segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Curdos – A influência da geografia na formação de estados-nação



Uma das causas dos problemas políticos que ainda hoje se vivem no Médio Oriente – de que os Curdos são paradigma – resulta de muita desatenção e ignorância por parte dos líderes das potências coloniais europeias nos séculos XIX e XX, quer para as realidades físicas da topografia das regiões, quer em relação às culturas e etnias dos povos que aí residiam. Em vez disso, traçaram fronteiras artificiais a régua e esquadro, olhando simplesmente para os mapas no papel. Assim, a geografia e a história de como as nações se estabeleceram dentro dessa geografia sempre foi e continua a ser decisiva para a nossa compreensão do mundo atual e futuro.

O legado do colonialismo europeu deixou os povos do Médio Oriente agrupados em Estados-nação e governados por líderes que tendiam a favorecer qualquer ramo (e tribo) do islão de que eles próprios proviessem. Eram ditadores que usavam a máquina do Estado para assegurar que sua autoridade dominasse toda a área dentro das linhas artificiais traçadas pelos europeus, quer isso fosse ou não historicamente apropriado e justo para com as diferentes tribos e religiões que haviam sido reunidas.

Nada menos que 100 mil curdos foram assassinados e 90% de suas aldeias foram varridas do mapa. Embora não seja um Estado reconhecido, há uma região identificável como “Curdistão”. Já que atravessa fronteiras, é uma área de perturbação potencial caso as regiões curdas tentem estabelecer um país independente. Quando em 1990 Saddam Hussein invadiu o Kuwait, os curdos passaram a se agarrar à chance de fazer história e transformar o Curdistão na realidade que lhes fora prometida – mas jamais concedida – após a Primeira Guerra Mundial pelo Tratado de Sèvres (1920). Na parte final do conflito da Guerra do Golfo, os curdos se insurgiram, as forças aliadas declararam uma “zona segura” em que as forças iraquianas não podiam entrar, e um Curdistão de facto começou a ganhar forma.

A invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003 cimentou o que parece um facto: “Bagdade não governará mais os curdos”. O Curdistão não é um Estado soberano reconhecido, mas tem muitas das características de um Estado, e acontecimentos em curso no Médio Oriente apenas aumentam a probabilidade de que venha a existir um Curdistão no nome e no direito internacional. As questões são: que forma ele terá? E como a Síria, a Turquia e o Irã reagirão caso suas regiões curdas tentem fazer parte dele e se esforcem para criar um Curdistão contínuo, com acesso ao Mediterrâneo? Haverá outro problema: a unidade entre os curdos. O Curdistão iraquiano está dividido há muito tempo em duas famílias rivais. Os curdos da Síria tentam criar um pequeno Estado que chamam de Rojava. Eles o veem como parte de um futuro Curdistão maior, mas, na eventualidade de sua criação, surgiriam questões relativas ao seguinte ponto: quem teria o poder, quanto e onde. Se o Curdistão vier a ser de facto um Estado internacionalmente reconhecido, a forma do Iraque mudará. Isso presumindo que haverá um Iraque. Pode ser que não haja.

No tempo de Saddam, os curdos eram geograficamente definidos e numerosos o bastante para conseguir reagir quando a realidade da ditadura se tornou excessiva. Os 5 milhões de curdos do Iraque estão concentrados nas províncias norte e nordeste de Arbil, Suleimania e Dohuk e áreas circundantes. Elas formam um gigantesco crescente marcado sobretudo por morros e montanhas, o que significa que os curdos conservaram sua identidade distinta apesar de repetidos ataques culturais e militares contra eles, como a Operação de Al-Anfal de 1988, que incluiu ataques aéreos com gás contra as aldeias. Durante a campanha de oito estágios, as forças de Saddam não fizeram nenhum prisioneiro e mataram todos os homens que lhe apareceram com idade entre quinze e cinquenta anos. As minorias mais diminutas numa ditadura por vezes fingem acreditar na propaganda de que seus direitos estão protegidos porque lhes falta força para fazer alguma coisa em relação à realidade. Por exemplo, a minoria cristã do Iraque e seu punhado de judeus sentiam que podiam ficar mais seguros mantendo-se em silêncio numa ditadura secular, como a de Saddam, do que se arriscando numa mudança e no que temiam que poderia vir a seguir, como de facto veio.

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