sábado, 24 de maio de 2025
A hipermediatização de certos tipos de atentados violentos
A hipermediatização de certos tipos de atentados violentos, como tiroteios em escolas, ataques à facada e abalroamentos de multidões -- está ligado a um ciclo complexo entre exposição mediática, imitação (ou contágio comportamental) e distúrbios mentais graves, sobretudo em indivíduos com perfis psicóticos, psicopáticos ou personalidades antissociais.
Vários estudos em criminologia e psicologia demonstram que a exposição repetida a atos violentos pode gerar um efeito de imitação, sobretudo quando o ato é altamente publicitado. Este fenómeno é conhecido como “Efeito Werther” (no caso de suicídios) ou “Copycat Effect” (em atos violentos). Especificidade do ato: Quando um atentado tem uma "assinatura" clara (ex.: tiroteios escolares nos EUA, ataques com faca em França, ou atropelamentos em feiras na Alemanha), é mais provável que seja imitado em atos semelhantes. Muitas vezes são indivíduos marginalizados, com distúrbios mentais, que veem no ato violento uma forma de afirmação, vingança ou notoriedade.
Os meios de comunicação tradicionais e digitais, ao darem cobertura intensa, muitas vezes quase "espetacular", podem amplificar o impacto simbólico do atentado: Nome e rosto do agressor são muitas vezes divulgados — algo que várias instituições hoje evitam. Ora, as redes sociais alimentam loops emocionais e visibilidade entre pares. Algoritmos (YouTube, TikTok, X) podem recomendar conteúdos semelhantes, facilitando o mergulho de pessoas vulneráveis num ambiente simbólico violento.
Para pessoas com psicoses delirantes, transtornos paranoides ou traços psicopáticos, estes atentados funcionam como modelos simbólicos: O gesto violento pode ser interpretado como “missão”, “vingança justa”, “prova de superioridade” ou mesmo “redenção”. Em contextos de solidão extrema ou isolamento digital, o ataque torna-se uma última tentativa de existir socialmente, mesmo que de forma destrutiva. Um ponto mais profundo é este: quanto mais problemática uma sociedade se torne em relação ao sentido e à identidade, quanto mais atomizada, mais estes gestos extremos acontecem como formas torcidas de comunicação. Para o psicopata, é uma demonstração de poder. Para o psicótico, pode ser uma "missão messiânica". Para ambos, é uma reação niilista à invisibilidade, à ausência de sentido.
Portanto, é importante evitar dar nome, rosto e história pessoal dos agressores. E atuar ao nível da sociedade onde ela é mais vulnerável - a falta de laços humanos – visto que ao nível da psiquiatria é mais difícil por razões que para aqui agora não importam a não ser a intervenção precoce em casos de distúrbios mentais e isolamento. E a redes sociais carecem de mais regulação algorítmica para conter o contágio digital. É um fenómeno civilizacional. É um espelho sombrio do que acontece quando o indivíduo deixa de se sentir parte de um todo e encontra no gesto destrutivo um símbolo de afirmação. A hipermediatização apenas acelera e globaliza o processo.
As televisões deviam ser muito mais discretas -- especialmente na divulgação de imagens, identidades e detalhes operacionais dos atentados. Há um crescente consenso entre especialistas de que a forma como os média reportam estes eventos pode alimentar novos atos violentos, sobretudo por meio do efeito de contágio.
Ao mostrar o rosto, o nome e até imagens do ataque em ação, os média transformam o agressor num símbolo -- ainda que negativo, é uma forma de reconhecimento. Para certos perfis psicopáticos, a infâmia vale tanto quanto a fama. Imagens cruas ou repetidas podem plantar a ideia em pessoas vulneráveis. A violência passa a ser visualizável, mentalmente ensaiável.
Quanto mais familiar a cena, mais fácil se torna repeti-la. A divulgação excessiva muitas vezes se torna uma violação do sofrimento alheio, além de revitimizar sobreviventes. O foco deve ser nas respostas da sociedade, nas histórias das vítimas e lições a tirar — não na personalidade do perpetrador ou na espetacularidade da violência. A responsabilidade dos média não é apenas informar. É também educar, proteger e construir uma memória pública saudável. Num mundo onde os atentados se tornaram quase "formatos replicáveis", cada imagem conta. Menos visibilidade aos agressores pode significar menos ataques futuros.
Sem comentários:
Enviar um comentário