quinta-feira, 29 de maio de 2025

Invenção da roda


A roda, enquanto artefacto tecnológico, parece ter sido inventada apenas uma vez, no sentido mais estrito da palavra, e depois espalhada por diferentes culturas. As evidências arqueológicas conhecidas apontam para uma origem única, na região da Mesopotâmia, por volta de 3500 a.C., sendo inicialmente usada em tornos de oleiro, antes de ser aplicada ao transporte.

As primeiras rodas conhecidas surgem na Suméria, na antiga Mesopotâmia (atual Iraque), como parte de carros rudimentares com eixo fixo e rodas maciças de madeira. A roda parece ter se difundida gradualmente para a Europa, Ásia Central, Índia e China. A invenção da roda dependia de tecnologias prévias: domínio do trabalho com madeira, ferramentas adequadas, domesticação de animais de tração e superfícies de terreno razoavelmente planas. Isso explica porque não surgiu espontaneamente em todos os lugares.

E quanto às Américas ou África Subsaariana? Nas civilizações pré-colombianas – Maias, Astecas ou Incas – não se conhece o uso da roda para transporte, embora tenham usado brinquedos com rodas. Isso indica conhecimento do conceito, mas ausência de aplicação prática, talvez por fatores relacionados com o terreno montanhoso (como nos Andes). Ausência de animais de tração adequados. Outras formas de transporte mais eficientes para o contexto (como redes de caminhos pedonais ou uso de canoas). Na África Subsaariana, também não há evidência de uso independente da roda antes do contacto com culturas afro-asiáticas.

Todas as evidências conhecidas sugerem uma invenção única e posterior difusão cultural. No entanto, o conceito em si (objeto circular giratório) pode ter sido intuído em diferentes lugares (como os brinquedos com rodas nas Américas), mas sem desenvolvimento tecnológico completo. Mas há diversos exemplos de tecnologias e invenções que surgiram independentemente em culturas diferentes que não tinham contacto entre si. Este fenómeno é conhecido como invenção paralela ou invenção independente, e ocorre quando sociedades distintas, enfrentando problemas semelhantes, chegam a soluções semelhantes por conta própria.

A Agricultura desenvolveu-se independentemente em pelo menos sete regiões do mundo: Crescente Fértil (Mesopotâmia); China; Nova Guiné; Mesoamérica; Andes; África Ocidental; Sudeste dos EUA. Cada uma domesticou plantas e animais diferentes, adaptadas ao seu ecossistema. É quase certo que o uso controlado do fogo tenha sido desenvolvido independentemente por diferentes grupos humanos arcaicos (como Homo erectus) em vários continentes, há cerca de 1 milhão de anos ou mais. Arco e flecha surgiu em diferentes épocas em diversas partes do mundo: África (~70.000 a.C.); Europa (~20.000 a.C.); Américas (~10.000 a.C.). É provável que tenha sido reinventado mais de uma vez, dadas as suas formas variadas.

A ideia de construir abrigos com materiais locais (barro, madeira, pedra) surgiu independentemente em várias culturas. Canoas, jangadas e navios primitivos foram desenvolvidos em várias regiões isoladas, como: Ilhas do Pacífico; Nilo; Bacia Amazónica; Europa pré-histórica. Os maias, os babilónios e os chineses criaram sistemas de numeração complexos sem contacto entre si. Por exemplo, os maias usavam um sistema vigesimal com símbolo para o zero, algo também raro na Antiguidade. Egípcios, maias, chineses e babilónios desenvolveram calendários baseados em observações astronómicas, ajustando-se a ciclos solares e lunares. Tudo isso sem contacto entre si. A fundição do cobre e do ferro surgiu independentemente em várias regiões. Cobre: Mesopotâmia, Andes, Europa Central. Ferro: Anatólia, Índia, África Subsaariana (a famosa metalurgia de ferro no Níger e em Nok, Nigéria).

O conceito de representar ideias com símbolos surgiu separadamente, como Escrita pictográfica (ou proto-escrita). Cuneiforme (Mesopotâmia). Hieróglifos (Egito). Escrita chinesa arcaica. Sistema olmeca/maia (Mesoamérica).

A história humana está repleta de convergências culturais: sociedades enfrentam problemas semelhantes (comida, abrigo, violência, tempo, saúde, transporte) e chegam a soluções semelhantes, mesmo que nunca tenham tido contacto. Isso mostra que, embora a criatividade humana seja diversa, ela é também limitada pelas condições materiais e ambientais. Além do mais – Estruturas morais como tabu de incesto, regras sobre homicídio, roubo, etc., surgiram de forma espontânea e paralela em todas as sociedades humanas, mesmo sem contacto. Estas invenções paralelas revelam um ponto fascinante sobre a natureza humana: dada uma condição semelhante, a mente humana tende a encontrar soluções parecidas. Isso sugere que há padrões universais de criatividade, necessidade e adaptação, mesmo num mundo outrora totalmente desconectado.

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