sexta-feira, 11 de outubro de 2019

O oráculo de Delfos




O estudo multidisciplinar de vários anos finalizou com a publicação de The geological origins of the oracle at Delphi, Greece, 2001, é um estudo multidisciplinar levado a cabo por  J. Z. De Boer & J. R. Hale, que foi avalizado pela Universidade de Connecticut e de Kentucky, que no Abstract anexo se podem ler as seguintes conclusões: 

««As análises químicas das amostras de água e no adyton (realizadas em 1989) demonstraram que as águas do lugar, no passado, e ainda hoje, libertam pequenas quantidades de gases de hidrocarbonetos (metano, etano e etileno). Durante o século XX utilizaram-se ligeiras doses de etileno como anestésico cirúrgico.»»
Este caso demonstra que, muitas vezes, principalmente devido à passagem do tempo, podemos interpretar mal os acontecimentos, pois temos dificuldade em entrar na pele de gente remota no tempo e no espaço cujas ideias, costumes e formas de vida estão muito distantes das nossas. Nós europeus ocidentais herdamos muita coisa da Grécia Antiga. Mas ainda assim o tempo é implacável para o esquecimento do que é a vida em profundidade. O que perdemos foi a sua devoção e respeito pelas leis da natureza. Ora, se queremos encontrar uma visão objetiva das coisas, é fundamental que gradualmente nos libertemos de ideias pré-concebidas, a fim de ver tudo com mais amplitude e clareza. Compreender os aspetos do passado de que nos esquecemos, pode ser um elo importante para entender e melhorar o nosso presente. 

Delfos era o lugar que albergava o famoso oráculo de Apolo na Grécia clássica. Aí, a Sibila transmitia a mensagem dos deuses. Muitos autores clássicos afirmam que este poder provinha dos gases emanados das profundezas da terra, embora tal afirmação tenha sido rejeitada pelos primeiros arqueólogos. Só recentemente a investigação em epígrafe trouxe novas pistas científicas: existem, de facto, falhas e elementos geológicos que explicam os vapores que a pitonisa aspirava. As histórias de Ésquilo, Cícero, Plínio, Estrabão, Diodoro, Platão, Pausânias, Plutarco e muitos mais, deixam de ser um mito. 


Delfos foi um dos lugares mais importantes do mundo grego. Está situado perto do golfo de Crisa, rodeado pelo incrível monte Parnaso, que a mitologia considera como a morada das musas. Dentro deste sítio encontravam-se distintos monumentos, mas tudo girava em torno do templo de Apolo, o lugar que abrigava o oráculo onde a pitonisa falava em nome de Apolo para responder às perguntas dos visitantes. Por ele passaram personagens como Filipe II (rei da Macedónia) ou Cícero. No entanto, nem todos podiam compreender as palavras e as mensagens. A resposta da Sibila era ambígua, tinha de ser interpretada. E não é por acaso que no templo de Apolo estava a famosa frase “Conhece-te a ti mesmo”, pois só quem é capaz de entrar dentro de si mesmo pode compreender a mensagem.

A pitonisa era treinada desde a infância, e era escolhida pelos sacerdotes, uma vez que devia ter qualidades especiais e viver rodeada de pureza física, mental e espiritual. Encontrava-se no recinto do templo que se chamava “adyton” (do grego τὸ ἄδυτον, literalmente lugar onde não se pode entrar). Sentada sobre uma trípode de madeira de louro, recebia o consulente. As pernas simbolizavam o passado, o presente e o futuro, o que veio a significar outro ensinamento interessante: “Sem aceitar o passado, sem conhecer o presente, nenhum futuro se pode construir”. O modo como revelava a mensagem é relatado por numerosos historiadores, poetas e filósofos clássicos: Ésquilo, Cícero, Plínio, Estrabão, Diodoro, Platão, Pausânias e Plutarco, que, para além disso, foi sacerdote do templo no século II. Todos coincidem no mesmo: a Sibila aspira uns gases que provêm das profundezas da terra, entra em estado de transe e revela a mensagem de Apolo. No entanto, esta explicação tradicional não foi aceite pelos primeiros arqueólogos que trouxeram à luz o Santuário de Delfos.

Em 1985, o geólogo Jelle Zeilinga de Boer foi contratado pelo governo grego para fazer um estudo da atividade sísmica da zona. Este projeto foi promovido pela ONU, e o seu principal objetivo era procurar falhas ocultas. Na sua primeira visita, aconteceu algo que o próprio qualificou como “um facto afortunado”. Relata que o trânsito devido ao turismo tinha obrigado a alargar a estrada. Enquanto observava os trabalhadores a escavar a montanha, deu-se conta de que tinham posto a descoberto uma falha. O geólogo, com grande curiosidade, seguiu-a ao longo de vários quilómetros e comprovou que a oeste de Delfos se unia a uma falha de que já ouvira falar. A sua parte central estava escondida por sedimentos rochosos, mas curiosamente parecia passar precisamente por baixo do templo. 
Jelle Zeilinga de Boer conhecia as histórias de Plutarco e de outros escritores gregos, e pensou que talvez essa falha fosse a fratura por onde subiam os vapores que a profetiza aspirava. Era algo que parecia bastante óbvio. No entanto, Jelle Zeilinga de Boer, por ser um geólogo, não lhe deu demasiada importância, acreditando que talvez outros arqueólogos já o tivessem descoberto. 

Em 1995, quando 
Jelle Zeilinga de Boer visitava umas ruínas romanas em Portugal, conheceu John Hale, arqueólogo da Universidade de Louisville, Kentucky, que dirigia as escavações nesse momento. De Boer tinha sido recomendado a John Hale, já que ele era um especialista em geotectónica e lhe podia dar a sua opinião sobre alguns danos no solo da escavação, que podiam ter sido produzidos por um sismo. Jonh Hale, mais céptico do que o partidário das explicações dos antigos historiadores, disse a De Boer que ali não havia falha nenhuma. Mas De Boer insistiu, e assim, talvez por ironia do vinho português, concordaram em desvendar a verdade sobre Delfos. Em 1996 Hale e De Boer foram a Delfos estudar as falhas. Os mapas dos geólogos gregos indicavam que os estratos subterrâneos eram de calcário asfáltico contendo até cerca de 20% de óleos enegrecidos. Este facto aclarou um dos primeiros pontos: a presença de elementos petroquímicos e a ausência de atividade vulcânica. Em 1998 houve uma segunda visita. Foi então que encontraram uma segunda falha, a que chamaram Kerna, devido a um conhecido manancial que corria de norte a sul debaixo do templo. Pouco depois, descobriram que ambas as falhas se cruzavam num ponto muito especial do mesmo templo de Apolo: o local onde a adivinha profetizava: o adyton. 

Jeffrey Chanton, geoquímico da Universidade da Flórida, juntou-se à equipa para analisar amostras dos sedimentos das falhas e das nascentes secas: ele encontrou etano e metano, elementos que em concentrações elevadas podem embriagar ao ser inalados. No entanto, ocorreu a De Boer que poderia haver etileno, um potente psicoativo que se torna mais difícil de encontrar com o tempo. Chanton viajou para a Grécia para recolher amostras de uma nascente ativa perto do templo. Depois de vários dias de espera, a equipa recebeu um telefonema seu: tinha encontrado etileno. O mistério estava resolvido. No final de 2000 Hale conheceu Henry Spiller, diretor do Centro Toxicológico Regional de Kentucky. Henry Spiller explica que “nas primeiras fases, o etileno causa euforia, sensação de flutuar no ar, obnubilação e placidez, e em doses elevadas mais efeitos”. Estes efeitos passam ao fim de pouco tempo se se deixar de aspirar o gás. Chamou a atenção de De Boer o facto de o etileno ter um odor perfumado, indo ao encontro dos odores que Plutarco descrevia nos seus escritos.

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