amados pela esquerda francesa nos anos revolucionários soixant-huitard. É o existencialismo focado na liberdade individual, na responsabilidade e na autenticidade das escolhas humanas. Para os existencialistas, a moralidade não é uma questão de regras fixas, mas sim da capacidade de cada indivíduo agir com autenticidade e assumir as consequências das suas escolhas.

Liberdade e responsabilidade, são o alfa e o ómega deste existencialismo. A moralidade para os existencialistas está em tomar decisões autênticas e assumir as responsabilidades que decorrem delas. No dilema da mentira, o existencialista teria que agir de acordo com a sua própria consciência e a sua visão sobre o valor da vida humana. Não há um sistema moral pré-estabelecido, e cada indivíduo deve decidir o que é certo ou errado, com base em sua experiência e contexto pessoal.

O existencialismo é frequentemente criticado pela ética do cuidado, por ser subjetivo e por não fornecer orientações claras para situações difíceis, o que pode levar a decisões moralmente arbitrárias. A ética do cuidado foi desenvolvida por Carol Gilligan como uma resposta aos dois modelos mais sólidos, mas ao mesmo tempo muito impessoais: o universalista de Kant e o Utilitarismo. Ela argumenta que a moralidade deve ser orientada pela responsabilidade nas relações pessoais e pela empatia com os outros, especialmente em contextos de cuidado e vulnerabilidade. A ética do cuidado centra-se na responsabilidade mútua e no cuidado de outras pessoas, levando em conta os contextos emocionais e relacionais das ações. Embora a ética do cuidado seja sensível às necessidades individuais, ela pode ser vista como subjetiva e limitada em seu alcance, pois fixa-se em relações específicas, sem oferecer uma aplicação universal clara.

Seja como for, estas correntes oferecem soluções mais práticas, flexíveis e sensíveis ao contexto, o que não acontece com o rígido sistema kantiano. Nenhuma delas oferece uma moralidade absoluta, mas buscam fornecer respostas realistas e contextualizadas, considerando a complexidade das situações humanas. Em termos de lucidez, elas reconhecem que a moralidade não pode ser apenas um jogo de regras absolutas ou de cálculo frio de consequências, mas deve envolver sabedoria prática, compaixão, responsabilidade e autenticidade.

É desconcertante a percepção de que tudo o que nos parece fixo ou absoluto está sujeito ao tempo histórico e às transformações sociais. É profundamente relevante e nos remete para um dilema que alguns filósofos contemporâneos também têm refletido: como podemos avaliar com certeza as ideias e práticas do passado sem cair na tentação de julgar a história com os valores da nossa época? Este é um tema essencial quando se analisa a arrogância intelectual de hoje em relação a pensadores e sistemas morais do passado. Esta é a fugacidade da sabedoria humana quando falamos de duzentos anos na escala hominídea, um período extremamente curto se considerarmos o todo da história humana. Dois séculos podem parecer uma anedota quando comparados com a duração da evolução humana, mas isso não diminui a complexidade de cada era, nem a sua influência no presente. Aristóteles, Platão e outros pensadores fundaram a base para muitas das questões filosóficas e éticas que ainda enfrentamos hoje, mas, ao mesmo tempo, viveram numa sociedade e num contexto completamente diferentes dos nossos.

Os filósofos antigos, especialmente Aristóteles, tinham uma visão antropocêntrica do mundo, onde a razão humana e a moralidade eram vistas como universais e fundamentais para o bem comum. Mas será que hoje estamos demasiado inclinados a ver a moralidade e o conhecimento de maneira dogmática, como se o pensamento dos filósofos passados fosse a última palavra? O que é interessante e, por vezes, irritante, é essa arrogância contemporânea que parece assumir que temos, finalmente, "descoberto a verdade", como se a nossa visão do mundo fosse mais clara, mais racional, mais justa ou mais avançada do que a dos nossos predecessores. Um exemplo claro disso é a crítica à moralidade aristotélica, que muitos veem como excludente e limitante, especialmente quando ele argumenta que certas pessoas, por sua natureza, são inferiores. No entanto, se considerarmos o contexto da sua época, Aristóteles não estava tentado a ser cruel; ele estava tentado a entender e explicar o mundo dentro das limitações do seu tempo.

Hoje, temos uma visão mais inclusiva da moralidade, que tenta abraçar a diversidade e a igualdade de todos os seres humanos. Mas essa evolução do pensamento não significa que Aristóteles estivesse errado em tudo; ele estava, dentro dos limites epistemológicos e culturais da sua época, a tentar compreender as complexidades humanas. O que nos torna melhores do que ele? A crítica moderna às ideias aristotélicas, como a sua visão sobre a escravidão, é legítima, mas também é necessário humildade intelectual. Não podemos ver Aristóteles apenas com os olhos do mundo de hoje, onde a igualdade e liberdade são valores centrais. Ao contrário, devemos tentar compreender como ele e outros pensadores clássicos chegaram às suas conclusões dentro do seu contexto histórico. No entanto, isso não impede que críticas legítimas sejam feitas aos sistemas de pensamento antigos, principalmente quando eles contribuem para a justificação de práticas imorais. Porque também não sabemos quais vão ser as críticas mais consensuais que o futuro pode vir a fazer à arrogância intelectual do presente.

Estamos mais avançados moralmente do que os antigos? Ou estamos apenas a substituir uma forma de ignorância por outra, mais sofisticada, mas igualmente limitada? A nossa percepção de progresso pode ser tão limitada quanto a visão dos antigos. Quando Aristóteles falava sobre a virtude e a razão na Ética a Nicómaco, ele estava propondo uma visão ética que, para ele, era universal e atemporal. Se conseguimos modificar as práticas e os sistemas ao longo do tempo, é porque nos movemos de um ponto a outro com um entendimento melhor da natureza humana e do mundo. No entanto, não podendo tomar a moralidade de Aristóteles como uma verdade eterna, também devo ser cauteloso para não embarcar na tal arrogância típica do progressismo apressado.

A verdadeira sabedoria talvez esteja na virtude do meio, em que todos os tempos históricos tiveram as suas verdades e os seus sábios, e os filósofos contemporâneos também têm os seus méritos. A moralidade h
umana evolui, e as respostas antigas muitas vezes refletem necessidades e pressões específicas de suas épocas. A verdade ou sabedoria de Aristóteles não é um dogma, mas uma base sobre a qual construímos, para questionar e reformular ao longo do tempo. Em suma, o que está em jogo é a humildade intelectual. Reconhecer que, por mais que tenhamos avançado, não estamos acima dos antigos, nem somos mais capazes de entender as complexidades humanas. Eles, assim como nós, estavam tentando responder a questões eternas. Pode ser que os valores que defendemos hoje sejam apenas um reflexo do nosso tempo como os de Aristóteles o foram no seu.

Sem comentários:

Enviar um comentário