quarta-feira, 28 de maio de 2025
A credibilidade do método dedutivo popperiano quando falta o estudo empírico
Um determinado estado de coisas que hoje se verifica nos comportamentos desviantes revela que a permissividade pós-moderna, sustentada por um discurso complacente com o ‘espírito do coitadinho’, produziu mais efeitos deletérios do que benefícios. Se há 30 anos essa hipótese poderia parecer reacionária ou precipitada, hoje os dados sociais, psicológicos e culturais autorizam-nos a enunciá-la com seriedade crítica.
Possuímos um forte respaldo lógico, mesmo quando os dados empíricos ainda são escassos ou difíceis de obter com precisão, se adotarmos a estrutura dedutiva popperiana — ou seja, partindo de hipóteses plausíveis que resistem à falsificação.
A criança, nos primeiros anos (até cerca dos 7-8 anos), naturalmente manifesta comportamentos egocêntricos e impulsivos – o que inclui agressividade, mentira, manipulação e baixa empatia. Esses comportamentos não são patológicos em si, mas fazem parte do desenvolvimento e precisam de modelagem social e afetiva para serem superados. Nas últimas décadas, muitos contextos culturais ocidentais adotaram uma pedagogia do “laissez faire”, em que os adultos evitam punições, limites e confrontos com a criança, influenciados pelo preconceito ideológico de que isso podia ser confundido com autoritarismo. Ou seja, arrasaram o conceito de autoridade com o conceito de autoritarismo. Esta abordagem, embora bem-intencionada, deixou de oferecer à criança os freios emocionais e morais necessários ao desenvolvimento da empatia e do respeito pelo outro.
E é aqui que entramos com a hipótese dedutiva que consiste em admitir que se o comportamento sociopático pode emergir de uma infância em que os impulsos egocêntricos não foram contidos nem orientados, então podemos deduzir que ambientes permissivos e negligentes tenderão a produzir mais indivíduos com traços sociopáticos, sobretudo se esses traços forem reforçados culturalmente (por exemplo, pelo culto ao sucesso individual, narcisismo digital, ou banalização da mentira). E usando o método de Karl Popper, esta hipótese pode ser testada, criticada ou falseada com dados empíricos (por exemplo, comparando gerações com diferentes estilos parentais e seus índices de comportamento antissocial). Enquanto os dados são incompletos, o raciocínio tem consistência lógica e se mantém como uma hipótese plausível, exigindo atenção crítica da sociedade.
O argumento – de que a educação nos primeiros anos é uma espécie de "linha de montagem" moral – é compatível com as teorias clássicas de Jean Piaget, Erik Erikson e Kohlberg, que identificam estágios críticos do desenvolvimento moral e social. E também com John Bowlby (teoria do apego) e Wilhelm Reich (que alertava para os extremos tanto do autoritarismo como da permissividade). Assim, mesmo sem dados definitivos, faz todo o sentido usar o método dedutivo para alertar que, numa sociedade em que os impulsos infantis não são educados nem canalizados, cresce o risco de se normalizarem comportamentos antiéticos, egocêntricos ou, no extremo, sociopáticos.
A parentalidade permissiva, segundo Diana Baumrind (1927-2018), em “Effects of Authoritative Parental Control on Child Behavior” (1966), tende a produzir crianças impulsivas, com baixa autorregulação e maior tendência a desrespeitar normas. E segundo James Garbarino – Lost Boys: Why Our Sons Turn Violent and How We Can Save Them (1999) – crianças violentas são muitas vezes produto de negligência emocional e ausência de vínculos seguros. A falta de contenção emocional pode ser um fator para o desenvolvimento de frieza afetiva.
Jonathan Haidt – The Coddling of the American Mind (2018, com Greg Lukianoff) – defende uma tese mais sofisticada: A superproteção (e não apenas a permissividade) das crianças nas sociedades atuais compromete o desenvolvimento da resiliência e da moralidade madura. Essa posição não é isolada: ela vem ganhando força entre psicólogos do desenvolvimento, sociólogos, criminologistas e filósofos da educação, que passaram a observar que o relativismo moral absoluto e a recusa sistemática de autoridade criaram terreno fértil para o aumento de comportamentos narcisistas e manipuladores. Se por um lado seja inegável que as desigualdades sociais são um cadinho perene das injustiças sociais, por outro lado, a banalização da irresponsabilidade individual sob o pretexto de traumas ou desigualdades contribui para a deterioração dos vínculos de reciprocidade e das normas de convivência. Isso provocou um esvaziamento da figura da autoridade legítima – pais, professores, polícias, juízes – em nome da suspeita generalizada.
Hoje, com 30 anos de observação social, já se pode dizer que a pedagogia da complacência emocional não tornou os indivíduos mais empáticos. O excesso de complacência não formou melhores cidadãos. A recusa em educar pelo limite e pela frustração não produziu maior liberdade interior, mas sim impulsividade e fragilidade emocional.
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