sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Terapia. Saúde. O regresso às origens


Hoje qualquer cientista médico - e refiro-me ao investigador das bases fundamentais, e não ao médico clínico que existe para servir a pessoa e resolver o melhor possível os seus problemas de saúde, e não para servir a Teoria - não pode investigar no campo da medicina sem se inteirar do novo paradigma quântico/relativístico, que governa o nosso mundo, incluído neste conceito de mundo a vida. Por conseguinte, não pode deixar de incorporar na sua bagagem epistemológica conhecimentos da área da biologia subatómica. São as leis da física quântica, e não as leis de Newton que governam os movimentos moleculares que geram a vida.

O paradigma quântico/relativístico diz que vivemos num imenso mar de energia que se apresenta para nós como matéria em diferentes níveis de densidade. A viagem ao interior do átomo, proporcionada pela física quântica, revelou a relação de interdependência entre as partículas do mundo subatómico e a capacidade de cada partícula englobar na sua estrutura a informação sobre todas as demais, o que é a base do paradigma holográfico no qual o cérebro se insere. Embora não obrigue a que se feche a porta do paradigma cartesiano/newtoniano, porque funciona bem para a dimensão macro, é imperioso que se abra de uma vez a porta da abordagem sistémica, que transcende sobremaneira a abordagem até agora paradigmática da fragmentação/redução. 


O corpo humano tem como base do seu funcionamento a informação na forma de energia eletromagnética. Se pensarmos agora que cada organismo, célula, elemento ou órgão, possui uma frequência eletromagnética única e identificável, é fácil entender que as perturbações nesse campo energético, geram alterações que se manifestam como modificações bioquímicas. Assim, quando o campo eletromagnético está equilibrado, o corpo está saudável. A sobrevivência está, pois, de alguma maneira vinculada à eficiência da interpretação de sinais de energia que circula à velocidade de 300 Km por segundo. Por exemplo, as proteínas da membrana da célula dependem de sinais eletromagnéticos do ambiente para gerar as reações no interior da própria célula, tendo como objetivo a manutenção do corpo saudável. Que por sua vez é indispensável para garantir uma sobrevivência de boa qualidade.

Quando começa verdadeiramente a haver uma medicina considerada como uma ciência racional? Para responder a esta pergunta temos de começar por onde tem de se começar, pelo princípio. E para isso temos de regressar às origens. O regresso às origens é típico daqueles momentos da História em que se prenuncia o fim de um paradigma civilizacional quando o novo ainda não teve tempo de mostrar a sua verdadeira face. É por isso que o fenómeno religioso volta sempre como a componente salvífica da humanidade. Mas atenção, não se trata de doutrina ou ideologia, nem de credo vinculado a seitas, sempre imbuídas de preconceitos e fanatismos. O homem espiritual é essencialmente uno, diferente do homem manifestado que é muito diverso em credos e práticas ritualizadas. É aqui que se abre a primeira brecha epistemológica do conceito “religião” (re-ligação com a natureza). Quando se alia a intolerância fanática de ideias manipuladas ao rito exotérico e não esotérico, já estamos a falar de outra coisa.
Toda a religião emana da Natureza, que na sua primeira forma é sempre esotérica, e só depois exotérica. Esotérica no sentido de ser interior ao ser humano, e, por conseguinte, vivencial e mais genuína ou autêntica. Era nesse sentido que falava Fernando Pessoa quando dizia que o homem que não consegue ver na Natureza a expressão original, o grande depósito do pensamento humano, era intelectualmente um desesperado. Saber ler o Grande Livro da Natureza sempre foi considerada a suprema sabedoria. Era assim Jorge Dias a falar, o antropólogo português, de uma realidade bem concreta que nem o catolicismo dogmático, nem o materialismo redutor dos últimos tempos, conseguiram apagar por completo da mente do povo classificado como pagão. 

O pluralismo doutrinal do cristianismo nascente, estava carregado de esoterismo e de mistérios que estava em sintonia com o sincretismo do período helenístico em redor de uma Alexandria bibliotecária, com livros de Platão a Plotino. Nessa altura, e antes do geocentrismo católico, Clemente de Alexandria falava num Sol colocado como um castiçal no centro dos planetas, sobre os quais esparze a luz. Ou seja, era o heliocentrismo que já era professado pelas escolas de mistérios da antiguidade clássica. Depois veio Lactâncio, um padre da Igreja, que declarou o sistema heliocêntrico como herético.

Não disponho de uma resposta coerente sem incorrer num anacronismo ingénuo. Costuma-se ir à Grécia Antiga, e a Hipócrates, para tentarmos encontrar a resposta. E o que ficamos a saber é que para os Gregos a natureza não era distinta da divindade, e os deuses eram parte integrante do mundo natural. O papel da terapêutica seria ajudar a physis a seguir os seus mecanismos normais, ajudando a expulsar o humor em excesso ou contrariando as suas qualidades.

Alcméon de Crotona (510-? a.C.) foi o primeiro a caracterizar a saúde como um equilíbrio no corpo humano de opostos, inspirado na ideia de Pitágoras (570-500 a.C.) sobre o equilíbrio baseado em proporções numéricas definidas. A partir deles apareceram as escolas médicas de Crotona e Kos, devotadas a Asclépio, o deus grego da medicina. Hipócrates era da escola de Kos, onde desenvolveu pela primeira vez a ideia de uma patologia geral, compilada no Corpus Hippocraticum, uma vasta obra constituída por 53 livros atribuídos tradicionalmente a Hipócrates e reunidos em Alexandria por Baccheio de Tangará no século III a.C. A medicina hipocrática não ficou apenas pela Grécia, foi levada para o Egito e Ásia Menor por via das conquistas de Alexandre.


Foram identificados centenas de santuários antigos de Asclépio em toda a orla do Mediterrâneo e Europa ocidental, através de ruínas arqueológicas, citações literárias, inscrições em monumentos e iconografia numismática. Muitos de seus templos estavam localizados em posições privilegiadas, como nas acrópoles de Atenas. Alice Walton ofereceu uma listagem com 368 locais de culto, embora para alguns deles as evidências tenham se resumido a um placa votiva, um altar ou uma inscrição, e nem sempre nestes casos é seguro que houve ali um verdadeiro santuário. Ela omitiu as fontes latinas, de modo que ainda existem várias lacunas num mapeamento completo, o que indica que a disseminação de sua influência foi ainda mais vasta. Gerald Hart aumentou a sua lista com mais 96 sítios. Esperandieu indicou mais 29, e outros estudiosos trouxeram evidências de diversos mais na Europa central.



Epidauro

Epidauro era uma cidade da Grécia Antiga situada na Argólida às margens do mar Egeu e célebre pelo Santuário de Asclépio, deus da medicina, que atraía doentes de todo o mundo. O seu Teatro ao ar livre está bem conservado. Fundada pelos jónicos e ocupada pelos dóricos, aliou-se a Esparta e perdeu a sua importância com o desenvolvimento da cidade de Egina, na ilha de mesmo nome. Decaiu com a conquista romana. Foi daqui que o culto a Asclépio irradiou, no final do século VI a.C., para todo o lado nos tempos aureos da civilização grega. Mas foi a partir da sua invocação pelos atenienses para afastar a peste de Atenas em 420 a.C., que a sua fama rapidamente cresceu, sendo frequentemente associado a Higeia. As lendas sobre Higeia e Asclépio simbolizam a perene oscilação entre duas abordagens básicas da medicina: a profilaxia e a terapêutica. Para os seguidores de Higeia a saúde era o resultado do seguimento das leis naturais, e a função da medicina era identificar e divulgar quais eram essas leis, responsáveis pela manutenção de um equilíbrio sadio entre mente e corpo, para que as pessoas não as violassem, trazendo-lhes a doença. Em contraste, para os devotos de Asclépio, o papel do médico era curar a doença já instalada através da cirurgia, de medicamentos ou de agências sobrenaturais. A vasta disseminação do culto a Asclépio foi o fenómeno religioso mais impressionante na Grécia desde o surgimento do culto dionisíaco. Em Atenas o seu culto também foi associado a partir de 413 a.C. aos Mistérios de Elêusis. O santuário de Epidauro, o mais famoso e um dos mais importantes monumentos arquitetónicos gregos do século IV a.C., possuía mais de 160 aposentos para os peregrinos, e podia ser comparado a um grande hospital. 






O Tholos de Epidauro
Um tholos, que significa “cúpula”, é uma estrutura arquitetónica redonda, geralmente construída sobre alguns degraus (um pódio), com um anel de colunas apoiando um teto abobadado.


Em todos os seus santuários havia um templo, uma fonte para purificação e um local para dormir. A área do santuário ainda muitas vezes incluía termas, jardins cultivados, um teatro, um ginásio e uma biblioteca. A cura era um processo que envolvia a transformação do corpo e do espírito.  
O paciente se purificava na fonte do santuário e oferecia um sacrifício. Oferendas comuns eram bolos de mel, bolos de queijo e figos. Preces, meditação, o canto de hinos sacros, banhos medicinais, exposição à luz do sol, caminhadas de pés descalços, uma dieta especial, abstinência de sexo e exercícios físicos também eram muitas vezes parte do ritual e do tratamento. À noite o doente se dirigia para o abaton, a fim de dormir e se produzir a enkoimesis, ou "incubação", ou seja, a revelação do deus em sonhos, o que frequentemente acontecia. O deus ou aparecia e curava diretamente, ou dava instruções sobre um tratamento específico, o que às vezes acontecia ao longo de vários dias em sonhos diferentes. O sonho era então relatado aos sacerdotes, que interpretavam ou complementavam as instruções. O seguimento literal das instruções dadas em sonho era um pré-requisito para a cura. São conhecidos vários relatos sobre o deus aparecendo em sonhos contrariado com a falta de fé do paciente. Ocasionalmente o deus transformava uma doença séria em outra mais branda, e então a deixava ao cuidado dos médicos. Às vezes o sonho não era necessário, e a cura se efetuava imediatamente. Se a pessoa fosse curada, o costume era agradecer com um novo sacrifício, então geralmente era oferecido um galo ou uma soma em dinheiro. Também podia ser um ex-voto, uma obra de arte, ou um poema composto em sua honra. 


Outros templos importantes eram os da ilha de Cós, durante o período Helenista, e o de Pérgamo durante o Império Romano. Asclépio  foi um dos primeiros deuses gregos a serem assimilados pelos romanos, depois de uma praga em 293 a.C. Dois anos depois já possuía um templo em Roma na ilha Tiberina, onde séculos depois foi erguida uma igreja cristã dedicada a São Bartolomeu. Anualmente era celebrado um grande festival em Epidauro, nove dias após os Jogos Ístmicos. O festival combinava cerimónias sacras e confraternizações profanas, e atraía devotos de Asclépio e médicos de toda a Grécia. Havia uma grande procissão desde a cidade até ao santuário, quando se cantavam hinos em honra do deus, eram realizados sacrifícios públicos e privados, e depois a festa encerrava com um grande banquete, competições atléticas e representações teatrais. Platão dizia que ele tratava de doenças localizadas através de uma dieta equilibrada, sangrias, medicamentos e cirurgia, mas se considerasse um homem doente da alma, rebelde e destemperado, e incapaz de seguir seus preceitos, ou se estivesse em estágio terminal, não o tratava. O relato de Platão é colorido pela sua ética e visão política, pois acreditava que uma vida não valia a pena ser vivida se não fosse de acordo com as leis da virtude, e um homem não merecia a atenção da sociedade se a sua vida não revertesse para o benefício da coletividade. De qualquer forma essa visão era compartilhada pelos gregos de sua época. Os sacerdotes-curadores de Epidauro, na entrada do seu templo, haviam feito inscrever o dito: "Puro deve ser quem entra no templo odoroso; pureza significa ser sábio nas coisas sagradas", e naquela época no conceito de pureza estava implícito o de arete: virtude.

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