Os escritos atribuídos a Pseudo-Dionísio, o Aeropagita (século V/VI) desempenharam um papel fundamental no diálogo entre a cultura helenística e o cristianismo, uma religião de origem semita. Ele utiliza o arcaboiço neoplatónico para desenvolver uma teologia mística e apofática (diz-se do método teológico que procura o conhecimento de Deus através da negação, afirmando aquilo que Deus não é). Deus é radicalmente transcendente, e nada pode ser afirmado sobre Ele diretamente. Todo o discurso humano sobre Deus é inadequado; o caminho para conhecê-Lo é a via negativa (o silêncio, a negação de todos os atributos).
Inspirado pelo neoplatonismo, Pseudo-Dionísio descreve uma hierarquia ordenada que conduz o ser humano a Deus. Essa estrutura foi integrada na teologia cristã, com a mediação dos anjos e da Igreja na ascensão espiritual. O objetivo da vida cristã é a união com Deus, num estado de êxtase e união mística. Aqui, o ser humano transcende todas as formas e conceitos. Séculos depois, Tomás de Aquino (1225–1274), no auge da Escolástica, revisita as ideias de Pseudo-Dionísio dentro do contexto da síntese entre a filosofia aristotélica e o cristianismo. Para São Tomás, embora Deus seja radicalmente transcendente, Ele pode ser conhecido analogicamente através de Suas criaturas. Isso contrasta parcialmente com a ênfase apofática de Pseudo-Dionísio. São Tomás aprofunda a ideia de hierarquia de Pseudo-Dionísio, estruturando sua teologia com base numa ordem cósmica que reflete a sabedoria divina.
Aquino rejeita qualquer oposição radical entre a razão filosófica e a fé teológica. Ele interpreta Pseudo-Dionísio como um exemplo de como a filosofia pode ser um instrumento para a teologia, sem perder de vista os limites do intelecto humano. A interação entre o helenismo e o cristianismo foi decisiva para o desenvolvimento do pensamento ocidental. Pseudo-Dionísio trouxe o mistério e a transcendência de Deus para o centro do discurso teológico, inspirando tanto místicos como filósofos. Tomás de Aquino, ao reinterpretar essas ideias, consolidou a relação entre razão e fé, que permanece um dos grandes legados da filosofia escolástica. Essa intrincada relação mostra que o cristianismo não rejeitou o helenismo, mas soube incorporá-lo, reinterpretá-lo e elevá-lo, criando uma síntese que ainda influencia o pensamento contemporâneo.
J.L. Marion, na modernidade, propõe uma "metafísica da doação" que pode ser visto como um desenvolvimento e ampliação das ideias que surgiram no contexto do cristianismo e do helenismo, especialmente a partir da síntese de Tomás de Aquino e Pseudo-Dionísio, mas num novo contexto contemporâneo. O ponto central da crítica de Marion é dirigida a Nietzsche, na afirmação da "morte de Deus". No entanto, Marion não entende essa "morte" como uma negação ou desaparecimento de Deus, mas como o fim de uma metafísica tradicional que reduz Deus a um objeto de conhecimento abstrato, manipulável pela razão humana. Marion critica a tradição metafísica moderna, que começa com Descartes e passa por toda a filosofia kantiana e depois dela, por ter reduzido Deus a um objeto do pensamento humano. Compreendido e manipulado pela razão, algo ao qual o sujeito tem acesso como qualquer outro objeto do mundo. Isso reflete o que Nietzsche havia proclamado com a ideia de "morte de Deus", no sentido de que Deus, tal como a metafísica tradicional o concebe, deixou de ser uma experiência transcendente e tornou-se um conceito morto, que perdeu a sua capacidade de transformação radical.
Marion opõe-se à tradição metafísica, que trata Deus como o "dominador", um ente soberano sobre o mundo, cuja existência se pode provar ou discutir. Marion se opõe a isso, dizendo que a verdadeira experiência do divino não é algo que se possa controlar ou medir, mas é algo que se doa, e que essa doação de Deus é uma revelação radicalmente diferente de tudo o que o homem pode alcançar. Ao contrário dos filósofos da modernidade que tentam esgotar o significado de Deus numa perspectiva racionalista ou imanente, Marion propõe uma experiência de Deus que se dá como um dom ao sujeito, sendo algo que ultrapassa a nossa compreensão. Assim, ele amplia a compreensão da relação entre filosofia e teologia, à medida que tenta escapar das limitações da metafísica cartesiana e kantiana, trazendo de volta a experiência mística ou transcendental sem reduzir Deus a um simples objeto da razão. Essa abordagem está profundamente ligada a um retorno à metafísica negativa, mas, ao mesmo tempo, amplia o campo da teologia ao refletir sobre como a experiência religiosa pode ser verdadeiramente radical e intransponível.
As últimas formas de niilismo, ateísmo suspensivo, teologia negativa - é uma espécie de fuga para a frente num contínuo entre a metafísica e a mística. Esses movimentos contemporâneos não são apenas um reflexo da morte de Deus (como no niilismo de Nietzsche), mas também uma tentativa de reconstrução do entendimento do divino e da existência, na medida em que o conceito de Deus, ou do absoluto, escapa aos limites da razão humana, da metafísica clássica e até mesmo da moralidade tradicional. O niilismo, especialmente no contexto contemporâneo, não se reduz apenas ao desaparecimento de um sentido absoluto para o mundo (como em Nietzsche), mas também ao relativismo que resulta da perda de uma verdade objetiva. Quando se diz que "Deus está morto", isso também implica uma desconstrução da ideia de que a moralidade, o sentido e a verdade podem ser derivados de um princípio transcendente.
O ateísmo suspensivo pode ser entendido como uma postura que, embora se distancie de qualquer crença em um Deus pessoal ou em uma ordem metafísica clara, mantém uma abertura epistemológica ou uma suspensão do julgamento sobre o divino ou o absoluto. Não se trata de uma negação dogmática, mas de uma neutralidade ativa, onde a resposta à transcendência não é afirmada nem negada, mas suspensa. Esse tipo de ateísmo suspensivo, ou niilismo, não precisa ser entendido como uma forma de total ceticismo ou desesperança. Ao contrário, ele se aproxima de uma abertura para o mistério e a experiência mística que transcende definições rígidas da metafísica tradicional. Essa aproximação permite que se busque uma verdade transcendente que não pode ser totalmente compreendida ou dominada pela razão humana, similar ao movimento. Essa deslocação, longe de ser uma fuga do racional, é uma tentativa de ir além da racionalidade tradicional, buscando um conhecimento que não se pode racionalizar ou dominar completamente. Essa busca contínua reflete uma forma de "volta ao místico" que, ao mesmo tempo, está profundamente enraizada nas reflexões mais complexas da metafísica moderna e no pensamento pós-metafísico. Portanto, a aproximação da teologia negativa, do niilismo, do ateísmo suspensivo e da mística contemporânea pode ser vista como uma tentativa de enfrentar o abismo da ausência de um sentido último, ao mesmo tempo que se busca uma forma de revelação que escapa ao controlo da razão.
Pode-se dizer que o pensamento ocidental é herdeiro da simbiose do mundo helénico com o mundo semita que se forjou nos primeiros quatro séculos da corrente era. O pensamento ocidental é profundamente influenciado pela simbiose entre as tradições helenísticas e semíticas que se desenvolveu ao longo de vários séculos, especialmente no contexto do império romano e no nascimento do cristianismo. Essa fusão de influências filosóficas e religiosas deu origem a um novo paradigma que moldaria o curso da história intelectual e religiosa do Ocidente. O período helenístico que se seguiu a Alexandre Magno foi um momento de difusão da cultura grega por vastas regiões à volta do Mediterrâneo, e além dele, abrangendo a Filosofia, a Ciência e as Artes. O pensamento grego alicerçava-se na razão, na lógica, e na tentativa de sistematizar e compreender o mundo natural e humano por meio do raciocínio filosófico. Por outro lado, o mundo semítico, com as suas raízes nas tradições judaicas e outras culturas semitas da região do Médio Oriente, trazia uma forte componente ligada à revelação religiosa, no monoteísmo (especialmente com o judaísmo) numa relação íntima com Deus. A visão semítica do mundo era mais voltada para a história sagrada, a moral e a experiência de fé e salvação.
A filosofia cristã mediou a interação entre o pensamento grego e a teologia semítica, especialmente através de pensadores como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que fundiram as ideias filosóficas gregas (como as de Platão e Aristóteles) com a doutrina cristã. Ao fazer isso, estabeleceram as bases para a metafísica ocidental, que viria a influenciar profundamente a filosofia medieval e moderna. A ética cristã, influenciada tanto pela moral semítica como pelos ideais helenísticos de virtude e razão prática, tornou-se um dos pilares da moral ocidental. As ideias de justiça, bondade e piedade foram profundamente moldadas pela fusão dessas tradições. A visão cristã do mundo, influenciada por ambas as tradições, construiu uma cosmovisão dualista, onde o divino e o humano estão em constante relação. Essa perspectiva se reflete em temas centrais do pensamento ocidental, como a ideia de liberdade humana, destino e redenção.
A filosofia cristã mediou a interação entre o pensamento grego e a teologia semítica, especialmente através de pensadores como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que fundiram as ideias filosóficas gregas (como as de Platão e Aristóteles) com a doutrina cristã. Ao fazer isso, estabeleceram as bases para a metafísica ocidental, que viria a influenciar profundamente a filosofia medieval e moderna. A ética cristã, influenciada tanto pela moral semítica como pelos ideais helenísticos de virtude e razão prática, tornou-se um dos pilares da moral ocidental. As ideias de justiça, bondade e piedade foram profundamente moldadas pela fusão dessas tradições. A visão cristã do mundo, influenciada por ambas as tradições, construiu uma cosmovisão dualista, onde o divino e o humano estão em constante relação. Essa perspectiva se reflete em temas centrais do pensamento ocidental, como a ideia de liberdade humana, destino e redenção.
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