quinta-feira, 24 de outubro de 2019

O pensamento de Keiji Nishitani e a Escola de Kyoto



Em 1935, Keiji Nishitani tornou-se professor associado na Universidade de Kyoto. E em 1937, foi para a Universidade de Frankfurt, onde nessa altura lecionava Heidegger. Em 1965, ele foi eleito membro da Academia Japonesa de Ciências. Em 1972, recebeu a Medalha de Ouro Goethe pela Alemanha Ocidental por suas grandes realizações em trocas culturais entre o Japão e a Alemanha. Em 1982, foi selecionado como herói nacional japonês por suas extraordinárias realizações em pesquisa filosófica.

Como estudioso da Filosofia Ocidental, teve uma boa formação, recebendo conhecimento do pensamento de vários filósofos: Aristóteles, Plotino, Agostinho, Eckhart, Descartes, Kant, Hegel, Shelling, Nietzsche, Bergson e Heidegger. E depois combinou-os com as ideias tradicionais do Oriente. E é assim que desenvolve pensamento original, em quase todos os campos da filosofia e da religião, que hoje é usual ser mencionado com o nome de “Pensamento da Escola de Kyoto”.

No livro "A filosofia subjetiva das raízes" (1940), ele apresenta o termo único "subjetividade das raízes", argumentando que não há nada no fundo de nossa existência que possa ser usado como base. A partir dessa consciência de fundo sem base, forma a subjetividade de uma intelectualidade de cariz religioso ligada a uma existência natural. Em "O que é a religião" (1962), o núcleo do pensamento é a transição da ideia de "vazio" para um céu sem limites. Ele reproduz o significado do conceito de vacuidade do budismo mahayana no mundo moderno, através do estudo comparativo da religião e da filosofia entre o Oriente e o Ocidente.

Na colisão e fusão da filosofia ocidental com a tradição espiritual oriental, na Escola de Kyoto é trabalhado o tópico do niilismo através do conceito de vacuidade do budismo. Por conseguinte, o ponto de partida do pensamento de Nishitani colide com a visão de mundo do paradigma científico ocidental mecanicista e reducionista. E choca também com a visão de mundo baseada na metafísica tradicional, seguindo a posição de Heidegger. Ora, a ciência e a tecnologia proporcionaram à humanidade a confiança no domínio da natureza e da racionalização da sociedade, ao ponto de conceber o progresso infinito. Um exemplo é o dos transplantes de órgãos serem possíveis por via de uma visão mecânica dominante, que entende a estrutura humana como um conjunto de peças. O que veio mexer no sentimento da identidade pessoal. É um veneno a falta de sentido que faz o ser humano levantar-se de forma radical contra a natureza dominada por leis mecânicas do mundo mecanicista. Nietzsche chamou à atenção para isso e Sartre procurou elucidar o que era o “nada” na base da condição humana. A humanidade havia cortado os seus laços com a transcendência.

Uma grande parte da humanidade contemporânea ainda acreditar nessa visão de mundo científica informada pela racionalidade metafísica. E é a essa mundivisão oque Nishitani é crítico quando a confronta com a necessidade que o ser humano tem de paz de espírito, coisa que a visão de mundo científica, como a única verdade, não dá. A reflexão de Nishitani pode dar a impressão de desenvolver uma apreensão pessimista da contemporaneidade tendo por seu ponto de partida a visão de que o mundo contemporâneo é marcado pelo niilismo em seu próprio fundamento. Como se terá dado esta situação histórica do surgimento do niilismo? Que relação terá com a visão dominante do mundo das ciências naturais exercendo influência sobre a humanidade em sua passagem da modernidade para a contemporaneidade?

A visão do mundo científica é marcada pelo racionalismo. O seu conteúdo é o materialismo e, por consequência, é ateísta. O ponto de vista racionalista, que fundamenta a visão do mundo científica, quando de forma extrema, implica que o mundo natural é dominado pela lei da necessidade mecânica, e que, na apreensão dessa lei, nada mais é necessário além da racionalidade humana. Essa compreensão racional possui em seu interior um caráter que dispensa qualquer existência transcendente para além de si mesma. Atualmente, não se coloca o problema das limitações da ciência a partir do ponto de vista da própria ciência. Ou seja, o ponto de vista científico inclui essencialmente uma tendência a não reconhecer não só a religião, mas também a filosofia (com a exceção da filosofia da ciência, que assume o ponto de vista da ciência).

A ciência parece ver seu ponto de vista como uma verdade absoluta e a se afirmar de uma forma completa. Em função disso, não é possível limitar essa questão no presente a um estabelecimento de limites. O pilar que sustenta o ponto de vista científico implica em primeiro lugar uma radicalização da racionalidade, ou seja, acreditar que o mundo consiste em um domínio que pode ser compreendido sem contradições pela razão humana. Em segundo lugar, o ponto de vista científico se apoia num materialismo que pressupõe que a totalidade da existência pode ser reduzida à matéria. Em consequência disso, aparece em terceiro lugar um ateísmo como consequência do segundo pilar, ateísmo este que nega o espírito ou qualquer existência transcendente no sentido da metafísica, na medida em que são distintos da matéria. De acordo com este pensamento, é possível explicar tudo através da redução à matéria: o mundo, a totalidade da existência, a vida entendida em seu caráter finalista, a existência humana entendida como a modalidade mais concreta da existência, a atividade racional humana, e mesmo a sua sensibilidade. Em função disso, aconteceu que tanto o mundo como a existência se tornaram sem sentido e sem objetivo. E essa visão se difundiu no fundamento da civilização e da humanidade contemporâneas.

Então a questão é: Será possível reduzir à materialidade a existência humana quando esta se constitui como o sujeito da operação racional que desenvolve tal ponto de vista? Por exemplo, mesmo que fosse possível essa redução à matéria, não é possível negar que é a atividade espiritual humana que atua no pano de fundo dessa redução. Essa atividade espiritual é uma parcela da atividade vital, que inclui em si um caráter não racional e, portanto, não se constitui apenas como uma atividade de caráter racional. Se o ser humano exerce a sua atividade em concordância com essa atividade, então aparecerá necessariamente uma modalidade de sentimento não racional.

Como o “lugar do vazio” é o lugar que possibilita que a negação absoluta seja transmutada em afirmação absoluta, ele considerou que é através do “lugar” que se pode dizer que surge a existência de cada indivíduo. Assim, o “lugar” é a totalidade infinita do Universo. Ora, é a partir daqui que a totalidade infinita do Universo pode absorver a totalidade dos existentes presentes em seu interior. E é assim que o “si mesmo nominal”, “eu absoluto” aqui a sentenciar, é em última instância o Universo a afirmar-se a si próprio, na medida em que “eu” faço parte do Universo. A lógica da autoidentidade é uma lógica existencial aplicada ao Universo. É a partir daqui que se pode prosseguir com a negação e afirmação absolutas das existências numa interpenetração mútua através de um lugar que é vazio. É através da lógica do vazio que se torna possível a simultaneidade da negação e afirmação absolutas.

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