Conforme contada por Platão no Fédon, Sócrates foi acusado de corromper a juventude de Atenas e introduzir falsos deuses, e, portanto, foi condenado a morrer tomando cicuta. Sócrates, encarando a morte com uma calma sepulcral, faz da sua morte uma espécie de última lição para os seus pupilos. Em vez de fugir quando a oportunidade surgiu, ostracizar-se, como era o costume nessa época e cultura, preferiu assumir a sua morte com frontalidade. Fédon - que retrata a morte de Sócrates - é o último dos "diálogos" de Platão em que se dedica a detalhar os dias finais de Sócrates. Os outros diálogos são: Eutífron; Apologia de Sócrates; Críton.
Embora a nossa compreensão de Sócrates seja mediada pelos diálogos de Platão, e haja debates sobre quão fiel essa representação corresponde ao verdadeiro pensamento de Sócrates, a verdade é que o impacto das suas ideias perdura. O ato de aceitar a cicuta, longe de se tratar de suicídio, é um símbolo da recusa em renegar os seus princípios, mesmo diante da morte. Essa coragem transcendente que parece transmitir reverberações para o cristianismo, é altamente inspiradora para quem busca um pensamento crítico que não se acomoda ao status quo.
Ora, na atualidade, o aumento da violência juvenil, especialmente aquela organizada em grupos e amplificada pelas redes sociais, é um sintoma grave da desagregação social que estamos vivendo. As redes sociais funcionam como catalisadores, facilitando a rápida disseminação de desafios violentos, conflitos de gangues e uma cultura de humilhação pública. Tudo isso ocorre num contexto onde há uma ausência de referências morais sólidas e onde instituições, como a família e a escola, perderam grande parte da sua autoridade. O mais preocupante é que esse fenómeno está intimamente ligado a intolerância ideológica. Quando se destrói a possibilidade de um debate equilibrado e se impõe uma visão dogmática da realidade, os jovens ficam sem modelos saudáveis para superar as suas frustrações e conflitos.
O mundo totalitário sempre foi desmascarado pela ironia. O chamado progressismo que policia a liberdade de expressão em nome do "espaço seguro". Do lado de dentro, porque do lado de fora a violência física flui indómita. Estamos a lidar com o "perene". Sófocles mostra-nos isso. Sófocles captou essa essência trágica da condição humana. Os impulsos mais primitivos permanecem, apenas mudam de forma ao longo da história. O que vemos hoje, com a violência juvenil, a cultura do cancelamento e a polarização extrema, são manifestações modernas de conflitos antigos que sempre estiveram presentes na história da humanidade. A Tragédia Grega ensina que esses impulsos não podem ser eliminados, apenas canalizados e moderados por meio de instituições sólidas, cultura e educação. O problema é que, quando esses ensinamentos enfraquecem, como acontece hoje com o relativismo moral, o enfraquecimento da autoridade, e tudo o que é "hiper" nas redes sociais, abrem-se de novo as portas à barbárie.
Os ingénuos, os pretensamente "puros", eximem-se de responsabilidades a coberto da vitimização. Esse é um dos grandes paradoxos. Quem se vê como o mais puro, o mais humanista, e os mais preocupado com a justiça social, acaba muitas vezes em fautor do seu próprio mal, que supostamente reivindica combater. O excesso de vitimização, e a recusa em reconhecer a responsabilidade que cabe a cada um, acaba por desarmar a sociedade diante do crime e da violência. Isso já foi observado vezes sem conta no passado, indicando a dificuldade de as sociedades vindouras aprenderem com os erros das sociedades passadas. No fundo - compaixão deslocada, vitimização despropositada, que dá lugar à permissividade - é inevitável que o caos se instale. Nietzsche já alertava para a moralidade do ressentido, em nome de uma vitimização forjada, que acaba por promover a apatia e o enfraquecimento de uma sociedade encarniçadamente justicialista.
Os ingénuos, os pretensamente "puros", eximem-se de responsabilidades a coberto da vitimização. Esse é um dos grandes paradoxos. Quem se vê como o mais puro, o mais humanista, e os mais preocupado com a justiça social, acaba muitas vezes em fautor do seu próprio mal, que supostamente reivindica combater. O excesso de vitimização, e a recusa em reconhecer a responsabilidade que cabe a cada um, acaba por desarmar a sociedade diante do crime e da violência. Isso já foi observado vezes sem conta no passado, indicando a dificuldade de as sociedades vindouras aprenderem com os erros das sociedades passadas. No fundo - compaixão deslocada, vitimização despropositada, que dá lugar à permissividade - é inevitável que o caos se instale. Nietzsche já alertava para a moralidade do ressentido, em nome de uma vitimização forjada, que acaba por promover a apatia e o enfraquecimento de uma sociedade encarniçadamente justicialista.
A História nos mostra que não há inocência política sem consequências. O moralismo progressista criou uma espécie de cordão sanitário ideológico que demoniza qualquer apelo à ordem. E quem ousa questionar esse dogma precisa de uma resiliência estoica para suportar a avalanche de ataques morais e sociais. O mais irónico é que essa histeria moral não só enfraquece a sociedade, tornando-a incapaz de reagir a ameaças reais, como também legitima a ascensão de discursos autoritários. A permissividade gera insegurança. Com a insegurança vem o caos. E o caos traz o desejo de uma mão mais firme. E essa mão, quando chega, raramente se limita à medida necessária. É a repressão.
Estamos presos no pêndulo da história, em que o centro é apenas uma passagem entre dois extremismos. Quando se negligencia qualquer reflexão sobre a necessidade de ordem e responsabilidade, quem ganha são aqueles que usam a força. É o velho paradoxo: ao sufocar o debate racional, abre-se caminho para soluções irracionais. A questão é que há um momento em que a realidade se impõe. O problema é que, quando isso acontece, geralmente já é tarde demais.
No Desfiladeiro das Termópilas um pequeno contingente de espartanos, liderados pelo rei Leónidas, segurou as hordas persas por um tempo crucial. Essa resistência heroica, embora condenada a um sacrifício que era esperado, atrasou o inimigo e contribuiu para a construção do mito da coragem e da resiliência em face da opressão. Nestes casos, vemos que mesmo quando os contextos políticos ou sociais parecem intransponíveis, há indivíduos que com a “mão pesada” da determinação e da coragem fazem a diferença, deixando um legado memorável. Esses exemplos mostram que, apesar do pêndulo oscilante entre permissividade e repressão, a ação resoluta e o espírito indomável, conseguem, de algum modo, alinhar a história com os eixos justos e necessários.
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