Guy Debord em a "Sociedade do Espetáculo" (1967), já dizia que, na sociedade capitalista tardia, “o que era vivido tornou-se representação”. Na sociedade da visibilidade o real é cada vez mais mediatizado por imagens. O espetáculo não é apenas entretenimento, é o modo de existência dominante.
Neste contexto, o valor das coisas é definido pela capacidade de atrair atenção, e não pelo conteúdo intrínseco. Por isso, quanto mais excêntrico, ambíguo ou transgressivo for o artista, maior é o seu valor performativo. Com a crescente aceitação da fluidez de género, do transhumanismo, da estética queer e da estética camp, as fronteiras tradicionais - homem/mulher, natural/artificial, belo/feio, verdadeiro/falso - tornaram-se instáveis ou até irrelevantes para grande parte do público jovem e urbano. Isto leva a uma inversão: o tradicional é percebido como enfadonho, reacionário, ou até opressor, e o indefinido é visto como sinal de autenticidade e liberdade.
Quando Johannes Pietsch (JJ) diz que é "abertamente queer", ele está a afirmar publicamente que pertence à comunidade LGBTQIA+, mas sem se identificar necessariamente com uma categoria fixa como “gay”, “bissexual”, “trans” ou outra. O termo "queer" é intencionalmente abrangente e fluido. Historicamente, “queer” era um insulto, mas foi resgatado como símbolo de orgulho por muitos que: sentem que não se encaixam nas normas tradicionais de género ou sexualidade, rejeitam rótulos estritos como “hetero” ou “homossexual”, ou adotam uma vivência não convencional da identidade sexual e/ou de género. Portanto, ao dizer que é "abertamente queer", JJ está a afirmar: que não esconde sua identidade, que vive com autenticidade, e que se sente parte de uma comunidade que celebra a diversidade de género e sexualidade, sem se limitar a classificações fixas.
Estilo vocal e estético andrógino, JJ canta como contratenor, com uma voz que atravessa o território tradicionalmente associado ao feminino (como o soprano). Isso desafia normas de género dentro da música pop e clássica, gerando um impacto estético forte e emocional. Muitos espectadores da Eurovisão 2025 disseram sentir-se “desarmados” pelo contraste entre a aparência masculina e a delicadeza vocal. Na final da Eurovisão, JJ apresentou-se com uma mistura de elementos masculinos e femininos no guarda-roupa e maquilhagem, sem seguir convenções binárias. O seu figurino foi descrito como “teatral, romântico e etéreo”, remetendo tanto à ópera quanto ao pop moderno.
A canção "Wasted Love" fala de um amor não correspondido ou desfeito, de forma muito intensa e vulnerável. Ao assumir-se queer, JJ transmite que essas emoções não têm género fixo — são humanas. Isso quebra com a rigidez das canções de amor heteronormativas e mostra uma dor universal, mas a partir de uma vivência queer. JJ não se define com rótulos fechados (como gay ou bissexual), mas afirma estar feliz por representar uma diversidade dentro da comunidade LGBTQIA+. O seu simples gesto de existir com visibilidade no palco internacional já é um ato político subtil, mas poderoso, num mundo onde ainda há preconceito.
Há um certo paralelo entre Johannes Pietsch (JJ) e outras figuras marcantes da Eurovisão que afirmaram identidades queer através da arte:
Conchita Wurst (Áustria, vencedora de 2014) –Identidade: Drag queen criada por Thomas Neuwirth. Conchita combinava barba com vestido de gala, desafiando o binarismo de género visual. A música “Rise Like a Phoenix” era um hino de superação e orgulho queer. A vitória foi simbólica — uma afirmação europeia de aceitação LGBT+ num momento de tensões sociais (inclusive com a Rússia). Tornou-se um ícone global de tolerância.
Duncan Laurence (Países Baixos, vencedor de 2019) – Bissexual assumido. Canção "Arcade", uma canção introspetiva, melancólica, universal — falava de amor perdido, com linguagem aberta e emocional. Embora não marcada como “política”, a presença de Duncan como artista queer que canta com autenticidade foi muito significativa. Contribuiu para normalizar artistas LGBTQIA+ como intérpretes românticos universais.
Måns Zelmerlöw (Suécia, vencedor de 2015) – caso interessante por ser heterossexual, mas envolveu-se em polémica por comentários considerados homofóbicos. Mais tarde pediu desculpa. Mostra como a Eurovisão é sensível à questão queer — o público valoriza não apenas o talento, mas a representatividade e o respeito à diversidade.
Conclusão: Johannes Pietsch (JJ) está na linhagem de artistas que fazem da Eurovisão mais do que um concurso musical: um palco onde se normaliza o que antes era marginal e se celebra a beleza de identidades queer em toda a sua complexidade — através de arte, emoção e estética desarmante.
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