terça-feira, 27 de maio de 2025
O estado da arte performativa
Hoje em dia, no mundo do espetáculo, veja-se a Eurovisão da Canção, o standard, o estado da arte performativa, é o excêntrico, ao ponto de um leigo lhe custar distinguir se é homem ou mulher. Isto tem sido tema de muitas reflexões no campo da estética contemporânea, da sociologia da cultura e até da filosofia da arte. O mundo do espetáculo – e a Eurovisão é um dos seus palcos mais emblemáticos – tem vindo a deslocar o eixo do “convencional” para o “excêntrico”, o “fluido” e o “ambíguo”. Isso não acontece por acaso, nem é meramente gratuito: está enraizado em transformações profundas da sociedade ocidental nas últimas décadas.
Nos últimos anos tem-se vivido a performatividade da identidade inspirada por pensadores como Judith Butler, que fez nascer o conceito de que género e identidade são performativos, e não apenas dados biológicos fixos. Ao mesmo tempo a cultura da arte evoluiu no sentido do triunfo do espetáculo sobre o conteúdo. A lógica do entretenimento massificado, especialmente a partir da televisão e, mais recentemente, das redes sociais, explorou o que é mais fácil para despertar a atenção das audiências. E o que satisfaz essa estratégia é o que é “diferente”, o que rompe com expectativas visuais e simbólicas. A distinção clara entre homem e mulher deixa de ser uma referência estável e torna-se um campo de experimentação estética e simbólica.
No mercado do espetáculo, onde há uma superabundância de oferta, ser diferente é uma estratégia de sobrevivência. A ambiguidade de género e a extravagância performativa deixam de ser tabu e passam a ser capital estético. A crise do modelo clássico de beleza e de harmonia, que outrora foi considerado belo ou artisticamente elevado, deu lugar à provocação, ao ruído, à desconstrução. O belo clássico foi substituído pelo interessante, pelo transgressor. Esse é um sintoma de uma época em que os antigos valores de ordem, clareza e distinção (inclusive sexual) foram colocados em xeque. A dessacralização das formas, e a ironia pós-moderna, fez com que vivêssemos num tempo em que o sublime e o ridículo muitas vezes se confundem. A fronteira entre arte e paródia tornou-se difusa. Para muitos leigos o que está no palco parece um carnaval sem hierarquia de sentido, onde o “bom gosto” tradicional já não tem lugar.
A Eurovisão e outros espetáculos semelhantes são, hoje, palcos de uma batalha simbólica entre a permanência de certas referências clássicas e o advento de novas expressões de identidade, muitas vezes caóticas, híbridas ou “líquidas”. Para uns, isso é libertação. Para outros, decadência. Para muitos, simplesmente confusão. Quer queiramos ou não, essa estética do excêntrico é uma assinatura da nossa época, e talvez daqui a algumas décadas, seja vista como um estilo tão reconhecível como é o caso do estilo barroco.
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